- Valor Econômico
Copom deve avaliar esse choque dentro do arroz e feijão do sistema de metas de inflação
Muita coisa aconteceu desde que o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central divulgou a sua avaliação de que o novo coronavírus tem efeito potencial ambíguo para a política monetária, com possíveis vetores tanto altistas quanto baixistas para a inflação. O vírus se espalhou para outras regiões do mundo, o dólar subiu para cerca de R$ 4,50, a cotação de commodities caiu e o Federal Reserve (Fed) deu sinais de que poderá cortar os juros. No Brasil, por enquanto a autoridade monetária se mantém em silêncio, o que significa que segue válida a sua mensagem de política monetária. Ela é atual e aberta o suficiente para lidar com as mudanças no cenário. O “forward guidance” de interrupção do ciclo de baixa de juros é condicional à evolução do cenário econômico.
Na ata de sua reunião de fevereiro, o Copom disse que o coronavírus importa para a política monetária pelo seu possível impacto na inflação, e, portanto, não na taxa de câmbio. Os pronunciamentos recentes do presidente do BC, Roberto Campos Neto, e do diretor de Política Econômica, Fabio Kanczuk, mostram que ambos adotam a cartilha básica do regime de metas de inflação para reagir a choques como esses. Isto é, acomodar eventuais efeitos primários na inflação e combater os possíveis efeitos secundários, que se manifestam sobretudo nas expectativas de inflação.
Banqueiros centrais de todo o mundo têm adotado uma postura de cautela na leitura dos impactos econômicos do coronavírus, por isso é natural que o BC brasileiro procure ganhar tempo antes de tirar uma conclusão. Antes de o presidente do Fed, Jerome Powell, afirmar na sexta-feira que estava pronto para agir, vários membros do comitê de política monetária americano disseram que é preciso esperar mais dados para tirar uma conclusão. O banco central americano tem mandato duplo, de inflação e atividade, e os impactos do coronavírus por enquanto são mais claros na atividade do que na inflação. A queda da atividade industrial na China, medida pelo PMI, foi a maior da história. Com meta apenas na inflação, a presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, disse que precisa de mais dados para avaliar a crise. O BC da Coreia do Sul, que sofreu mais cedo os impactos do coronavírus, decidiu manter inalterados os juros na semana passada.
No Brasil, economistas do setor privado ainda estão divididos sobre o impacto do coronavírus, com parte vendo claros impactos deflacionários, parte, neutros, e parte, altistas. Mas, de forma geral, o que se vê são analistas muito confusos em fazer apostas definitivas para a inflação e a taxa de juro. “Ninguém tem a máquina que sabe calcular o impacto do coronavírus na inflação”, diz um especialista.
O coronavírus afeta a atividade por vários canais, mas nem todos são deflacionários. Ajudam a puxar os preços para baixo o menor crescimento mundial, a queda das exportações e o enfraquecimento da confiança de empresários e consumidores. Mas a quebra de cadeias globais pode ter efeitos em duas direções: de um lado, torna ociosos fatores de produção e, de outro, representa uma restrição de oferta na economia.
O coronavírus se transmite para a inflação por meio de outros canais, sobretudo a taxa de câmbio. O repasse cambial implícito nas projeções de inflação do BC é de 5%, porém na prática tem ficado abaixo disso. Economistas têm alertado, por outro lado, que o repasse não costuma ser linear. Alguns analistas argumentam que, hoje, a capacidade ociosa da economia é mais estreita - tese defendida por alguns membros do Copom na reunião de fevereiro - e afeta o coeficiente de repasse. Se a cotação do dólar subir muito e rapidamente, o impacto poderá ser maior. Cortes de juros nesse momento de incerteza poderiam potencializar a desvalorização do real.
Carlos Thadeu de Freitas Gomes Filho, da Ativa Investimentos, é um dos que veem um impacto claramente desinflacionário do coronavírus. Por isso, aposta não apenas em novos cortes de juros, mas em mudanças na comunicação do Banco Central para assegurar uma menor inclinação da curva de juros futuros. Ele nota que o preço das commodities está caindo perto de 15%, mais forte do que a desvalorização cambial. “Os combustíveis, em reais, estão mais baratos”, exemplifica o economista, responsável pelo Termômetro da Inflação. De fato, na sexta a Petrobras cortou os preços do diesel nas refinarias em 5% e os da gasolina em 4%. Gomes Filho está baixando a sua projeção de inflação deste ano para 2,9% e do próximo ano para 3,5%.
O que importa para a política monetária é o chamado impacto secundário - ou seja, o quanto esse choque poderá se perpetuar. Isso ocorre, em geral, quando há uma desancoragem das expectativas de inflação para prazos mais longos. O ponto de partida, ainda bem, é favorável. A inflação corrente está bem abaixo da meta, com projeções de mercado em 3,2% para este ano, ante uma meta de 4%.
A inflação corrente é um dos principais determinantes das expectativas. Nas últimas semanas, havia vários sinais antecedentes de que em breve a expectativa de inflação para 2021 também cairia abaixo da meta, de 3,75%. Em fins de janeiro, 20% dos analistas econômicos já projetavam índices abaixo desse percentual.
A questão, porém, é como as expectativas de inflação vão se comportar daqui por diante. Hoje, o Banco Central divulga um mapa mais atualizado da dispersão das expectativas, que já vai pegar os primeiros efeitos do coronavírus. As inflações implícitas do mercado, que Campos Neto costuma citar com frequência, já apontam índice entre 3,3% e 3,5% para 2021.
Economistas de linha mais conservadora argumentam que as expectativas de inflação estão se comportando bem até agora justamente porque o Banco Central adotou uma postura de política monetária mais austera, sinalizando uma interrupção do ciclo de corte de juros a partir deste mês. Em momentos de incerteza, como o atual, costuma haver uma dispersão das projeções. Se o BC tivesse sinalizado a continuidade dos cortes de juros, a curva estaria precificando muito mais estímulos - e o risco de desancoragem seria maior tanto nas expectativas de mercado quanto na inflação implícita.
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