A política também tem poesia. Ou pelo menos um simulacro dela. Foi com uma referência ao escritor Rainer Maria Rilke (1875-1926) que o governador de Pernambuco Eduardo Campos (PSB) comemorou a filiação da ex-sonhática e agora pragmática Marina Silva a seu partido. A ex-ministra, que não conseguiu criar a sua Rede Sustentabilidade a tempo de disputar a eleição no ano que vem, caiu na teia do pessebista. Mas a aliança foi vendida à opinião pública com ares de novidade, despojamento e criatividade.
"Esqueceram de ver poesia e o poeta dizendo que, onde não havia caminho, nós voamos", afirmou Eduardo Campos, numa declaração que mostrou seu apreço pelo marinês da recém-chegada ex-senadora.
O governador referia-se à polarização da política nacional entre PT e PSDB, que há 20 anos e cinco eleições põe os dois partidos em primeiro ou segundo lugar na corrida ao Palácio do Planalto.
Duas são as margens de manobra que sobram para avançar
Petistas e tucanos se escolheram como adversários e praticamente fecharam o padrão de competição à Presidência, numa estratégia eficiente. Todos que tentaram romper essa dinâmica se frustraram. O que não significa que o arranjo está longe de ser desarmado.
Mas, de fato, será preciso voar para ultrapassar a barreira. Ao longo do tempo, PT e PSDB criaram laços de lealdade com partidos, segmentos da sociedade, além de fundar seus alicerces nos dois maiores mercados eleitorais: São Paulo e Minas Gerais. Só estes dois Estados entre as 27 unidades da Federação representam um terço do eleitorado total. Até o PMDB, maior máquina partidária do país mas de força dispersa e regionalizada, tem papel secundário entre os paulistas e mineiros.
Há uma inércia muito grande nas redes de apoio estabelecidas. Duas são as margens de manobra que sobram para quem quiser avançar. A primeira é pelas franjas, pela conquista gradual de terreno - o que leva tempo. Vide o próprio PT, que apesar de deter, há dez anos, a joia da Coroa que é a Presidência da República, avança devagar em outros espaços de poder já ocupados como Senado, Câmara, governos estaduais e prefeituras.
Se o PT controla o governo federal, os tucanos estão muito bem assentados no nível regional. Com oito governadores, administram três do seis maiores Estados (São Paulo, Minas e Paraná) e mais de 50% do eleitorado nos Estados. O PSDB tem uma extensa máquina estadual que lhe permite sobreviver aos anos de jejum fora do poder central. Isso lhe dá resistência muito maior que as legendas satélites da oposição (DEM e PPS).
A malha de organização política se completa no plano municipal, onde há um predomínio das duas siglas, ao lado do PMDB. As três legendas governam 42,6% das prefeituras e 53% do bolo orçamentário dos municípios. Alterações na balança de poder dependem do sempre fiel da balança, o PMDB, aliado dos petistas, postado na Vice-Presidência da República. É principalmente o deslizamento desta placa tectônica pemedebista que pode abalar o eixo de rotação eleitoral.
Vistos assim, os caminhos estão bloqueados. O PSB de Eduardo Campos fez o que pôde nas urnas até agora para progredir no território. Teve crescimento excepcional comparado às demais legendas, e ainda não foi suficiente. Ganhou moral, prestígio, respeito dos pares - o que é importante - mas não alterou a correlação de força.
Nos últimos anos, foi o partido que mais inflou seu número de governos estaduais - dobrou de três para seis, em 2010 - e municipais. Suas prefeituras em 2000 representavam 4,7% do eleitorado no plano local e subiram para 11%, em 2012. O desempenho coincide com a chegada ao poder federal, em aliança agora rompida com o PT. No mesmo período, os petistas passaram de 18% para 20% do eleitorado nos municípios - o que mostra o grau de dificuldade de se realizar grandes conquistas, num sistema partidário altamente competitivo.
Por baixo, os caminhos estão mapeados, amarrados. Isso se reflete também na escassez de alternativas para Eduardo Campos em montar os chamados palanques estaduais. Na falta de candidatos a governador e de fortes chapas proporcionais de deputados, seu projeto presidencial fica sem as bases necessárias de apoio.
A única saída, então, é pelo alto. Não à toa Campos fala em poesia e do voo por onde outros não veem caminhos. Foi exatamente essa trajetória pelo ar que permitiu à Marina Silva, em 2010, com seu perfil etéreo de características únicas, alcançar 20% da votação à Presidência - mesmo sem grande estrutura partidária. Marina atraiu correntes de opinião que a transformaram num surpreendente furação, ao explorar em seu discurso o ambientalismo, os atalhos para identificação com o voto religioso e o desencanto dos eleitores à esquerda do PT.
Ao filiá-la ao PSB, alegadamente para ser a sua vice, Eduardo Campos busca aproveitar essa mesma solução pelo alto. Resta saber se Marina terá apelo como vice, assim como foi na cabeça de chapa, e se manterá o mesmo frescor de quatro anos antes. Campos e Marina não necessariamente fazem a rima da poesia.
A; canibalização vai acabar. O Senado aprovou ontem, finalmente, o projeto de lei que inibe a criação de novos partidos. Estava engavetado desde que a oposição passou a acusar o governo de casuísmo, numa suposta tentativa de prejudicar a formação do Rede Sustentabilidade e a candidatura de Marina Silva à Presidência. A ex-ministra não conseguiu, de todo modo, aprovar o registro da legenda no TSE. Mas o engavetamento permitiu o inchaço de duas siglas recém-fundadas, o Solidariedade e o Pros. Juntas, cooptaram até agora 43 (63%) dos 68 deputados federais que trocaram de partido, numa autofagia partidária. O projeto não impede a formação de novas legendas e apenas explicita o que já está na lei e contudo foi ignorado pelo STJ, ao analisar o caso do PSD, em 2012: o tempo de TV e o fundo partidário - os dois principais recursos políticos à disposição dos partidos - devem ser distribuídos de acordo com o desempenho na última eleição à Câmara.
Fonte: Valor Econômico
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