quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Entrevista: ‘Na cultura da Rede não há lugar para inimigo histórico dos trabalhadores rurais’, diz Marina

Ex-ministra cita o líder ruralista Ronaldo Caiado (DEM-GO), que manifestou seu apoio a Eduardo Campos, e diz que o PSB, seu novo partido, não pode aceitar qualquer aliado

Para ela, é uma armadilha “juntar alhos com bugalhos pensando só em tempo de televisão”, pois isso não tem a ver com nova política

Paulo Celso Pereira

Existe alguma chance de a senhora ser candidata a presidente no próximo ano?

Eu e o Eduardo determinamos que não queremos contaminar a discussão com essa história de lugar de candidaturas. Nós queremos adensar o programa, queremos que as pessoas comecem a ver que aqui está germinando uma nova semente. E se Eduardo está se comprometendo em germinar essa nova semente, estou aqui a ajudar a instituir a sua candidatura, porque ela já está posta. Não vim aqui para ficar urubuzando a candidatura do Eduardo. Se ele tivesse alguma desconfiança que eu estivesse fazendo isso, ele não seria besta de ficar. Nos dispusemos a uma aliança programática e se ela for aprofundada, não apenas no discurso mas no ponto de vista das atitudes, mostrando que o que está sendo dito é aquilo que tem chance de ser feito, prosperará a aliança fática de apoio à sua candidatura. Se não for, valeu a intenção da semente. O Eduardo sabe a riqueza da semente que ele tem aí para plantar e, sendo neto de quem é, tenho certeza que tem a clareza e a responsabilidade histórica no seu papel.

Ou seja, isso é o início de um processo, não o fim?

Isso é o início de um processo de uma aliança programática, não pragmática, que pode vir ou não a ocorrer, mas que eu torço para que seja uma nova semente da política brasileira. Até porque eu e Eduardo somos aqueles que podem quebrar a polarização PT/PSDB, o que pode ser muito bom para o PT e o PSDB, porque o Brasil precisa desse distensionamento. Esse gesto não tem nada a ver com vingança, é um ato em legítima defesa da esperança.

A senhora e ele têm trajetórias muito distintas. Fora o anseio pelo fim da polarização do PT com o PSDB, quais são os pontos que a fizeram decidir por esse acordo?

Não dá para dizer que o Eduardo não é um sonhador. Ele vem da tradição de Arraes, das lutas pela democracia, dos direitos do povo brasileiro. O PSB é um partido histórico, que tem 60 anos, e participou de todas essas lutas. Não há aqui uma incoerência com um partido de direita que não tenha nenhuma realidade fática para esse encontro. A Rede é uma atualização da política, que está acontecendo no mundo inteiro. Ninguém ainda sabe quais serão as novas estruturas e os novos processos para esse novo sujeito político que está surgindo. Eu sempre digo que a verdade não está com nenhum de nós, ela está entre nós. Existem alguns estranhamentos que vão ser tratados a partir de agora. O Eduardo estava tentando viabilizar sua candidatura num ambiente frágil e eu até disse em entrevista que ele estava ainda no mesmo diapasão da Dilma e do Aécio. Mas agora ele pode fazer uma outra escolha e sinto que ele está muito movido.

Ele vinha negociando com partidos dos mais diferentes matizes. A aliança tem que mudar o estilo?

Essa decisão é do PSB e do Eduardo. Se prosperar a contribuição da Rede, é obvio que o (deputado Ronaldo) Caiado (DEM-GO) não se sentirá confortável nesse quadro, e imagino que ele já esteja se preparando para ir para a candidatura do Aécio. Porque, obviamente, na cultura da Rede não há lugar para um inimigo histórico dos trabalhadores rurais, das comunidades indígenas e para quem articulou a derrota do Código Florestal. O que eu sinto é que nós vamos precisar fazer primeiro um adensamento e haverá um alinhamento que nos leva a uma linha de corte, que não imagino que seja a Rede e o PSB fazendo corte, os parceiros também tem o direito de dizer “olha, nessa nova configuração que está posta, com a chegada dessa ecochata da Marina, me dá licença que estou indo embora”.

Então não cabe todo mundo no projeto?

No meu conceito de liderança, não. No meu conceito de liderança, o líder tem que favorecer o ambiente democrático para que todos possam existir, mas ele não é obrigado a estar com todos embaixo da sua asa.

Qual é a expectativa da senhora em relação ao diálogo na questão ambiental?

Minha expectativa com o Eduardo é que a gente primeiro passe por um processo de aprendizagem mútua. Da parte da Rede, nós vamos manejar nossa dificuldade interna, e não é fácil. A gente tinha um programa, uma base social, uma base de quadros muito qualificada em todos os setores. A gente está começando um pequeno desvio e é preciso ter muita delicadeza para esse desvio prosperar. Porque o eixo da sustentabilidade é muito importante, mas a sustentabilidade política é a base da transformação das outras coisas. O atraso na política é que faz com que a gente corra o risco de perder as conquistas, não consiga sair da patinação dos atrasos e muito menos olha para o futuro. Tem uma tarefa a fazer no Brasil que é chamar a responsabilidade à Nova República, pois a Velha República continua governando. O PT e o PSDB precisam assumir a responsabilidade, tem que ir para a maioridade.

A senhora considera os governos Fernando Henrique e Lula parte da Velha República?

O PT e o PSDB simbolizam essa luta, tanto da conquista democrática quanto da estabilidade democrática, dando um passo para a estabilidade econômica e a distribuição de renda. Só que ambos para governar foram ficando reféns da Velha República. O Fernando Henrique na figura simbólica do senador Antônio Carlos (Magalhães) e o presidente Lula na figura simbólica do presidente (José) Sarney. E eu não estou aqui diminuindo a contribuição histórica dessas pessoas, o que estou dizendo é que essa contribuição histórica, com seus ganhos e defeitos, já foi dada. O Fernando Henrique diz que eles disputam entre si para ver quem lidera o atraso. Será que não é a hora de pelo menos se dispor a liderar os avanços? Eu dizia que se ganhasse queria governar com os melhores do PT e do PSDB. Fico imaginando se o PT e o PSDB iriam fazer oposição cerrada a uma ideia de entregar o Brasil para os brasileiros. Isso para não ver a presidente Dilma agora tendo que ser chantageada porque eu e o Eduardo nos juntamos, e os chantagistas já querem mais e mais coisas. Eu não queria estar criando esse desconforto para ela.

A senhora sente que já começam a tentar minar a relação da senhora com o Eduardo Campos?

Eu consigo ver as sementes que as vezes parecem estarem sendo plantadas, como a ideia de que se o Eduardo conseguir um tempinho maior de televisão, aí sim é que ele vai dar o pulo do gato. Vejo isso como uma armadilha. Porque se nós estamos falando em um esforço programático e em novos paradigmas, juntar alhos com bugalhos pensando só em tempo de televisão não tem nada a ver com nova política.

Mas até pouco tempo ele trilhava esse caminho...

Depois desse ato que fizemos, e o olhar da sociedade brasileira está em nós, eu acredito que ficar preso a esse diapasão anterior, com certeza. Mas não é isso que eu sinto do PSB e do Eduardo. O que sinto é que eles sabiam exatamente que estão entrando em uma lógica que se for para ganhar tem que ganhar ganhando, e não ganhar perdendo. Porque se for para ganhar perdendo eu acho que os que estão aí têm até mais competência para fazer isso. A Dilma já sabe essa lógica e imagino que encarar um segundo desafio sabendo que é nessa lógica aí estabelecida deve ser algo muito doloroso.

Há algo que poderia ter sido diferente para viabilizar a Rede?

Não. Quando nós saímos do PV, se tivéssemos ido criar um partido seríamos apenas um ajuntamento de ex-PT, ex-PSOL, ex-PV e alguns independentes. Foi somente após 2012 que veio como unanimidade em todos os cabeças de Rede do Movimento por uma Nova Política a decisão de nos tornar um partido.

Fonte: O Globo

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