- O Estado de S. Paulo
Escrita pelos mesmos autores, a história de resistência à aprovação da Lei da Ficha Limpa por parte dos congressistas se repete agora na figura cenográfica do pacote de dez medidas de combate à corrupção apresentado em março no Congresso na forma de iniciativa popular.
Isso, mais de seis anos, escândalos, investigações, prisões, condenações e um quase concluído impeachment presidencial depois. Primeiro, ao caso presente: com 1 milhão e 300 mil assinaturas, as medidas elaboradas por iniciativa do Ministério Público Federal e por entendidas militantes no tema estão empacadas na Mesa da Câmara à espera da formação de uma comissão especial, cujo trabalho enfrenta boicote (na forma de corpo mole) de suas excelências.
As mesmas que na teoria discursam em prol do combate à corrupção e, na prática, fazem de tudo (ou melhor, nada) para que as coisas não andem. O deputado que encampou o projeto, Mendes Thame (PV-SP), tentou por vários dias ser recebido pelo presidente em exercício da Casa, Waldir Maranhão, sem sucesso. Foi preciso que o deputado pusesse a boca aos microfones para que, há três semanas, o início dos trabalhos da comissão fosse formalmente autorizado.
A despeito disso, nada até agora aconteceu, embora Mendes Thame mantenha a esperança (certamente para não criar atrito com seus pares e atrasar ainda mais o processo) que nesta semana sejam indicados pelos partidos os 12 nomes que ainda faltam para completar a composição do colegiado. As legendas sócias do poder nos últimos anos, PT e PMDB, eram algumas das faltosas indicações até ontem à tarde.
Agora, ao caso passado: talvez seja coincidência, embora não pareça, foram justamente esses dois partidos a se render às evidências, aderindo à Lei da Ficha Limpa. Com óbvia má-vontade. Aprovada em meados de 2010, a regra tornou inelegíveis durante oito anos candidatos condenados por órgão colegiado, cassados ou que renunciem para evitar a cassação.
A proposta de ação popular em prol da limpeza das “fichas” chegou ao Congresso em 24 de setembro de 2009. Poucos deram bola, muitos “alertaram” para a improbabilidade de aprovação. Um deles, o então presidente da Câmara Michel Temer. “É difícil aprovar.”
De fato, foi. Até que a sociedade entrou em campo e o ano eleitoral de 2010 fez o restante do serviço: Ficha Limpa aprovada por unanimidade e considerada válida pelo Supremo Tribunal Federal a partir das eleições municipais de 2012.
Caso não haja essa pressão de novo, o senhor e a senhora cujo poder do voto não se transfere, podem ter certeza: vai ficar tudo na mesma.
Sujeito oculto. Além de várias oportunidades de ficar calado – sendo a principal delas quando negou ter contas no exterior numa CPI –, Eduardo Cunha já perdeu a presidência da Câmara, perdeu o direito de exercer seu mandato parlamentar e até mesmo a liberdade de circular na Casa, perdeu a aura de todo-poderoso, perde a cada dia apoio entre seus pares. Não exercita o voto nem o comando de voz.
Só não perdeu ainda a condição formal de deputado e, com ela, o foro especial de Justiça e a prerrogativa de só ser preso em situação de flagrante em crime inafiançável. Razão (única) pela qual tenta retardar o desfecho do processo de cassação, mediante atos protelatórios.
Por menos acusações que as que pesam contra o deputado há gente passando temporada forçada em Curitiba ou restrita ao perímetro da própria residência com o tornozelo atado a artefato eletrônico.
De onde o mandato hoje lhe serve de esconderijo, com a Câmara no papel da caverna.
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