Wilson Figueiredo
Jornalista
DEU NO JORNAL DO BRASIL
Com a asa pesada de chumbo desde o tempo do mensalão, o relator da reforma política na CCJ – deputado João Paulo Cunha (PTB, SP) – apronta o parecer sobre as 40 propostas, direta ou indiretamente, relacionadas com a reeleição, a duração de mandato e demais conexões de interesses menores. Apronta intransitivamente, à sombra da frondosa reforma política. A base parlamentar oficial e os três partidos de oposição estão de acordo em resolver pelo voto tudo que puder favorecer os políticos, mesmo com afronta aos brios nacionais. O ponto de partida será a extinção do segundo mandato consecutivo e, no lugar da reeleição, encaixar o mandato de cinco anos que vigorou de 1946 a 1964. Mas há outras ponderações.
Em princípio, o preço para arquivar a reeleição é barato, e a democracia pode pagá-lo com o troco de que dispõe. Sem reeleição, cinco anos são perfeitamente suportáveis num mau governo. Se o governo for bom, acabará acomodado em algum lugar na História do Brasil. O relator foi além da missão de tirar da sala o bode de mau cheiro denominado reeleição, que se insinuou desde o primeiro presidente pelo voto direto. A idéia ficou por perto e só se estabeleceu depois que Fernando Henrique se esbaldou. Quando Lula passou a ser presença obrigatória em todas as sucessões, a reeleição se beneficiou da ilusão de que o confronto plebiscitário era a garantia contra a esquerda. Foi, mas, ao contrário, a advertência de que estavam começando outro século e outro ciclo. O presidente Lula não se dá por achado. Planta-se na encruzilhada de hipóteses de candidaturas e da crise internacional, em que todos exorcizam fantasmas portadores de DNA do capitalismo.
É geral, mas vaga, a concordância com a retirada do bode eleitoral inserido na reforma. Não é o fim nem o começo de nada. O perigo é misturarem-se propostas queremistas do terceiro mandato e nostalgia social-democrata com decisões de pequeno calibre municipal. A premissa é a remoção do segundo mandato com que a social-democracia acreditou fazer história para trás. A conseqüência: o grau maior de imprevisibilidade. E depois que a crise passar? A reeleição foi a dissipação da vitória de Fernando Henrique Cardoso. Lula, ao contrário, foi social, mas do resto só depois se terá noção segura. A reeleição dele nada ficou devendo, em matéria de frustração, à do antecessor. Cada qual teve a ajuda agregada pela mão da crise financeira internacional. O roto nada tem a dizer do esfarrapado. Lula não confirmou nenhuma das expectativas à esquerda e, queira ou não, desse lado vai sair sem capital de giro.
O parecer do relator estende uma cortina de fumaça para esconder o desperdício de expectativa democrática dos dois beneficiários da reeleição: os mandatos de Fernando Henrique foram festivais de democracia, mas de novo-rico (inclusive pelo segundo mandato), e os de Lula quermesses sociais, festa de arraial cívico-rural, com a incorporação da faixa social de baixo ao que se entende como consumo elementar. Palavrório de dois falastrões. Não há indício de que a reeleição esteja com os dias contados. Que não se descarte a hipótese de que o terceiro mandato se recuse a sair da cabeça dos que trabalham à sombra. O benefício maior será a restauração do mandato de cinco anos, já devidamente testado. A eleição de vices por um lado e presidentes por outra chapa deixou vulnerável a Constituição de 1946. Que não se repita o precedente equivocado que fez de João Goulart um estranho no ninho de Jânio Quadros. O que parecia sutileza democrática foi a semente da tentadora renúncia presidencial para encurtar o caminho, e o fermento da crise crônica que não precisou mais esperar.
Entre as razões do relator não se incluem hábitos políticos que distanciam a democracia de seus fins. Democracia está mais para renovação do que para reeleição. Cinco anos são suficientes para um bom governo e, com mais razão, para maus governos. João Paulo Cunha passa ao largo e finge não perceber, no anonimato das pesquisas, um resíduo de popularidade em que fermenta a idéia do terceiro, que o presidente condenou oralmente. Mas apenas de palavra, sem nada escrito para documentar.
Jornalista
DEU NO JORNAL DO BRASIL
Com a asa pesada de chumbo desde o tempo do mensalão, o relator da reforma política na CCJ – deputado João Paulo Cunha (PTB, SP) – apronta o parecer sobre as 40 propostas, direta ou indiretamente, relacionadas com a reeleição, a duração de mandato e demais conexões de interesses menores. Apronta intransitivamente, à sombra da frondosa reforma política. A base parlamentar oficial e os três partidos de oposição estão de acordo em resolver pelo voto tudo que puder favorecer os políticos, mesmo com afronta aos brios nacionais. O ponto de partida será a extinção do segundo mandato consecutivo e, no lugar da reeleição, encaixar o mandato de cinco anos que vigorou de 1946 a 1964. Mas há outras ponderações.
Em princípio, o preço para arquivar a reeleição é barato, e a democracia pode pagá-lo com o troco de que dispõe. Sem reeleição, cinco anos são perfeitamente suportáveis num mau governo. Se o governo for bom, acabará acomodado em algum lugar na História do Brasil. O relator foi além da missão de tirar da sala o bode de mau cheiro denominado reeleição, que se insinuou desde o primeiro presidente pelo voto direto. A idéia ficou por perto e só se estabeleceu depois que Fernando Henrique se esbaldou. Quando Lula passou a ser presença obrigatória em todas as sucessões, a reeleição se beneficiou da ilusão de que o confronto plebiscitário era a garantia contra a esquerda. Foi, mas, ao contrário, a advertência de que estavam começando outro século e outro ciclo. O presidente Lula não se dá por achado. Planta-se na encruzilhada de hipóteses de candidaturas e da crise internacional, em que todos exorcizam fantasmas portadores de DNA do capitalismo.
É geral, mas vaga, a concordância com a retirada do bode eleitoral inserido na reforma. Não é o fim nem o começo de nada. O perigo é misturarem-se propostas queremistas do terceiro mandato e nostalgia social-democrata com decisões de pequeno calibre municipal. A premissa é a remoção do segundo mandato com que a social-democracia acreditou fazer história para trás. A conseqüência: o grau maior de imprevisibilidade. E depois que a crise passar? A reeleição foi a dissipação da vitória de Fernando Henrique Cardoso. Lula, ao contrário, foi social, mas do resto só depois se terá noção segura. A reeleição dele nada ficou devendo, em matéria de frustração, à do antecessor. Cada qual teve a ajuda agregada pela mão da crise financeira internacional. O roto nada tem a dizer do esfarrapado. Lula não confirmou nenhuma das expectativas à esquerda e, queira ou não, desse lado vai sair sem capital de giro.
O parecer do relator estende uma cortina de fumaça para esconder o desperdício de expectativa democrática dos dois beneficiários da reeleição: os mandatos de Fernando Henrique foram festivais de democracia, mas de novo-rico (inclusive pelo segundo mandato), e os de Lula quermesses sociais, festa de arraial cívico-rural, com a incorporação da faixa social de baixo ao que se entende como consumo elementar. Palavrório de dois falastrões. Não há indício de que a reeleição esteja com os dias contados. Que não se descarte a hipótese de que o terceiro mandato se recuse a sair da cabeça dos que trabalham à sombra. O benefício maior será a restauração do mandato de cinco anos, já devidamente testado. A eleição de vices por um lado e presidentes por outra chapa deixou vulnerável a Constituição de 1946. Que não se repita o precedente equivocado que fez de João Goulart um estranho no ninho de Jânio Quadros. O que parecia sutileza democrática foi a semente da tentadora renúncia presidencial para encurtar o caminho, e o fermento da crise crônica que não precisou mais esperar.
Entre as razões do relator não se incluem hábitos políticos que distanciam a democracia de seus fins. Democracia está mais para renovação do que para reeleição. Cinco anos são suficientes para um bom governo e, com mais razão, para maus governos. João Paulo Cunha passa ao largo e finge não perceber, no anonimato das pesquisas, um resíduo de popularidade em que fermenta a idéia do terceiro, que o presidente condenou oralmente. Mas apenas de palavra, sem nada escrito para documentar.
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