Um comentário atribuído ao presidente Lula em recente conversa com o senador Aloizio Mercadante a bordo do Aerolula, registrado pelos jornais e não desmentido por nenhum dos dois, dá a dimensão exata de como a política brasileira anda necessitada de uma arejada. Há um clima passadista no ar, e a volta à cena de políticos que ressurgiram das cinzas de um passado nada glorioso traz também os fantasmas de uma situação política mal resolvida, a crise do mensalão e seus sucedâneos, como o escândalo da quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo dos Santos, que acabou levando à renúncia do então todo-poderoso ministro da Fazenda, Antonio Palocci, hoje deputado federal pelo PT de São Paulo.
Nesse diálogo, Lula e Mercadante conversavam sobre a eleição de 2010 e a melhor solução para o PT na disputa da sucessão do governador José Serra em São Paulo. Lula está defendendo, dentro do PT, que Palocci é o melhor candidato, caso seja absolvido pelo Supremo de ter mandado quebrar o sigilo bancário do caseiro que o acusara de ser frequentador assíduo de uma casa no Lago Sul de Brasília, onde lobistas seus amigos instalaram o que ficou sendo conhecida como a República de Ribeirão Preto, onde se faziam festas e negócios.
Pelo raciocínio de Lula, liberado pelo STF, Palocci não deveria se preocupar com outros processos sobre sua gestão na prefeitura de Ribeirão Preto: "Fosse assim, durante as denúncias do mensalão, eu teria ficado trancado no Palácio da Alvorada", teria dito Lula, segundo o jornal "O Estado de S.Paulo".
Por si só, o comentário denota um desprezo pela opinião pública e pela Justiça coerente com a atitude do presidente, que não se cansa de apoiar publicamente todos os seus aliados que respondem a processos na Justiça, como se estivesse acima do bem e do mal.
O constrangimento natural de alguém que é processado é coisa do passado. Hoje, com a ajuda do presidente e de sua popularidade, ninguém mais se envergonha de ser acusado de corrupto.
Basta dizer que isso é uma manobra da oposição, ou das elites reacionárias contra os representantes do governo popular. Mas, se formos rever aqueles dias tumultuados de 2005, em que as denúncias do então deputado Roberto Jefferson desencadearam revelações sobre um esquema de corrupção política que o procurador-geral da República classificou de "quadrilha", constataremos que o presidente Lula não estava tão confiante assim.
Coube ao chefe de gabinete do Palácio do Planalto, Gilberto Carvalho, em recente entrevista à "Veja", confirmar o que na época se comentava na área política: que Lula chegara a pensar em não disputar a reeleição em 2006.
A hipótese não apenas foi seriamente cogitada, como a cúpula do governo considerava possível até mesmo a decretação do impeachment de Lula. Segundo o relato de Carvalho, os então ministros Antonio Palocci e Márcio Thomaz Bastos chegaram certa noite a sugerir ao presidente Lula que fizesse um acordo com a oposição: em troca de poder cumprir todo o seu mandato, ele abriria mão da reeleição.
Sabe-se agora, e esse detalhe não está na entrevista, que a força do senador José Sarney com o presidente tem muito a ver com sua posição naquele momento difícil. Lula contou recentemente, com lágrimas nos olhos, que Sarney, que era presidente do Senado, chegou a dizer que sairia com ele, e foi um dos seus maiores sustentáculos políticos.
O interessante é que Lula se preocupava naquele momento com a situação econômica, pois, segundo Gilberto Carvalho, o presidente está convencido de que 90% de sua popularidade estão ligadas à melhora da economia, e apenas 10% ao seu propalado carisma.
Na crise política de 2005 desencadeada pelo mensalão, o que preocupava o presidente era a inflação de 5,69%, que, embora em queda, continuava alta, e o PIB, que crescera apenas 2,3% naquele ano, ficando à frente apenas do Haiti na região.
Todas essas histórias interligadas têm a ver com o estado de nossa democracia atualmente.
Passado o susto e superada a reeleição, Lula tratou de montar um governo cuja coligação partidária, imensa e difusa, sem uma lógica política, parece ter a única finalidade de protegê-lo de uma crise institucional, sem que haja um programa de reformas ou grandes propostas para o Congresso.
Para manter-se no poder sem sustos, Lula aceita todas as chantagens políticas do PMDB e loteou o Ministério, que é tão grande quanto os partidos que têm que estar nele.
O senador José Sarney preside mais uma vez o Senado, e não poderia haver garantia maior de apoio político, mesmo que o preço seja o retorno do senador Renan Calheiros e a derrota do PT para Collor na Comissão de Infraestrutura.
E, dependendo de uma decisão do Supremo que deve sair no próximo mês, poderemos ter novamente Antonio Palocci no centro da política nacional.
Ser lançado candidato a governador de São Paulo seria apenas o primeiro passo, que no momento tem reações internas no PT que provavelmente não se sustentarão por muito tempo.
A crise econômica pode ser uma boa oportunidade para a volta de Antonio Palocci ao governo. Dependendo da receptividade política, não será surpresa se ele se tornar rapidamente uma alternativa de Lula à própria Presidência da República, retomando um antigo projeto político.
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