segunda-feira, 17 de outubro de 2022

Carlos Pereira* - Risco de ‘morte’ do populista

O Estado de S. Paulo

Populistas extremos morrem quando tentam se tornar mais poderosos

Receios de fragilização da democracia brasileira diante de um possível, mas cada vez menos provável, segundo mandato do presidente Bolsonaro parecem ter chegado a um patamar elevadíssimo.

Mesmo sem evidências científicas sistemáticas que suportem tal expectativa, muitos acreditam que, se a democracia governada por um populista extremo não se fragilizar no primeiro mandato, certamente se fragilizará no segundo. Preferem sempre acreditar mais em ameaças futuras do que na trajetória de evidências robustas de resistência institucional e social.

Tais receios foram catapultados a partir de um suposto plano de Bolsonaro de aumentar o número de ministros da Suprema Corte por meio de uma emenda constitucional a ser apresentada no início de 2023, caso seja reeleito. O próprio presidente, em tom mais ameno, mas nem por isso menos ameaçador, disse que podia desistir da ideia, mas apenas se o Supremo baixasse a bola.

No artigo How Populism Dies: Political Weaknesses of Personalistic Plebscitariam Leadership, o professor Kurt Weyland da Universidade do Texas, Austin, desafia a credibilidade de tais temores ao mostrar que apenas 24% dos líderes populistas tomam de fato iniciativas que geram retrocessos democráticos e que somente 1/3 deles seriam efetivos ao proporcionar alguma deterioração democrática.

Os casos sempre citados de Fujimori, Chávez, Orbán e Erdogan são, na realidade, uma exceção à regularidade estatística de que a grande maioria dos países governados por populistas extremos conseguem resistir às suas ameaças de retrocessos democráticos. Existiria, portanto, um erro de viés de seleção dos exemplos analisados (variável dependente).

Democracias frequentemente persistem a despeito de tentativas de líderes populistas de enfraquecê-las, mesmo quando enfrentam o infortúnio de reelegê-los.

Um dos elementos chave para entender o fracasso de populistas extremos está relacionado ao desenho institucional dos países, especialmente a capacidade do conjunto descentralizado de “pontos de veto” de resistir e de contra-atacar diante de iniciativas iliberais.

Não se deve apenas observar o papel de vetos institucionais e partidários sob a lente dos potenciais obstáculos e problemas que geram à governabilidade (deadlocks). Mas também sob a lente de prevenir mudanças institucionais que levem à concentração de poder e à deterioração democrática.

Kurt Weyland mostra que, ao invés de democracias morrerem, é mais fácil que líderes populistas se enfraqueçam politicamente e venham a “morrer” como consequência das suas tentativas de asfixiar a democracia.

*Cientista político e professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV EBAPE)