sábado, 14 de junho de 2025

Não serve o IOF? Há outros impostos – Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Parece que boa parte das medidas do novo pacote fiscal resulta de improviso para arrancar receita onde for mais fácil

“Estes são os meus princípios. Se você não gosta deles, eu tenho outros” (Groucho Marx)

Lembrei-me da frase quando o ministro Fernando Haddad anunciou a Medida Provisória contendo uma nova leva de aumento de impostos. Algo assim: não gostaram do IOF? Temos outros impostos.

O ministro não nega que esteja elevando tributos, mas assegura que são justos. Trata-se, diz, de eliminar distorções do mercado financeiro e ampliar a base de pagantes, alcançando os mais ricos. O presidente Lula foi mais explícito. Na quinta-feira, numa solenidade em Minas, disse que não ganhou a eleição para beneficiar os ricos. Acrescentou um número: R$ 860 bilhões — esse seria o volume anual de isenções fiscais ou gastos tributários.

Para Lula e Haddad, essas isenções beneficiam especialmente os mais ricos. Seriam impostos de que os ricos são dispensados por alguma legislação. De fato, há muitas pessoas, setores e atividades sobre as quais não incidem impostos, ou incidem em alíquotas reduzidas. Mas o volume citado por Lula parece exagerado, e os beneficiários não são exatamente, ou exclusivamente, os mais ricos.

No Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2026, enviado pelo governo ao Congresso, está prevista a quantia de R$ 621 bilhões de renúncias fiscais. Menos do que disse Lula, mas muito dinheiro. Beneficia quem? Quem compra produtos da cesta básica, que é desonerada. Os microempreendedores, micro e empresas de pequeno porte do Simples Nacional. Não são propriamente os super-ricos.

A Zona Franca de Manaus também se beneficia de isenções, e lá estão grandes empresas. Faz tempo que muitos analistas consideram essa isenção um absurdo. Mas o Congresso colocou a Zona Franca na Constituição, sob o argumento de que gera emprego e renda na pobre Região Norte. Não é para beneficiar ricos, mas para descentralizar a instalação de fábricas. Discutível, claro, mas ninguém, nem no governo, nem na oposição, fala em acabar com essa vantagem. Também ninguém fala em acabar com a isenção da caderneta de poupança.

Mas o governo quer acabar com pelo menos uma isenção. Trata-se de investimentos que financiam o agronegócio e o setor imobiliário. O investidor que compra títulos vinculados a essas áreas recebe os juros e não paga IR. Se aprovada a nova Medida Provisória, pagará 5%. Os setores atingidos reclamam. Seu argumento: a isenção foi estabelecida justamente para atrair investimentos a negócios essenciais, como construção civil, infraestrutura e produção de alimentos. Pode-se discutir a tese, mas não se pode dizer que a isenção foi inventada só para beneficiar os mais ricos.

Haddad diz que há aí uma distorção no mercado. Há títulos sobre os quais incidem impostos e outros isentos. Mas, ao colocar 5% de IR naqueles papéis do agro e do setor imobiliário, a distorção continua. Os demais investimentos financeiros pagarão 17,5%, conforme previsto na mesma Medida Provisória. Aliás, aqui se cria outro problema. Hoje, investimentos financeiros em títulos de curto prazo pagam IR maior. Títulos longos pagam menos — e o objetivo é justamente estimular o investidor a aplicar em prazos maiores. Unificando o IR, o governo dá um tiro no pé. O Tesouro coloca papéis na praça para financiar a dívida pública. São os títulos do Tesouro Direto. E é claro que interessa ao governo vender papéis de longo prazo.

Tudo considerado, parece que boa parte das medidas do novo pacote fiscal resulta de um improviso para arrancar receita de onde for mais fácil e mais rápido. Com o argumento de que estão pegando os mais ricos. Sim, há aumento de impostos no setor financeiro e uma taxa maior para acionistas que emprestam dinheiro às próprias empresas. Mas isso também aumenta a carga tributária e o custo do crédito.

Também há medidas de ajuste nas despesas, aquelas que restringem a concessão de auxílio-doença e do seguro defeso. De fato, há muitas distorções aí. Mas são pouca coisa diante do montante de gastos. E não se está falando de ricos.

 

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