quinta-feira, 7 de julho de 2016

Cabeças e sentenças – Editorial / Folha de S. Paulo

Cada cabeça, uma sentença. O conhecido adágio popular teve repercussão prática muito clara com adecisão tomada na terça-feira (5) pelo ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal.

O decano do tribunal teve a oportunidade de se insurgir contra um posicionamento da corte que espelhou, sem dúvida, anseios gerais de apoio à punição, antes de favorecimento ao acusado.

Em fevereiro, por 7 votos a 4 (e Mello entre os contrários), o STF entendeu que réus já poderiam cumprir pena de prisão a partir da confirmação de sentença em segunda instância, conforme entendimento do juiz; até então, exigia-se o esgotamento de todas as possibilidades de recurso aos tribunais superiores.

O argumento doutrinário nada tinha de complexo. Tratava-se de dar fim a uma deplorável excentricidade da legislação nacional, que convida advogados hábeis e caros a prolongar processos até a prescrição da pena.

Não é esse o entendimento do ministro Celso de Mello. Em decisão liminar, relativa a um caso ocorrido em Belo Horizonte, o magistrado considerou equivocada a punição do réu, acusado de homicídio e ocultação de cadáver.

Sem dúvida, verificam-se mudanças no clima de opinião. Durante a ditadura, era natural que os corações se voltassem para o lado dos réus. No sistema de corrupção em vigor, é automático que se queira uma exacerbação das punições.

Mais e mais, o Supremo Tribunal Federal se vê encarregado de encarnar as expectativas da opinião pública. Por vezes parece um repositório do bom senso e da razão, face ao festival de irresponsabilidade e oportunismo do Congresso.

O julgamento de fevereiro, em particular, foi associado à ofensiva moralizadora da Lava Jato —quando menos, por incentivar delações de criminosos aterrorizados pela proximidade do encarceramento.

Acontece que a lógica da Justiça, ora encarnada em Celso de Mello, opõe-se aos ímpetos da opinião pública. Conforme se alertou neste espaço, a novo entendimento para o momento da prisão, por meritório que fosse, abalava a segurança jurídica do país.

Afinal, permanece na Constituição a garantia fundamental de que ninguém será condenado até o trânsito em julgado da sentença.

Dito de outra maneira, o réu preso por decisão de um juiz de segunda instância ainda não é um condenado; um inocente pode ser mandado para atrás das grades?

Cria-se um conflito entre a convicção do magistrado e a percepção geral de que a impunidade triunfa. Cabe ao Congresso —infelizmente, um sodalício de réus—resolver esse impasse.

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