O pedido de demissão de Pedro Parente da direção da Petrobras deixou um ponto de interrogação sobre o destino da política de preços da estatal. O fantasma do passado recente, do controle político de preços durante o governo de Dilma Rousseff, voltou a assombrar o presente, e há quem tema o retorno de uma estratégia danosa. O vislumbre dessa ameaça teria levado Parente a deixar o cargo. Desgastado politicamente com a paralisação dos caminhoneiros, Parente, ao ver a volta da gambiarra dos subsídios e movimentos à luz do dia dentro do governo para modificar a estratégia de preços da empresa, teria resolvido que era melhor ir embora.
Estatal, a Petrobras depende dos interesses de seu acionista majoritário, sejam eles virtuosos ou daninhos. Pedro Parente ascendeu ao comando da empresa para eliminar os resquícios de influência político-partidária que a colocaram no centro do maior escândalo de corrupção da história republicana, e pôr os negócios em ordem. Isso significava recuperar a rentabilidade da empresa, equacionar uma dívida gigantesca, revalorizar a estatal para os acionistas, redimensionar seu tamanho vendendo ativos, e maximizar suas receitas. A Petrobras foi profissionalizada sob sua gestão, sob a promessa de que a política de preços adotada sob sua direção não mudaria aos sabores das conveniências do Planalto.
O curto circuito da greve dos caminhoneiros pôs em xeque a autonomia da Petrobras em ditar seus preços, embalados pelo repasse imediato das variações das cotações do petróleo no mercado externo e da taxa de câmbio. A escalada dos preços tornou-se o alvo primeiro da revolta, que foi, no entanto, gerada por acúmulo de adversidades: ampliação excessiva, com subsídios, da frota de caminhões no governo Dilma, uma aguda recessão que fez desaparecer a demanda e a exasperantemente lenta recuperação que não a fez reagir.
O acaso também conspirou contra essa política de preços. Há duas décadas não se via o dólar e a cotação do petróleo caminharem juntos, na mesma direção - ainda mais com intensidade. A negligência do governo, a falta de diálogo e sua escassa popularidade tornaram um problema sério, mas contornável, em uma crise que quase parou o país.
Sob pressão de transportadores e caminhoneiros autônomos, e do abastecimento perto do colapso, o governo cedeu tudo o que os grevistas quiseram e jogaram para o Tesouro o custo de garantir as concessões acordadas, além de criar um preço mínimo do frete.
Até esta altura da paralisação, os interesses da Petrobras haviam sido resguardados. A própria empresa propôs trégua no reajuste por 15 dias para facilitar as negociações e a solução de o Tesouro bancar o subsídio ao diesel evitou jogar a conta para a empresa, como foi comum no passado. Já com a paralisação perto do fim, a Petrobras propôs um modelo em que impostos flexíveis funcionariam como amortecedores das variações de preços, sem que sua autonomia e rentabilidade corressem riscos.
A dimensão da greve e os estragos políticos provocados por um governo inábil chamuscaram também Parente. Com sua política sob questão, surgiram indícios claros de que o governo já se mobilizava para manietar o poder da empresa de fixar preços. Para o cálculo de compensação a ser paga à Petrobras delegou-se à ANP a delimitação do preço de referência. Antes da paralisação, o próprio Temer já encarregara seu homem de confiança, Moreira Franco, agora ministro da Energia, de encontrar alternativas à política da estatal. Com o caos instalado, Moreira Franco fez apelos públicos à mudanças, criou um grupo interministerial para isso, enquanto que políticos, mesmo da base governista, se uniram para pedir a destituição de Parente.
A defesa da autonomia da Petrobras e da imutabilidade de sua política de preços foram vistas como indissociáveis em meio à confusão dos caminhoneiros. O apoio à primeira seria respaldo automático à segunda. Mas são coisas distintas. Há várias maneiras de manter a empresa livre da politicagem e de moldar uma política de preços às exigências do momento sem perder poder e as enormes vantagens que o monopólio dá à empresa. Esse é o equilíbrio acenado pelo governo com a nomeação de Ivan Monteiro, da equipe de Parente. Resta ver se a solução para de pé e se a demissão de Parente foi um episódio isolado ou um prenúncio de mudança de rota na gestão da empresa.
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