
Chamamos a atenção que o crescimento econômico resulta de causas comuns a todos os países, como a acumulação de máquinas e instalações, a incorporação de novos trabalhadores e a expansão do conhecimento de todas as formas. Entretanto, os casos bem-sucedidos também dependem de causas específicas, como a dotação de recursos naturais, a natureza das instituições, as questões culturais e a política econômica. Como resultado, não existe uma regra geral; ao contrário, o processo de crescimento nos países é construído penosamente ao longo do tempo, e resulta de uma peculiar combinação de processos e políticas gerais e específicas.
Queremos hoje chamar a atenção para uma coisa simples, porém fundamental: o sucesso passado não garante o sucesso futuro, isto é, países podem perder vantagens comparativas, vitalidade e até, viabilidade.
Para tanto, continuaremos a usar a mesma metodologia já usada no artigo anterior: o indicador de crescimento de longo prazo é apresentado como a proporção (%) do PIB per capita de cada região em relação ao dado americano para o mesmo ano. O período coberto vai de 1870 a 2008, último dado da série. A utilização do PIB americano como padrão reflete simplesmente o fato de que, neste período, a economia americana se tornou a maior do mundo. Os dados utilizados são os coletados pelo economista Angus Maddison e estão em dólares de 1990, no conceito da Paridade do Poder de Compra.
No gráfico 1, selecionamos três países latino-americanos: Argentina, Uruguai e Venezuela. Os dois primeiros países são casos clássicos, como Canadá e Austrália, de crescimento muito rápido a partir de meados do século XIX, tendo como motor a produção agropecuária destinada ao abastecimento europeu. O crescimento da renda gerado por esse processo, além dos investimentos em infraestrutura e educação, resultou num PIB per capita muito elevado, que se situou entre 70% e 80% do americano no começo do século XX.
É fartamente conhecido, por exemplo, que a cidade de Buenos Aires se tornou uma das cinco melhores do mundo por volta de 1910-20. Entretanto, a partir da Grande Depressão dos anos 30, esses dois países conheceram um longo processo de recuo na produção per capita até o início do século atual. A pesquisa disponível sugere, sem sombra de dúvida, que o persistente fechamento ao resto do mundo, a inflação e as recorrentes crises políticas retiraram todo o dinamismo do sistema, levando a vários colapsos externos. No caso argentino, o gráfico mostra que a recuperação econômica pós-moratória, tão admirada por alguns colegas, foi totalmente incapaz de recolocar o país numa trajetória mais sustentada de recuperação. As instituições, como educação e Judiciário, e até sua fantástica agropecuária estão encolhendo. O mundo do casal Kirchner começa em Santa Cruz e termina em Buenos Aires. O horizonte do país é cada vez mais estreito.
O Uruguai, entretanto, está se movendo, ligando-se cada vez mais ao dinamismo dos mercados brasileiros, buscando um grande salto educacional (creio que é o primeiro país do mundo a entregar um computador para cada criança na escola) e maiores laços com o resto do mundo, quebrando seu fechamento. Penosamente, pode voltar a crescer mais.
Do nosso terceiro caso falamos neste espaço em julho passado, num artigo denominado "A Venezuela rumo ao desastre".
O país nunca soube aproveitar adequadamente a bonança de seus recursos naturais, sendo um bom exemplo da maldição do petróleo. O que Chávez está fazendo é completar o serviço, e ainda terá tempo para destruir o que resta da economia e da democracia no país.
Em resumo, é sempre possível perder as chances de chegar lá e voltar para trás.
No outro extremo, mas igualmente perturbador, é o que parece começar a acontecer em outros lugares, onde um processo muito rápido e bem-sucedido de crescimento, a ponto de ser chamado de milagre e colocar certos países no rol dos desenvolvidos, perde a energia e é sucedido por uma estagnação sem horizonte para terminar.
Os casos mais vistosos dessa situação são o Japão e a Itália. É certo que a riqueza acumulada permite viver a estagnação com certa dignidade. Como me disse o dono de um restaurante em Verona, "a vida aqui ainda é muito boa". Entretanto, isso vai apenas até um certo ponto, pois as oportunidades para os jovens vão rareando e as tensões se acumulando, especialmente na área do emprego e do conflito regional. Em ambos os países, recorrentes crises políticas são causa e efeito da estagnação.
Como pode ser visto no gráfico 2, Japão e Itália sofreram muito com a Segunda Guerra. Entretanto, a partir de 1950, o crescimento disparou e o PIB atingiu níveis elevados.
No caso do Japão, a crise se instala com o estouro da bolha imobiliária e da Bolsa, em 1989. Desde então, um cenário deflacionário impera no país, com todos os problemas decorrentes dessa situação, como retração no consumo e no investimento. Uma queda recorrente no tamanho da população, seu envelhecimento (com o consequente déficit estrutural da previdência) e a resistência social à imigração só complicam o quadro. Sem ter onde investir, as empresas acumulam caixa (US$ 2,5 trilhões) e, num país onde a taxa de juros é zero, mais da metade das grandes corporações não tem dívidas!
Na Itália, o PIB per capita (como proporção do americano) já começa a cair a partir de 1980-85, queda que se acentua de 1995 em diante. Desde então, a produtividade da economia parou de crescer (em termos técnicos, a produtividade total dos fatores tem crescimento zero, desde então). Também nesse país, a dinâmica populacional é perversa e os imigrantes são discriminados. Assim como no Japão, reformas que poderiam dar mais dinamismo à economia não avançam. O sistema político não ajuda de forma alguma: basta pensar nos problemas recorrentes do primeiro-ministro e no fato de que o partido que mais cresce (Liga Norte) quer dividir o país em dois.
Encerro dizendo mais uma vez que crescimento é um processo de longo prazo e o desafio de transformar o país de forma sustentável ao longo do tempo é formidável, de todos e de mais de uma geração. Ademais, riscos e novas demandas, como equidade e meio ambiente, estão sempre a aparecer.
Para que se transformem em oportunidades, é preciso, antes de tudo, a vontade e a capacidade de mudar constantemente. Finalmente, é preciso ficar esperto, pois o crescimento nunca está garantido. Em qualquer ponto do processo, é sempre possível estagnar e até retroceder.
É economista
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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