O estado da democracia – Editorial | O Estado de S. Paulo
Para testar a pertinência da preocupação recorrente com o “declínio da democracia”, o Pew Research Center pesquisou o apoio a princípios e instituições democráticas em 34 países. O resultado revela uma série de inconsistências humanas, demasiado humanas, entre a teoria e a prática: a popularidade dos direitos democráticos é grande, mas a dos deveres, bem menos; as eleições seguem valorizadas, mas os eleitores estão cada vez mais frustrados com seus eleitos; os mais insatisfeitos com o funcionamento da democracia são os menos empenhados em reformá-la. É esclarecedor e preocupante notar a consistência com que o Brasil encarna estas inconsistências.
A pesquisa avaliou o apoio a nove princípios: igualdade de gênero, imparcialidade judicial, eleições livres, além das liberdades de prática religiosa, expressão, imprensa, internet, oposição política e atuação pelos direitos humanos. A imensa maioria tem alguma estima por estes princípios. Mas só nas Américas e Europa, em que pesem as crescentes apreensões com a saúde da democracia, tende-se a considerar todos eles muito importantes.
Um Judiciário justo é, em geral, o princípio mais valorizado (para 82% ele é “muito importante”), seguido pela igualdade de gênero (74%). A liberdade religiosa também recebe amplo apoio (68%). Contrariando a intuição comum, os mais comprometidos com a sua religião são justamente os mais comprometidos com o livre exercício das outras religiões – por outro lado, corroborando esta intuição, os mais favoráveis ao populismo conservador são em geral os menos favoráveis à liberdade de outras práticas religiosas.
Numa era de crescente preocupação com a desinformação, o apoio à liberdade de expressão, da imprensa e da internet cresceu em muitas nações. Em algumas onde as métricas apontam que a liberdade de imprensa efetivamente diminuiu nos últimos quatro anos, como EUA e Turquia, o apoio a ela cresceu expressivamente (quase 20 pontos porcentuais). No Brasil, por outro lado, ele caiu de 71% para 60%.
Eleições regulares e competitivas são o quarto princípio mais valorizado – “muito importante” para 65% dos entrevistados –, mas nos últimos anos o entusiasmo global caiu. Dois terços dos entrevistados acreditam que os representantes eleitos não se importam com o que eles pensam. Em muitos países, como Itália, Alemanha, Polônia e Reino Unido, diminuiu dramaticamente o número de pessoas que acreditam que “o Estado é administrado para o benefício de todos”.
Em média, 52% estão insatisfeitos com o funcionamento da democracia, enquanto 44% estão satisfeitos. A insatisfação é mais comum entre as pessoas de baixa renda e está frequentemente relacionada ao mau desempenho da economia e à desconfiança das elites políticas. Na Europa, ela é particularmente expressiva entre os populistas de direita. Não surpreende que no Brasil, que elegeu um candidato desta estirpe, o porcentual de insatisfeitos tenha caído em apenas um ano de 83% para 56%.
Os dois princípios menos valorizados em todo o mundo são as liberdades de atuação dos grupos de direitos humanos e dos partidos de oposição. Neste último quesito em particular, o Brasil está entre os quatro países mais mal classificados. Apenas 36% dos brasileiros acreditam que é muito importante que a oposição possa atuar com liberdade. Isso diz muito sobre o acirramento das facções políticas à esquerda e à direita, suas convicções e seus métodos.
É alarmante constatar que as pessoas parecem não se dar conta de que o genuíno vigor da democracia depende menos do exercício da vontade da maioria (o que é compatível com o despotismo) do que das garantias às minorias. Muitos indicadores mostram que os brasileiros – como os demais povos – sentem um amor sincero pela democracia. Mas está claro que todos – cada um a seu modo – ainda precisam fazer muito para conhecer o verdadeiro objeto de seu amor e servi-lo como se deve.
Informalidade recorde – Editorial – O Estado de S. Paulo
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua) para o 4.º trimestre de 2019, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no dia 14 passado, revelou uma queda na taxa de desemprego em 16 Estados, acompanhando a média nacional, que recuou de 12,3% em 2018 para 11,9% no ano passado. É o terceiro ano consecutivo em que o indicador apresenta alguma melhora, mas há pouco a celebrar. A mesma pesquisa apontou que o aumento da ocupação é devido, primordialmente, ao ingresso na informalidade, uma das poucas alternativas – se não a única – que restam aos desalentados que há meses, quiçá anos, procuram trabalho formal sem sucesso.
O ano de 2019 foi um marco da informalidade no País. Na média nacional, a taxa de informalidade foi de 41,1%, o que significa que quase 39 milhões de brasileiros trabalham sem a mesma proteção e as mesmas garantias legais que são oferecidas aos trabalhadores formais, outro traço da perversa desigualdade que há muitíssimo tem marcado a vida nacional.
O Estado de São Paulo ficou abaixo da média do País, com 32% de trabalhadores informais no ano passado, mas este dado tampouco é alvissareiro, já que se trata do nível mais elevado da série iniciada pelo IBGE em 2016. No Pará, a taxa de informalidade é de 62,4%. No Maranhão, de 60,5%. Como é possível vislumbrar um futuro promissor para Estados em que bem mais da metade das pessoas que estão ocupadas, na verdade, vive de “bicos”? Com pequenas variações no porcentual, esta é a realidade de muitos entes federativos, atualmente. A informalidade é recorde em 20 Estados, além do Distrito Federal.
“O ano de 2019 é importante porque é o terceiro ano em que se observa aumento na taxa de ocupação. Mas outros indicadores mostram que a qualidade desse trabalho que está sendo gerado ainda carece de melhora”, disse ao Estado Adriana Beringuy, analista da Coordenação de Trabalho e Rendimento do IBGE. Adriana destaca ainda que, inobstante o aumento da oferta de vagas formais – foram abertas 593 mil vagas com carteira assinada no setor privado em todo o País no último trimestre do ano passado –, “(o IBGE) não vê nenhuma atividade se destacando. Tudo indica que se trata da soma de pequenas reações setoriais”.
Ou seja, a tão propalada recuperação do crescimento econômico, com a consequente geração de empregos formais, ainda pertence ao campo dos desejos. No mundo real, as reações que se pode observar aqui e acolá são espasmos dispersos sem o condão de trazer segurança aos brasileiros de que, enfim, o governo federal achou o seu rumo.
Enquanto bater cabeça entre os seus e com as lideranças políticas no Congresso Nacional, o trâmite das reformas essenciais para a consecução daquele objetivo estará interditado e mais e mais brasileiros dependerão do trabalho informal para o seu próprio sustento ou o de suas famílias.
A melhora da quantidade de brasileiros empregados é um evidente dado positivo. Mas, se a Nação almeja mais do que a mediocridade, deve refletir sobre qualidade dos postos de trabalho que estão sendo criados no País e exigir mais das autoridades sobre as quais recai a responsabilidade de criar as condições para que a economia floresça, ou que ao menos não atrapalhem esse processo.
O recorde de subemprego no País tem muitas causas, algumas delas com raízes fincadas no desatino dos últimos governos petistas. No entanto, se hoje o Brasil ainda patina para se reerguer, em grande medida isso se deve à disfuncionalidade do governo do presidente Jair Bolsonaro. É difícil esperar resultados positivos de um governo que antagoniza a boa política, faz pouco-caso das relações republicanas entre as instituições, ataca a imprensa profissional e reduz a educação – chave para o futuro – a mero cenário de uma batalha ideológica que seria apenas ridícula, não fosse trágica por pôr em risco uma geração de brasileiros.
Um campeão de desemprego – Editorial | O Estado de S. Paulo
O Brasil é o campeão do desemprego entre as dez maiores economias do mundo, mesmo com a criação de vagas no trimestre encerrado em janeiro. Convém lembrar esse fato antes de festejar a melhora. A desocupação baixou de 11,6% no período de agosto a outubro para 11,2% nos meses de novembro a janeiro. Um ano antes eram 12% os desempregados. Nesse intervalo mais longo, a população desocupada encolheu para 11,9 milhões, com redução de 712 mil pessoas. Se as condições do País forem comparadas com as de um número maior de economias, ainda assim o Brasil ficará muito mal. O desemprego brasileiro é mais que o dobro da média da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Essa média ficou em 5,1%, em dezembro. Só um dos 36 sócios da organização, a Turquia, tinha situação pior que a brasileira, com desocupação superior a 13%.
Também no fim do ano, os desempregados eram 4,2% nas sete maiores economias, 6,2% na União Europeia e 7,4% na zona do euro – neste caso, por causa das altas taxas na Espanha (13,7%), na Itália (9,8%) e na França (8,4%).
Mas em qualquer desses países a condição dos desocupados é bem melhor e menos angustiante que a dos brasileiros, graças a redes de proteção social. É mais confortável também, pode-se acrescentar, e mais segura que a de muitos brasileiros com empregos precários ou ocupados por conta própria. No Brasil, nem sequer o Bolsa Família tem sido assegurada aos mais necessitados, como comprovou a fila de ingresso formada a partir de maio de 2019.
Não basta, para entender e avaliar a situação brasileira, acompanhar os números do desemprego e sua lenta redução. É preciso examinar os outros dados incluídos na Pesquisa Mensal por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua). Mesmo com alguma melhora durante um ano, as porcentagens e os números absolutos mostram um quadro desastroso.
Além de escassa, a ocupação é na maior parte insegura e de baixa qualidade. No trimestre encerrado em janeiro, 40,7% dos trabalhadores ocupados, ou 38,3 milhões de pessoas, estavam em situação de informalidade. Um ano antes eram 41%. A melhora, portanto, foi quase insignificante. O número dos subocupados por insuficiência de horas de trabalho, de 6,6 milhões, ficou estável na comparação interanual. O grupo dos desalentados, de 4,7 milhões, também ficou estável.
Somando-se os desocupados, subocupados e desalentados, chega-se a 23,2 milhões de trabalhadores. Se a cada um deles forem associadas, duas pessoas, a conta mostrará 69,6 milhões de brasileiros, cerca de um terço da população, em condições muito precárias. Na maior parte das famílias, um desempregado, desalentado ou subocupado é suficiente para complicar a situação do conjunto, já forçado a suportar más condições de moradia e serviços de saúde em geral deficientes.
A melhora lenta do mercado de trabalho reflete – e realimenta – o baixo ritmo de crescimento econômico. O governo pouco se ocupou desse problema em 2019, só estabelecendo algum incentivo ao consumo a partir de setembro. Mesmo esse pequeno incentivo produziu algum efeito positivo.
Mas a duração desses efeitos parece ter sido tão curta quanto a dos estímulos. O único impulso duradouro à atividade econômica tem sido proporcionada pelo Banco Central, com a redução de juros e de expansão dos canais de financiamento. A liberação de R$ 135 bilhões a partir de março, com a liberação de recursos bancários, poderá dar um novo empuxo às atividades.
Com o dólar caro e a vida ainda apertada, qualquer novo estímulo aos negócios dificilmente resultará, a curto prazo, em mais viagens de domésticas à Disney. Quanto a isso o ministro da Economia pode ficar tranquilo. Antes dessas viagens, maior crescimento produzirá mais impostos e ajuste mais rápido das contas públicas. Vale a pena o governo apostar nessa possibilidade.
Hesitação perigosa – Editorial | Folha de S. Paulo
Bolsonaro semeia insegurança ao indicar simpatias por pleitos de PMs amotinados
O governo Jair Bolsonaro flerta com a crise ao atuar de modo hesitante —para usar um termo benigno— no caso dos policiais militares amotinados no Ceará.
No sábado (29), o ministro Sergio Moro da Justiça, disse o óbvio: o movimento é ilegal, dado que a Constituição veda expressamente a greve de militares. Ainda assim o fez cheio de dedos e ressalvas. “Claro que o policial tem de ser valorizado, claro que o policial não pode ser tratado de maneira nenhuma como um criminoso.”
Com boa vontade, a declaração pode ser interpretada como esforço conciliatório. Outros sinais oriundos de Brasília, entretanto, indicam afinidades corporativistas com os rebelados.
Na quinta-feira (27), Bolsonaro sugeriu que poderia não prorrogar a operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) por meio da qual as Forças Armadas e a Força Nacional de Segurança Pública estavam mobilizadas no Ceará desde o dia 21. “GLO não é para ficar atendendo eternamente a um ou mais governadores”, pontificou.
Adicionalmente, o presidente cobrou do Congresso a aprovação de projeto que abranda penas para agentes que matem em casos tidos como legítima defesa.
A sinalização de complacência do Palácio do Planalto despertou, felizmente, pronta reação de outras forças políticas e institucionais. Governadores e os presidentes da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal discutiram, já no dia seguinte, alternativas de ação.
Rio de Janeiro, Bahia, Piauí e Maranhão acenaram com a possibilidade de auxiliar o Ceará com suas forças de segurança. Cogitou-se ainda a hipótese de obter a prorrogação da operação federal no STF. Diante da pressão, Bolsonaro capitulou e manteve a GLO.
O governador cearense, Camilo Santana (PT), que antes do motim já havia proposto expressivo reajuste salarial à PM, tem pela frente uma negociação espinhosa. O movimento quer aumento do salário inicial dos soldados de R$ 3.475 para R$ 4.932 mensais; o estado oferece R$ 4.500 em altas parceladas.
A categoria demanda ainda anistia para os que participaram do movimento ilegal —como tem sido a praxe irresponsável no país em mais de duas décadas.
As trágicas consequências da baderna armada não se limitam ao grotesco episódio em que o senador Cid Gomes (PDT-CE) foi baleado ao investir com uma retroescavadeira contra os amotinados. O número de homicídios disparou no estado, até onde se pôde contar —os dados deixaram de ser informados diariamente.
Não é só problema de um governador (e desafeto político), à diferença do que diz Bolsonaro. Um precedente perigoso pode ser criado, enquanto policiais manifestam insatisfações em outros estados.
Se optar por omissão ou conivência, o mesmo governo que reivindica os créditos pela redução das taxas nacionais de criminalidade semeará insegurança pública.
Impasse israelense – Editorial | Folha de S. Paulo
País vai às urnas pela 3ª vez em menos de um ano, sem sinal de maioria clara
Nesta segunda (2), os israelenses irão às urnas pela terceira vez em menos de um ano para escolher um novo Parlamento e determinar o próximo primeiro-ministro.
O fato, inédito em 70 anos de história, dá bem a medida da cisão política que paralisa aquele país, incapaz de resolver pelo voto os impasses que atravancam a formação de um governo de maioria estável.
Nos dois pleitos anteriores, realizados em abril e setembro, o direitista Likud, partido de Binyamin Netanyahu, atual primeiro-ministro, elegeu praticamente o mesmo número de parlamentares que o centrista Branco e Azul, capitaneado pelo ex-comandante do Exército Benny Gantz.
Os dois líderes, entretanto, não lograram concretizar, no multipartidário sistema político israelense, uma coalizão que lhes assegurasse mais da metade das 120 cadeiras do Legislativo.
Na votação desta segunda, Gantz e Bibi, como o premiê é conhecido, são novamente os principais contendores. Entretanto o cenário de hoje se apresenta diferente daquele de seis meses atrás.
Há dez anos no poder, Netanyahu sofreu um duro revés no final de novembro ao ser indiciado por corrupção, recebimento de propina, fraude e quebra de confiança —fato que, como seria de esperar, foi bastante explorado pela campanha do adversário.
Meses depois, contudo, Bibi foi regalado pelo presidente americano, Donald Trump, com um novo plano de paz para a região bastante favorável a Israel.
Desde então, o premiê busca convencer os eleitores de que apenas um governo liderado pelo Likud será capaz de estender a soberania sobre os assentamentos judaicos em áreas palestinas, bem como sobre o estratégico vale do Jordão.
Isso, porém, parece ter surtido pouco efeito. As pesquisas mais recentes apontam que tanto Netanyahu como Gantz deverão ter desempenhos muito similares ao dos dois últimos pleitos.
Vai se desenhando, assim, um quadro de resultados novamente inconclusivos —e não será surpresa se os eleitores israelenses, em breve, forem chamados a repetir o mesmo ritual desta segunda.
Governo deveria liderar reforma do sistema de saúde – Editorial | O Globo
É vital rever incentivos setoriais. Estima-se que dos gastos totais, metade corresponda a renúncias fiscais
Quando ultrapassada a emergência para contenção da epidemia do novo coronavírus, o Ministério da Saúde deveria usar o experimento até agora bem-sucedido de coordenação da rede nacional de saúde como referência na gestão de um amplo projeto de reforma do Sistema Único de Saúde, em que parte dos problemas tem origem em má gerência e em excesso de burocracia.
A crise na saúde é nacional. Em 2019, 11 estados reduziram serviços à população por falta de recursos. Rio, Amazonas e Maranhão lideram a lista. No ano passado, em 40% do país, foram fechados 17 hospitais e 30 unidades básicas de atendimento — ou seja, quase quatro por mês —, além de cortes em consultórios e laboratórios especializados.
As deficiências setoriais continuam no topo dos problemas indicados como mais graves pela população nas pesquisas de opinião. Esse quadro se repete há mais de uma década, o que evidencia a dificuldade de diferentes governos em equacioná-lo, ao menos naquilo que é mais premente e visível: a atenção básica.
Proliferam diagnósticos da crise. O Banco Mundial já demonstrou em estudo que, de 2003 a 2017, houve um rápido crescimento dos gastos com saúde no Brasil, sempre superior à da renda por habitante — medida na divisão do Produto Interno Bruto pela população.
Quando os gastos com saúde crescem continuamente e absorvem uma parte significativa da riqueza que a economia de um país produz, tem-se um problema de sustentabilidade econômica e fiscal no longo prazo. Estima-se que o sistema de saúde tenha custado R$ 22 bilhões em 2014. Mantido o ritmo de crescimento, em 2030 o dispêndio nacional com saúde irá a R$ 700 bilhões. Se medidas de aumento da eficiência nos serviços públicos forem implementadas, calcula o Banco Mundial, será possível economia de quase R$ 1 trilhão na próxima década e meia — equivalente a uma Reforma da Previdência aprovada pelo Congresso no ano passado.
É vital a revisão dos incentivos setoriais. Estima-se que dos gastos totais do país com saúde, metade corresponda a renúncias fiscais em benefício da parcela da população (40%) atendida por empresas privadas. Sobra outra metade de recursos para cobertura de serviços à maioria (60%) dos brasileiros que depende integralmente da rede pública. Trata-se de uma distorção, com efeitos óbvios no processo de concentração de renda.
O Ministério da Saúde deveria liderar a condução da reforma do sistema. É questão política relevante. A solução começa na organização do debate sobre escolhas fundamentais, como na definição dos limites no acesso a serviços e tecnologias disponíveis na rede pública médico-hospitalar, além do redesenho do papel suplementar do setor privado, com uma ampla e profunda revisão dos incentivos setoriais.
EUA punem estatal russa e acenam com um bloqueio naval à Venezuela – Editorial | O Globo
Pressão é crescente tanto sobre as vendas externas de óleo quanto sobre as compras de derivados
A Venezuela virou palco de confronto dos Estados Unidos com a Rússia. É um jogo de poder na América do Sul em torno da ampliação do embargo às exportações de petróleo que financiam a ditadura de Nicolás Maduro.
O Tesouro americano está ampliando as sanções financeiras aos governos e às empresas que, a partir de maio, negociem petróleo venezuelano com o grupo estatal russo Rosneft. Já o Departamento de Estado acena com medidas mais duras, entre elas um possível bloqueio naval.
Há um ano Washington impôs um bloqueio às vendas de petróleo da Venezuela com o objetivo de asfixiar as finanças da cleptocracia liderada pelo ditador Maduro. A pressão é crescente tanto sobre as vendas externas de óleo quanto sobre as compras de derivados, para suprimento doméstico de combustíveis. Durante fevereiro, segundo a consultoria especializada S&P Global Platts, a estatal PDVSA se viu obrigada a estocar 677 mil barris por dia, por falta de compradores.
A Rússia, que é a principal credora externa do regime de Caracas, assumiu a revenda de parte da produção da estatal venezuelana e passou a fornecer-lhe derivados de petróleo.
Com as sanções, o regime de Caracas vê ameaçada aquela que, hoje, é sua principal fonte de receita em dólares. Grandes operadores do mercado mundial de óleo começaram a se distanciar da estatal russa. É o caso da Trafigura, uma das líderes no comércio de petróleo e metais básicos. Ela anunciou que deixará de comprar óleo venezuelano da Rosneft.
Agentes financeiros também estão sob pressão por negociar com a ditadura de Maduro. A Suíça investiga o banco Julius Baer por lavagem de dinheiro nos últimos nove anos, e prepara a divulgação de detalhes sobre um desvio da US$ 4,5 bilhões dos cofres da PDVSA.
O banco Julius Baer está no centro de processos judiciais abertos no Brasil e na Suíça por casos de corrupção na Petrobras revelados na Operação Lava-Jato.
A Casa Branca tenta conter a expansão da Rússia na América Latina num jogo geopolítico mais amplo. “Essas sanções”, reagiu o governo de Vladimir Putin, “não repercutem e não terão efeito na política russa nos assuntos internacionais, incluída a cooperação com as autoridades legítimas da Venezuela, Síria, Irã ou qualquer outro país”.
Sob asfixia financeira, a ditadura de Maduro começa a intensificar o contrabando de ouro em barras. Neste mês foram apreendidos no Caribe duas toneladas do metal, a bordo de jatos executivos de propriedade do governo de Caracas.
Relação entre Presidência e Estados demanda atenção – Editorial | Valor Econômico
A interação do governo federal com os governadores deve se concentrar nos projetos da agenda econômica e no bem-estar da população
Acostumado a exercer sucessivos mandatos eletivos como quem recebe a autorização popular para testar os limites das instituições e do Estado democrático de direito, o presidente Jair Bolsonaro encerrou a última semana com um gesto reconfortante para os que torcem por um estreitamento nas relações entre o Executivo e o Legislativo.
Na sua já tradicional transmissão semanal pelas redes sociais, Bolsonaro fez um apelo por serenidade e afirmou estar certo de que os chefes dos Poderes cada vez mais vão se ajustando. Afinal, prosseguiu ao seu estilo, é se afinando a viola que o Brasil decola.
À sua maneira, o presidente tenta colocar um fim à mais recente crise de seu governo com o Congresso. Desta vez, o impasse se dá na delimitação da margem que o Executivo terá na gestão orçamento impositivo. Uma disputa que já começava a contaminar outras propostas em tramitação, muitas delas de interesse do Executivo, dos Estados e da iniciativa privada.
Esse mesmo tipo de gesto deveria ser feito pelo presidente da República em direção aos governadores de todos os Estados e partidos políticos. Afinal, não são poucas as competências comuns da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, segundo estabelece a Constituição Federal.
A primeira delas é justamente zelar pela guarda da Carta, das leis e das instituições democráticas, além de conservar o patrimônio público. Outra atribuição comum é cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência.
Está nesse rol a proteção de bens de valor histórico, artístico e cultural, monumentos, paisagens e sítios arqueológicos. O constituinte não se furtou a determinar que todos esses entes proporcionem meios de acesso à cultura, à educação e a ciência, tecnologia e inovação.
Apesar dos desencontros federativos em relação às políticas públicas para a Amazônia, também foi incluída nesse trecho da Constituição a proteção do meio ambiente e o combate à poluição, assim como a preservação das florestas, da fauna e da flora. A segurança pública, a promoção de programas habitacionais, a melhoria do saneamento básico, a agropecuária e o combate à pobreza tampouco foram esquecidos.
Uma missão hercúlea. Até agora, contudo, a relação de Bolsonaro com parte considerável dos Estados vem sendo tumultuada. Não são poucos os atritos entre o presidente e os governadores desde janeiro do ano passado.
Em alguns casos, notadamente Rio de Janeiro e São Paulo, os cenários projetados pelo presidente em relação às eleições de 2022 parecem ter sido o fator determinante para a deterioração das relações entre o Palácio do Planalto e essas unidades da federação.
Felizmente, observa-se uma interrupção dessas hostilidades nos últimos dias, em meio à comprovação do primeiro caso de doença provocada pelo coronavírus no país, justamente na capital paulista. É essencial que o governo federal tenha total entrosamento com o Estado de São Paulo e todos os demais entes subnacionais nesse enfrentamento. Do contrário, toda a população brasileira tem a perder.
Outra agenda que demanda melhor articulação federativa é a preservação da Amazônia. Conforme noticiado nas últimas semanas, os governadores da região foram surpreendidos pela informação da criação do Conselho da Amazônia e da Força Nacional Ambiental.
Como resultado, enquanto as ações de ambas as instituições federais não são conhecidas, os governadores vão tocando programas e ações próprias sem um esperado diálogo institucional com Brasília.
Também não foram poucas as críticas trocadas entre o presidente e os governadores do Nordeste, região onde a oposição mantém grande poder político. O mais recente desentendimento se deu em relação à Operação de Garantia da Lei e da Ordem no Ceará, Estado que precisou receber o apoio federal devido à greve de sua polícia militar.
Na semana passada, enquanto comentava a situação no Ceará durante a mesma transmissão nas redes sociais em que acenou ao Congresso, o presidente novamente cobrou apoio para aprovação da proposta do excludente de ilicitude. Ele voltou a argumentar que o dispositivo, em tramitação no Legislativo e alvo de críticas de alguns setores da sociedade, daria mais amparo legal a quem participa das chamadas GLOs. A interação do governo federal com os governadores de fato precisa melhorar, mas seu foco precisa ir além do excludente de ilicitude. Deve se concentrar nos projetos da agenda econômica e no bem-estar da população.
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