sexta-feira, 24 de maio de 2024

César Felício - A mudança de tom que poderá vir do PT

Valor Econômico

A coligação que o prefeito de Araraquara, Edinho Silva (PT), articula para controlar sua própria sucessão é um indicativo do que poderá ser a estratégia global do partido em 2026. Edinho quer juntar MDB, PSDB e PDT a um grupo dos partidos que em 2022 estava na aliança nacional que elegeu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva contra o então presidente Jair Bolsonaro. Se tudo correr conforme o planejado, seria montada uma coalizão de 12 partidos.

Edinho é a opção preferencial de Lula para substituir na presidência nacional do PT a deputada Gleisi Hoffmann (PR), no ano que vem. Gleisi é uma provável ministra de Lula em uma reforma ministerial e tem seus méritos reconhecidos por comandar a sigla na fase tiro, porrada e bomba, marcada pelas consequências do impeachment de Dilma em 2016, da cassação e prisão de Lula entre 2018 e 2021 e da polarizada eleição de 2022. Foi uma dirigente de combate. Se for de fato substituída por Edinho, o tom poderá mudar dentro da sigla.

Edinho é um defensor conhecido da tese de que o PT deve aproveitar qualquer janela de oportunidade para abraçar o discurso de frente ampla e afrouxar a polarização que assola o país. Já externou a interlocutores algumas vezes sua preocupação com a falta de sinais do governo para a franja da classe média que descolou do antipetismo em 2022 movida pela rejeição a Bolsonaro.

Nas eleições passadas, conforme Maurício Moura e Maria Carolina Trevisan deixaram claro no livro recém-lançado “Voto a voto-os cinco principais motivos que levaram Bolsonaro a perder (por pouco) a reeleição”, o ex-presidente perdeu muito eleitorado em capitais onde o antipetismo é uma força importante.

Em São Paulo teve 13,9 pontos percentuais a menos no segundo turno de 2022 em relação ao segundo turno de 2018. No Rio 13,7 pp. Em Curitiba, 11, 8. Em Florianópolis, 11,5. Em Brasília a votação de Bolsonaro caiu nos turnos mencionados de 70% para 58,8%. Em Porto Alegre de 56,8% para 46,5%. Na megabolsonarista Rio Branco a votação do ex-presidente recuou de 82,8% para 72,5%. Em Goiânia de 74,2% para 63,9%. Na Araraquara de Edinho a votação de Bolsonaro despencou de 63,6% para 49,5%.

Tudo isso para dizer que Lula derrotou Bolsonaro porque avançou no território inimigo, ainda que não tenha conquistado suas praças.

Nas eleições desse ano não deverá estar em seu pior momento, marcado pelas eleições de 2016 e 2020, mas nem de perto será o partido que era em 2012. Nas grandes cidades suas melhores apostas são Guarulhos (SP) e Fortaleza, sendo que em nenhuma das duas lidera as pesquisas. Mas esses são dois casos em que um cenário de segundo turno é favorável para a sigla. Uma vitória de Boulos em São Paulo é vista hoje por especialistas e no meio político em geral como improvável, pela falta de horizonte no segundo turno. O partido parece investir mais na eleição de vereadores, na suposição de que uma colheita consistente de mandatos nos legislativos municipais irão impulsionar a eleição para a Câmara dos Deputados em 2026.

Anistia a Bolsonaro

Um acordo tácito guia a sucessão das mesas diretoras da Câmara dos Deputados, até o momento. O presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), tem o poder de coordenar a escolha e direcioná-la para um favorito, sem oposição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O que Lula quer resguardar é um poder de veto. A ideia central é tentar impedir a ascensão de um dirigente que seja protagonista contra o governo no momento da sucessão presidencial, em 2026. É bastante provável que o próximo presidente da Casa, como Lira, seja de um partido que não cogite apoiar a reeleição de Lula em 2026. Mas se não se dispuser a ajudar, pelo menos que não atrapalhe.

Haveria, portanto, uma manutenção do "status quo", em nome do qual o Centrão barganha com o governo a execução do Orçamento e não cruza nenhuma linha que seja uma ameaça existencial ao Planalto. O Planalto, por seu lado, se conforma em ter sua pauta condicionada. Quando o presidente de turno não se conforma, como foi o caso do ex-presidente Jair Bolsonaro em algumas votações durante seu governo, é derrotado. Bem ou mal é o que tem prevalecido desde a queda de Eduardo Cunha e de Dilma em 2016.

O líder da União Brasil, Elmar Nascimento (BA), muito ligado a Lira, deu início às articulações e suas chances aumentarão se suplantar as resistências dentro do Planalto ao seu nome, historicamente conhecidas. O deputado Professor Luizinho (PP-RJ) é visto como uma espécie de plano B de Lira, em caso de pouca competitividade de Elmar. Correm por fora Marcos Pereira (Republicanos-SP), Antônio Brito (PSD-BA) e Isnaldo Bulhões (MDB- AL), nesta ordem de importância.

É dentro desse contexto que deve ser entendida a disposição do PL, maior bancada da Casa, em trocar o seu apoio a um candidato à Mesa Diretora pelo avanço da proposta de anistia do ex-presidente Jair Bolsonaro. A colocação desse tema em pauta tem potencial para quebrar o "status quo" e ser vista como ameaça existencial ao projeto de poder do Planalto. Além da trombada com o Executivo, haveria ainda a colisão com o Judiciário, que caminha possivelmente para uma nova condenação ao ex-presidente.

Parece haver pouco estímulo para o Centrão partir para a guerra total, pelo menos dentro da precariedade de se fazer uma previsão com tamanha antecedência. Há outras variáveis que podem influir nesse jogo. A deterioração da popularidade de um presidente desperta os instintos do Congresso como sangue na água ao tubarão.

 

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