Correio Braziliense
A crise da Califórnia e a truculência do
presidente norte-americano parecem ter o objetivo de desviar a opinião pública
dos problemas imediatos e reais
O povoado de Nuestra Senõra de Los Angeles de
la Porciúncula, ou simplesmente Los Angeles, foi fundado em setembro de 1871
por um grupo de 44 pessoas predominantemente afro-americanos, 11 homens, 11
mulheres e 22 crianças, dois espanhóis e alguns nativos. Hoje, é a segunda
maior cidade dos Estados Unidos, no estado mais populoso do país, Califórnia,
que ostenta o produto interno bruto semelhante ao do Japão. Se fosse um país,
seria o quarto mais rico do mundo.
A Califórnia também sedia as mais valiosas e principais universidades norte-americanas. Foi ali que começou o movimento dos hippies, paz e amor, que se transformou em violento protesto por todos os Estados Unidos contra a guerra do Vietnã. Os protestos empolgaram o país de ponta a ponta e culminaram com a monumental marcha contra Washington. O formidável movimento constrangeu o governo federal, que foi levado a negociar o fim do conflito. Hoje, o Vietnã é um país amigo que faz negócios regulares com os norte-americanos.
O verão é o momento ideal para os grandes
movimentos libertários nos Estados Unidos. Os negros, liderados por Martin
Luther King, marcharam desde o sul até a capital. As tropas da Guarda Nacional
foram acionadas para garantir o livre trânsito dos que protestavam e eram
reprimidos pelas forças da poderosa direita existente no país. Esses movimentos
consolidaram a vigorosa democracia norte-americana, que ultrapassou todas as
dificuldades externas e internas. Sobreviveu, até hoje, como um país em que sua
sociedade é livre para se manifestar.
A Califórnia fazia parte do território do
México, desde que declarou sua independência da Espanha, em 1821. Quase toda a
costa oeste dos Estados Unidos era território mexicano. Houve uma guerra,
tropas norte-americanas chegaram até a cidade do México. As tropas invasoras
usavam uniforme verde, daí a expressão greengo (verdes vão embora). O conflito
terminou com a assinatura de um tratado em que a Califórnia (Tratado de
Guadalupe Hidalgo, em 1848) passou a ser território norte-americano. Mas, até
hoje, o trânsito de mexicanos e norte-americanos é intenso na fronteira. O
idioma espanhol é fartamente praticado em todo sul dos Estados Unidos. Expulsar
imigrantes é assunto controvertido. A maioria naquela região é de imigrantes
ali ou descendentes deles.
O presidente Donald Trump decidiu mostrar
publicamente seu poder e enviou a Guarda Nacional para reprimir os
manifestantes. Não satisfeito, enviou também 700 fuzileiros navais, os famosos
marines, tropa profissional que atua no exterior com grande precisão. Jamais
foi utilizada para conter protestos políticos dentro do país. O presidente dos
Estados Unidos ultrapassou uma linha perigosa. A Constituição dos Estados
Unidos permite a qualquer um protestar, dentro dos limites civilizados, contra
o que quiser. Nada, nem ninguém, pode impedir. Por essa razão, o governador da
Califórnia, Gavin Newson, comparou Donald Trump a "ditadores
falidos" e o acusou de colocar a nação à beira do autoritarismo ao enviar
forças militares para conter protestos em Los Angeles.
Os protestos começaram a se espalhar pelos
Estados Unidos. Os movimentos contra ação indiscriminada do Serviço de
Imigração (ICE, em inglês) ocorreram em São Francisco, na Califórnia; em
Austin, Dallas, Houston e San Antônio, no Texas; em Chicago, Atlanta; em
Nova York, Washington D.C., Boston, Filadélfia, Seattle e Denver.
Efeito secundário vai perturbar o desempenho
dos times que vão disputar a Copa do Mundo de clubes. Quatro brasileiros estão
lá. Um deles, o Botafogo, vai jogar na Califórnia. Mas seus torcedores estão
com receio de fazer festas e promover a tradicional confraternização, temendo a
ação dos agentes do ICE. O pessoal do Flamengo também não planeja grandes
comemorações. Teme que a polícia venha prender e expulsar apoiadores. Os times
podem entrar nos Estados Unidos, mas os torcedores, não.
Donald Trump não conseguiu apaziguar a
situação na guerra entre Ucrânia e Rússia. Os ucranianos conseguiram, numa
operação com drones, retirar de combate um terço da aviação russa, inclusive
alguns bombardeiros capazes de transportar bombas atômicas. Por consequência, o
comando militar russo afirmou estar estudando a opção nuclear. É o
reconhecimento de que o golpe foi profundo.
Israel atacou o Irã, promoveu guerra total ao
país que está perto de construir sua bomba atômica. Israel também tem artefato
nuclear. O cenário é pavoroso. O pior possível. A diplomacia falhou. A crise da
Califórnia e a truculência do presidente norte-americano parecem ter o objetivo
de desviar a opinião pública dos problemas imediatos e reais.
A desastrosa e irresponsável política externa
de Trump colocou o mundo mais perto de uma trágica guerra nuclear tanto na
Europa quanto no Oriente Médio.
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