sábado, 14 de junho de 2025

A ideia errada de Trump sobre a China – Fareed Zakaria

O Estado de S. Paulo

Presidente não entende influência de Pequim e torna EUA mais vulneráveis

O acordo comercial do presidente Donald Trump com a China, anunciado esta semana, é certamente vago. Mas parece seguir o arco familiar do que um comentarista do Financial Times inteligentemente apelidou de “comércio Taco” – a visão do mercado de que “Trump Sempre se Acovarda” – com uma reviravolta.

O acordo consiste principalmente em um retrocesso para o estado de coisas antes de Trump iniciar sua guerra comercial, exceto que os americanos ainda pagarão uma taxa tarifária de 55% sobre os bens da China (em comparação com a tarifa de 10% da China sobre os produtos americanos).

As tarifas de Trump causarão dor, mas mais aos EUA, não à China. O economista Dean Baker observa que, à luz dessas tarifas, o Banco Mundial agora diz que o crescimento dos EUA deve desacelerar de 2,8%, no ano passado, para 1,4%. E, ainda assim, espera-se que a taxa de crescimento da China permaneça a mesma da previsão anterior. Está claro quem está pagando pelo “dia da libertação” de Trump.

Além do teatro, há uma lição importante. A economia global é agora complexa e interdependente o suficiente para que até mesmo os EUA, liderados por um presidente disposto a usar qualquer meio, enfrentem limites reais em seu poder. Os estudiosos Henry Farrell e Abraham L. Newman observaram astutamente que a interdependência econômica pode ser armada. Os Estados podem explorar quaisquer vantagens que tenham na economia mundial e usá-las para exercer pressão coercitiva.

Washington tem sido o usuário mais agressivo dessa estratégia, impondo sanções a países, adicionando sanções secundárias, punindo indivíduos e cortando nações dos sistemas globais. Mas agora vemos os limites reais desse poder e o custo de abusar dele.

Nas últimas décadas, os governos dos EUA, democratas e republicanas, armaram a dominação econômica do país nas finanças globais. E, neste domínio, o poder dos EUA é inigualável. O dólar é usado em quase 90% de todas as transações de câmbio estrangeiras globais e representa cerca de 57% das reservas de câmbio estrangeiro globais.

Mais de 60% da dívida mundial é emitida em dólares. O sistema de mensagens financeiras Swift, embora com sede na Bélgica, adere à influência dos EUA sobre sanções e, segundo uma estimativa do Tesouro americano, em 2006 facilitou cerca de US$ 5 trilhões em transações diárias. Essas ferramentas dão a Washington a capacidade de punir adversários como Irã, Rússia e Coreia do Norte e isolá-los do sistema financeiro global, sem disparar um único tiro.

OPÇÕES. Mas o comércio não é como as finanças. Em um mundo confuso e multipolar, os países têm muitas opções. Quando os EUA restringiram as exportações de etano para a China, Pequim substituiu usando outros combustíveis. E a China tem sua própria alavancagem. É o maior exportador de bens do mundo, enviando cerca de US$ 3,4 trilhões em produtos em 2023. Produz quase 30% do valor adicionado à manufatura global e domina as cadeias de suprimentos em tudo, desde smartphones até painéis solares. É líder global no processamento de materiais críticos. Refina 68% do níquel mundial, 73% de cobalto, até 99,9% dos elementos de terras raras pesadas e 59% de lítio – materiais essenciais para veículos elétricos, turbinas eólicas e semicondutores.

Quando Washington aumentou as restrições às exportações de tecnologia avançada de fabricação de chips para a China, Pequim respondeu proibindo as exportações de alguns minerais raros, vitais para quase todos os eletrônicos e sistemas de defesa americanos. E, ao contrário de como a China respondeu às restrições de etano de Trump, os EUA tiveram pouco acesso a substitutos rápidos.

A estratégia de Trump, se é que havia uma, estava baseada em um entendimento falho da China. Pequim estava se preparando exatamente para o tipo de pressão que Trump impôs. O Partido Comunista Chinês tem tornado sua economia menos dependente de importações americanas, procurando outros países para fazer acordos e preparando seus consumidores para estar dispostos a suportar a dor para que sua nação possa enfrentar a intimidação estrangeira.

Muito antes de Trump, Washington usou seu poder econômico de forma promíscua. O banco de dados global de sanções mostra que, nos últimos 20 anos, o número de casos de sanções dos EUA em vigor sobre países estrangeiros disparou, mais do que quintuplicando.

Mas Trump levou isso a um novo extremo, ameaçando tarifas e outras medidas diversas que nada têm a ver com comércio (como revogar vistos para estudantes estrangeiros). Ele soa menos como um homem representando a principal nação do mundo e mais como um chefe da máfia.

COLATERAL. No final das contas, a guerra comercial de Trump foi um caso didático de uso indevido do poder duro em um domínio onde os EUA não tinham uma vantagem clara, e onde a coerção provavelmente provocaria resistência em vez de conformidade.

Perturbou mercados, prejudicou alianças e acelerou a busca por alternativas aos sistemas dominados pelos EUA. E o maior preço de empunhar o poder duro dos EUA de forma tão brutal será a erosão do poder brando americano – a fé e a confiança no país que o tornou o definidor da agenda mundial e líder, e que lhe deu a posição central em tantas áreas, desde finanças e moeda até a política internacional.

Os cientistas políticos Robert O. Keohane e Joseph S. Nye recentemente apontaram que Trump é obcecado pelo poder duro. Pessoas como ele podem citar a famosa linha zombeteira de Joseph Stalin: “Quantas divisões tem o papa?” Mas, como Keohane e Nye observam, oito décadas desde a 2ª Guerra, o país que Stalin governou, a União Soviética, agora está enterrado nas areias da história, enquanto o papado sobrevive e prospera, exercendo influência em todo o mundo. •

É COLUNISTA DO ‘WASHINGTON POST’, PUBLICADO NO ‘ESTADÃO’ AOS SÁBADOS

 

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