sábado, 22 de novembro de 2025

Por que a segurança não decide eleições presidenciais no Brasil, por Antonio Lavareda

Folha de S. Paulo

Convivemos com elevados níveis de violência, mas as eleições continuam orbitando outros fatores

Enquanto polícias permanecerem estaduais, e a arquitetura federativa estimular a dispersão de culpas, a segurança seguirá como tema politicamente ruidoso

A afirmação pode soar paradoxal para um país que figura entre os que mais temem a violência no mundo. No entanto, ela busca explicar por que a segurança pública, apesar de ocupar lugar constante no debate nacional, dificilmente se converte em eixo determinante do voto para presidente.

A razão é estrutural: ao contrário dos demais países latino-americanos, que adotam forças policiais nacionais, o Brasil fragmenta sua segurança entre 27 corporações estaduais. É um modelo singular, que dilui a percepção de responsabilidade e reconfigura o peso do tema no processo eleitoral.

Nossa Polícia Federal conta com 15 mil agentes, ao passo que as Polícias Civil e Militar somam mais de 500 mil, e Guardas Municipais, em crescimento acelerado, em torno dos 100 mil.

Na maioria das democracias vizinhas, a equação é simples: se o policiamento é nacional, o presidente responde diretamente pelos resultados. Da Colômbia ao Chile, passando por Peru, Equador e El Salvador, a segurança tende a dominar as campanhas, impulsionar outsiders e organizar a disputa política.

No Brasil, a dinâmica é inversa. A fragmentação federativa cria um sistema de múltiplos culpados: violência na Bahia? Falha estadual. Crise no Ceará? Problema local. Avanço do crime organizado nas fronteiras? Atribuição federal. Cada ente dispõe de um álibi institucional para deslocar a responsabilidade ou, como na polêmica megaoperação carioca, de um troféu para chamar de seu.

Esse arranjo produz um efeito duradouro. A segurança mobiliza e desgasta, mas não estrutura. Atua como um corrosivo silencioso sobre a avaliação do governo, sem se transformar em força condutora das preferências nacionais. Daí a razão pela qual 2026 não será uma eleição "à la Bukele", e sim uma disputa em que o tema aparecerá de forma intermitente, associado a eventos locais e picos de atenção midiática, mas sem capacidade de reorganizar a agenda nacional.

A comparação com outros países da região é instrutiva: onde a polícia é centralizada, a segurança pauta a política; onde é fragmentada, como aqui, ela a perturba, mas não a define.

Isso não significa que o tema seja irrelevante. O impacto existe e favorece, em geral, a oposição. Em momentos de deterioração do ambiente urbano, governos tendem a perder apoio, sobretudo entre segmentos de classe média. Mas, para que a segurança se convertesse em eixo dominante, seria necessário que o eleitor percebesse o presidente como responsável direto pelo policiamento cotidiano — algo que o desenho institucional brasileiro impede. Em vez disso, o voto presidencial, afora as identidades cristalizadas, segue ancorado em economia, renda, programas sociais, previdência e avaliação do desempenho geral do governo.

O paradoxo brasileiro permanece: convivemos com elevados níveis de violência, mas as eleições presidenciais continuam orbitando outros fatores. Não por falta de preocupação da sociedade, mas pela inexistência de um centro claro de comando e responsabilidade. O duelo legislativo atual entre oposição e governo não mudará isso. Enquanto as polícias permanecerem estaduais e a arquitetura federativa estimular a dispersão de culpas, a segurança seguirá sendo um tema politicamente ruidoso, capaz de influenciar a disputa, mas insuficiente para determiná-la.

*Cientista político, é sociólogo do Ipespe e presidente de honra da Abrapel (Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais)

Nenhum comentário: