Financial Times / Valor Econômico
O ódio aos políticos afasta as pessoas boas da atividade, o que piora o governo, o que faz com que os eleitores odeiem ainda mais os políticos
Na última vez que um presidente dos Estados
Unidos quase foi assassinado, a maior parte do mundo rico, mesmo tendo
repudiado o ato, podia classificá-lo como peculiarmente americano. Por isso,
vale a pena listar algumas das medidas de segurança utilizadas pelos
parlamentares do Reino Unido nos últimos anos. Alarmes de pânico móveis.
Coletes à prova de balas. Seguranças pessoais. Evitar eventos planejados e
passeios não essenciais. Um esforço da polícia nacional denominado Operação
Bridger agora foi ampliado para proteger os representantes eleitos fora do
Parlamento.
Um país onde a violência política era rara,
pelo menos fora do contexto da guerra dos Troubles, perdeu dois parlamentares
por assassinato desde 2016. Candidatos nas eleições francesas recentes também
foram atacados. O ministro do Interior da Alemanha cita uma “escalada da
violência antidemocrática”.
Quase todo mundo deplora esses ataques. O problema é que depois disso o consenso se desfaz. O espectro de comportamento que vai até a linha da violência, mas não a ultrapassa, inspira menos preocupação ou mesmo interesse do que deveria. O assédio aos candidatos nas eleições britânicas foi recebido com uma frieza sinistra. Sendo claro, portanto: a cultura contra os políticos é errada em si mesma. Mas mais do que isso, ela se reforça.
Este é o círculo vicioso da política moderna:
ela é uma linha de trabalho cada vez mais desagradável, o que significa que
menos pessoas competentes a escolhem, o que empobrece a qualidade da vida
pública - ou seja, da governança em si e do comportamento daqueles responsáveis
por ela -, o que por sua vez torna os eleitores mais hostis com os políticos. E
o ciclo se repete.
Não há como separar a questão de, digamos,
como uma nação com mais de 330 milhões de habitantes chega a ter um candidato
de 81 anos contra outro de 78 em uma corrida presidencial, das ameaças a
servidores públicos e da dificuldade geral da “política de linha de frente”.
(Que conotação marcial essa expressão tem agora!) Você acha que deveria haver
pessoas melhores na política? Bem, fique à vontade, leitor. Você primeiro.
A questão se aplica ainda mais nesse vácuo de
deferência que chamamos de Reino Unido. A velocidade com que Rishi Sunak, que
poderia ter sido um bom primeiro-ministro com mais uma década de experiência,
entrou no número 11 da Downing Street, e depois no número 10, é um testemunho
de sua determinação, sim, mas também do espantoso nível da competição.
A violência real é pior do que a intimidação,
que é pior do que o abuso verbal, que é pior do que a atenção invasiva, que é
pior do que o cinismo reflexivo, quase aprendido mecanicamente, que agora é a
rotina comum do político diante do público. (“Por que eu deveria acreditar em
qualquer palavra do que você diz?” etc). Mas todos têm o mesmo efeito. Todos
afastam indivíduos capazes - que podemos definir como aqueles com boas opções
de carreira em outros lugares - ou até mesmo pessoas bem ajustadas e não masoquistas.
O perigo é a política se tornar uma espécie de mercado para pessoas que não
alcançariam status semelhante em outra área ou que anseiam por atenção, por
mais brutal que seja. É tentador aqui inverter a frase de Groucho Marx
frequentemente citada sobre clubes e seus membros. O Parlamento não deveria
aceitar ninguém que considerasse se juntar a ele.
Este argumento incorrerá sempre na queixa da
romantização do passado. Não existe uma medida objetiva da “qualidade” dos
políticos, quanto mais uma que mostre conclusivamente que a situação piorou.
Nem é um axioma que uma pessoa de elevada competência geral prospere no domínio
peculiar da política. Robert McNamara foi uma joia da sua geração americana -
astro da Harvard Business School, gênio da Ford Motor Company - e um chefe do
Pentágono tragicamente desajeitado durante a Guerra do Vietnã. O gabinete de John
Major no Reino Unido na década de 90 estava cheio de pessoas que teriam
florescido na vida acadêmica, empresarial ou profissional (e muitas o fizeram).
Mas os eleitores odiaram.
Por um período suficientemente longo, porém,
uma nação é melhor governada - em vez de pior - se as pessoas com outras
oportunidades de carreira as trocarem pela política. Os obcecados sempre serão
voluntários. Os apáticos, nunca o farão. É o caso periférico, o indeciso que
tem uma vida de anonimato próspero aberta para si, que precisa ser seduzido.
É natural atribuir o sentimento contra os
políticos aos fracassos governamentais: as guerras mal-sucedidas, a má
regulação dos bancos, o impressionante feito do Estado britânico em aumentar os
impostos e deteriorar as rendas. Não há uma curiosidade semelhante sobre a
origem desses fracassos. E se a ligação causal funcionar na direção oposta? E
se um Estado inepto for o fruto final da antipolítica?
O Congresso é a instituição menos confiável
nas pesquisas americanas porque é tão ruim, ou é tão ruim porque é
desacreditado, e desse modo desencorajador para aqueles que de outra forma
entrariam para ele e o elevariam? Ridicularizar a classe política é um direito.
Mas a piada, no final das contas, é sobre nós. (Tradução de Mário Zamarian)
*Janan Ganesh é editor do
Financial Times.
Nenhum comentário:
Postar um comentário