O Globo
Parece que boa parte das medidas do novo
pacote fiscal resulta de improviso para arrancar receita onde for mais fácil
“Estes são os meus princípios. Se você não
gosta deles, eu tenho outros” (Groucho Marx)
Lembrei-me da frase quando o ministro
Fernando Haddad anunciou a Medida Provisória contendo uma nova leva de aumento
de impostos. Algo assim: não gostaram do IOF? Temos outros impostos.
O ministro não nega que esteja elevando tributos, mas assegura que são justos. Trata-se, diz, de eliminar distorções do mercado financeiro e ampliar a base de pagantes, alcançando os mais ricos. O presidente Lula foi mais explícito. Na quinta-feira, numa solenidade em Minas, disse que não ganhou a eleição para beneficiar os ricos. Acrescentou um número: R$ 860 bilhões — esse seria o volume anual de isenções fiscais ou gastos tributários.
Para Lula e Haddad, essas isenções beneficiam
especialmente os mais ricos. Seriam impostos de que os ricos são dispensados
por alguma legislação. De fato, há muitas pessoas, setores e atividades sobre
as quais não incidem impostos, ou incidem em alíquotas reduzidas. Mas o volume
citado por Lula parece exagerado, e os beneficiários não são exatamente, ou
exclusivamente, os mais ricos.
No Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias
para 2026, enviado pelo governo ao Congresso, está prevista a quantia de R$ 621
bilhões de renúncias fiscais. Menos do que disse Lula, mas muito dinheiro.
Beneficia quem? Quem compra produtos da cesta básica, que é desonerada. Os
microempreendedores, micro e empresas de pequeno porte do Simples Nacional. Não
são propriamente os super-ricos.
A Zona Franca de Manaus também se beneficia
de isenções, e lá estão grandes empresas. Faz tempo que muitos analistas
consideram essa isenção um absurdo. Mas o Congresso colocou a Zona Franca na
Constituição, sob o argumento de que gera emprego e renda na pobre Região
Norte. Não é para beneficiar ricos, mas para descentralizar a instalação de
fábricas. Discutível, claro, mas ninguém, nem no governo, nem na oposição, fala
em acabar com essa vantagem. Também ninguém fala em acabar com a isenção da
caderneta de poupança.
Mas o governo quer acabar com pelo menos uma
isenção. Trata-se de investimentos que financiam o agronegócio e o setor
imobiliário. O investidor que compra títulos vinculados a essas áreas recebe os
juros e não paga IR. Se aprovada a nova Medida Provisória, pagará 5%. Os
setores atingidos reclamam. Seu argumento: a isenção foi estabelecida
justamente para atrair investimentos a negócios essenciais, como construção
civil, infraestrutura e produção de alimentos. Pode-se discutir a tese, mas não
se pode dizer que a isenção foi inventada só para beneficiar os mais ricos.
Haddad diz que há aí uma distorção no
mercado. Há títulos sobre os quais incidem impostos e outros isentos. Mas, ao
colocar 5% de IR naqueles papéis do agro e do setor imobiliário, a distorção
continua. Os demais investimentos financeiros pagarão 17,5%, conforme previsto
na mesma Medida Provisória. Aliás, aqui se cria outro problema. Hoje,
investimentos financeiros em títulos de curto prazo pagam IR maior. Títulos
longos pagam menos — e o objetivo é justamente estimular o investidor a aplicar
em prazos maiores. Unificando o IR, o governo dá um tiro no pé. O Tesouro
coloca papéis na praça para financiar a dívida pública. São os títulos do
Tesouro Direto. E é claro que interessa ao governo vender papéis de longo
prazo.
Tudo considerado, parece que boa parte das
medidas do novo pacote fiscal resulta de um improviso para arrancar receita de
onde for mais fácil e mais rápido. Com o argumento de que estão pegando os mais
ricos. Sim, há aumento de impostos no setor financeiro e uma taxa maior para
acionistas que emprestam dinheiro às próprias empresas. Mas isso também aumenta
a carga tributária e o custo do crédito.
Também há medidas de ajuste nas despesas,
aquelas que restringem a concessão de auxílio-doença e do seguro defeso. De
fato, há muitas distorções aí. Mas são pouca coisa diante do montante de
gastos. E não se está falando de ricos.
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