O que move o Brasil?
Bem, tem a economia, os conflitos sociais, as religiões, a música, a poesia, o poder. Alguns acham que tem a tradição ou a história, outros acham que não, que tudo no Brasil acontece uma primeira e única vez. Tem a sociologia, a burocracia e o cotidiano para desmentir isso. Sim, há racionalidade no Brasil. Mas, o que vale mesmo, o que menos se espera, o que funciona acima de tudo, quando não há mais o que pensar, é o indecifrável, o "sobrenatural de Almeida", o imprevisto e o impensável, o enigma que desce do pedestal para fazer o mundo girar.
Para lembrar de um caso bem recente: quando o PT foi fundado, em 1980, por suas características de partido sindicalista, cristão e cheio de radicais juvenis, poucos acreditavam que um dia seu presidente, o operário Luiz Inácio da Silva, seria o presidente mais popular do Brasil por duas vezes e elegeria sua sucessora. Estava marcado nas estrelas.
Ou lembrar de um mais antigo: quando no dia 16 de novembro de 1889, o jornalista Silva Jardim foi às ruas para ver o que estava acontecendo, descobriu que o Imperador Pedro II havia sido deposto por um golpe militar, e ninguém dera a mínima, nem para defendê-lo nem para criticá-lo. Baixara a República, como uma manga madura que inexoravelmente cai do galho.
Que espanto é o Brasil! Há três meses, como se fosse do nada, um milhão de brasileiros foram às ruas de centenas de cidades para protestar contra a corrupção política, a incúria administrativa e a falta de moral no país. Encheram o saco, queriam mudanças, os políticos tremeram e tremeram, mas, ao final, aceitaram calados o nada que não foi feito. Mais do que esperado.
Aí, nesta tarde de sábado, 25 anos de aniversário da Constituição Federal, a ex-senadora e ministra Marina Silva, neta de cearenses que foram levados ao Acre para serem seringueiros, ela mesma uma mulher que só se alfabetizara aos 16 anos de idade, deu um verdadeiro e inesperado cavalo de pau na política brasileira ao entrar no Partido Socialista Brasileiro -- PSB -- e declarar apoio ao presidente daquele partido, o governador de Pernambuco Eduardo Campos, neto do lendário cearense, feito governador de Pernambuco, Miguel Arraes.
Os motivos dados por Marina Silva podem ser claros: fora-lhe negado o registro de seu partido, e ela queria ser coerente com seu ideal de manter-se na política para avançar com propostas e programas, não necessariamente cargos políticos. Daí ter escolhido um partido que já tem dono e candidato a presidente, o Eduardo Campos, e se submeter à possibilidade de baixar de status e ser candidata a vice.
Mas quem pode acreditar nesse discurso? Todos sabem que Marina Silva quer ser presidente da República e acha que tem chance, sim, com 16% a 25% das intenções de voto. Como renegar esse patrimônio? O que há por trás disso?
Mais uma vez o inesperado acontece: parece que nada esquisito há por trás dessa decisão. Simplesmente Marina viu que melhor seria para ela, para seu grupo de apoiadores e para o Brasil (seja que Brasil for) abrir mão de se candidatar a presidente e passar seu patrimônio eleitoral para o neto de Arraes.
Você acredita nisso, caro leitor? Eu acredito. É assim que o Brasil caminha.
Mércio P. Gomes, antropólogo, professor da UFRJ, foi presidente da Funai.
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