EDITORIAL
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Há uma amarga ironia na coincidência da divulgação do tombo de 3,6% sofrido pela economia brasileira no último trimestre do ano passado com a revelação, no Estado de ontem, de que o governo devolveu ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) um financiamento de US$ 57 milhões para obras de infraestrutura em uma centena de municípios, porque simplesmente não conseguiu gastar o dinheiro. Guardadas, embora, as devidas proporções, o caso dos recursos inaproveitados indica que, enquanto o País crescia a taxas robustas - beneficiado por uma excepcional conjuntura de prosperidade global -, a sociedade em geral não se dava conta do fraco desempenho do governo Lula em fazer a sua parte pelo progresso nacional - impulsionado, desde a sua inauguração em 2003 até o malfadado setembro de 2008, quase que exclusivamente pelo excepcional desenvolvimento da economia globalizada.
O aluvião de discursos triunfalistas com que o presidente proclamava a sua suposta paternidade da expansão econômica e o incessante festival de eventos fabricados para levar os brasileiros a crer nas realizações de um Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) diariamente colocadas sob a lente de aumento da propaganda do Planalto também contribuíram para jogar areia nos olhos da opinião pública, escondendo o abismo entre a exuberância do palavreado oficial e a disseminada incompetência da máquina federal sob o lulismo. O episódio do financiamento desperdiçado do BID envolve metas e cifras relativamente modestas. Tanto pior, portanto, como evidência de torpor administrativo e incapacidade gerencial. É uma história exemplar de desgoverno.
Em 2004, no quadro do Programa de Ação Social em Saneamento (Pass), o Brasil assinou com a instituição financeira regional um contrato que previa, com a contrapartida de recursos próprios da União, investimentos totais de US$ 95,5 milhões para obras de esgoto e tratamento de água em 129 cidades, onde seriam ainda criadas empresas para a fiscalização e manutenção dos serviços. Pois bem. Passou-se um ano até que saísse a licitação para a contratação da firma que cuidaria do programa, conforme exigência do órgão financiador. E apenas em 2006 começou a escolha dos municípios a serem beneficiados, de acordo com critérios como população, localização geográfica e posição no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) das Nações Unidas. A intenção era canalizar os investimentos para localidades pequenas e carentes em áreas mais atrasadas, como o semiárido nordestino.
Iniciou-se em seguida no governo um debate decerto bizantino sobre vincular, ou não, o Pass ao PAC. Em 2008, decidiu-se que o programa abrangeria apenas seis municípios. Uma obra foi começada, duas licitações realizadas e os demais editais preparados - antes que tudo fosse suspenso. Depois de profundas reflexões, é de se presumir, concluiu-se que sairia caro demais manter o acordo com o BID para atender não mais de meia dúzia de cidades (nas outras, as obras se incorporariam ao PAC). Na semana passada, enfim, resolveu-se acabar com o Pass e restituir ao Banco o valor disponível, do qual haviam sido aproveitados, ao cabo de quatro anos, US$ 2,5 milhões para aplicação em um único município (Limoeiro do Norte, no Ceará).
Ocorre que a instituição cobra uma taxa de compromisso quando o crédito contratado permanece ocioso - e o governo teve de desembolsar a esse título US$ 570 mil por ano. A troco praticamente de nada. Segundo o Ministério das Cidades, responsável pelo projeto cancelado, o PAC assumirá as obras "sem prejuízo do cronograma". O retrospecto é mais do que suficiente para se descrer da promessa. Provavelmente, como costuma acontecer, tudo recomeçará do zero. Nesse governo, continuidade assegurada é a da discurseira do seu chefe. Não surpreenderá se ele tentar, junto ao povo, neutralizar a golpes de retórica o impacto do mergulho do PIB no final de 2008, que remove a aura do Brasil como o grande caso à parte no desaquecimento econômico global. A propalada excepcionalidade brasileira caminha para virar mito. Também entre nós já se fala em "recessão mais longa e profunda do que se esperava", enquanto no exterior já se ouve que "o Brasil não fugiu à regra". Contra isso pouco podem a jactância do presidente e o seu governo cronicamente disfuncional.
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Há uma amarga ironia na coincidência da divulgação do tombo de 3,6% sofrido pela economia brasileira no último trimestre do ano passado com a revelação, no Estado de ontem, de que o governo devolveu ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) um financiamento de US$ 57 milhões para obras de infraestrutura em uma centena de municípios, porque simplesmente não conseguiu gastar o dinheiro. Guardadas, embora, as devidas proporções, o caso dos recursos inaproveitados indica que, enquanto o País crescia a taxas robustas - beneficiado por uma excepcional conjuntura de prosperidade global -, a sociedade em geral não se dava conta do fraco desempenho do governo Lula em fazer a sua parte pelo progresso nacional - impulsionado, desde a sua inauguração em 2003 até o malfadado setembro de 2008, quase que exclusivamente pelo excepcional desenvolvimento da economia globalizada.
O aluvião de discursos triunfalistas com que o presidente proclamava a sua suposta paternidade da expansão econômica e o incessante festival de eventos fabricados para levar os brasileiros a crer nas realizações de um Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) diariamente colocadas sob a lente de aumento da propaganda do Planalto também contribuíram para jogar areia nos olhos da opinião pública, escondendo o abismo entre a exuberância do palavreado oficial e a disseminada incompetência da máquina federal sob o lulismo. O episódio do financiamento desperdiçado do BID envolve metas e cifras relativamente modestas. Tanto pior, portanto, como evidência de torpor administrativo e incapacidade gerencial. É uma história exemplar de desgoverno.
Em 2004, no quadro do Programa de Ação Social em Saneamento (Pass), o Brasil assinou com a instituição financeira regional um contrato que previa, com a contrapartida de recursos próprios da União, investimentos totais de US$ 95,5 milhões para obras de esgoto e tratamento de água em 129 cidades, onde seriam ainda criadas empresas para a fiscalização e manutenção dos serviços. Pois bem. Passou-se um ano até que saísse a licitação para a contratação da firma que cuidaria do programa, conforme exigência do órgão financiador. E apenas em 2006 começou a escolha dos municípios a serem beneficiados, de acordo com critérios como população, localização geográfica e posição no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) das Nações Unidas. A intenção era canalizar os investimentos para localidades pequenas e carentes em áreas mais atrasadas, como o semiárido nordestino.
Iniciou-se em seguida no governo um debate decerto bizantino sobre vincular, ou não, o Pass ao PAC. Em 2008, decidiu-se que o programa abrangeria apenas seis municípios. Uma obra foi começada, duas licitações realizadas e os demais editais preparados - antes que tudo fosse suspenso. Depois de profundas reflexões, é de se presumir, concluiu-se que sairia caro demais manter o acordo com o BID para atender não mais de meia dúzia de cidades (nas outras, as obras se incorporariam ao PAC). Na semana passada, enfim, resolveu-se acabar com o Pass e restituir ao Banco o valor disponível, do qual haviam sido aproveitados, ao cabo de quatro anos, US$ 2,5 milhões para aplicação em um único município (Limoeiro do Norte, no Ceará).
Ocorre que a instituição cobra uma taxa de compromisso quando o crédito contratado permanece ocioso - e o governo teve de desembolsar a esse título US$ 570 mil por ano. A troco praticamente de nada. Segundo o Ministério das Cidades, responsável pelo projeto cancelado, o PAC assumirá as obras "sem prejuízo do cronograma". O retrospecto é mais do que suficiente para se descrer da promessa. Provavelmente, como costuma acontecer, tudo recomeçará do zero. Nesse governo, continuidade assegurada é a da discurseira do seu chefe. Não surpreenderá se ele tentar, junto ao povo, neutralizar a golpes de retórica o impacto do mergulho do PIB no final de 2008, que remove a aura do Brasil como o grande caso à parte no desaquecimento econômico global. A propalada excepcionalidade brasileira caminha para virar mito. Também entre nós já se fala em "recessão mais longa e profunda do que se esperava", enquanto no exterior já se ouve que "o Brasil não fugiu à regra". Contra isso pouco podem a jactância do presidente e o seu governo cronicamente disfuncional.
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