Valor Econômico
Definição de nova âncora para as contas
públicas será essencial
Coordenar as expectativas sobre as contas
públicas será um dos primeiros grandes desafios do próximo governo. Além de
definir o montante da licença para elevar gastos em 2023, será preciso desenhar
uma nova regra fiscal que assegure uma trajetória confiável de estabilização e
queda da dívida pública como proporção do PIB ao longo do tempo. Se for bem
sucedido nessa tarefa, quem vencer as eleições neste ano reduzirá incertezas importantes,
num ano a ser marcado pelo impacto pleno do ciclo de alta da Selic sobre a
atividade e por um cenário externo mais adverso, com juros mais elevados no
mundo desenvolvido e o risco de uma recessão global.
Ex-secretário do Tesouro nos governos de Michel Temer e de Jair Bolsonaro, Mansueto Almeida avalia que o país tem como se destacar no ambiente complicado que se desenha para os emergentes em 2023, desde que mostre sinais “de responsabilidade fiscal e compromisso com as reformas, como a tributária”. Na semana passada, Mansueto esteve em Nova York para reuniões com investidores. Segundo ele, todos olham com “curiosidade” para dois emergentes - o México, pela proximidade com os EUA, e o Brasil.
“No
caso do Brasil, os dados fiscais de 2021 e 2022, de resultado primário [que
exclui gastos com juros] e dívida pública, de crescimento do PIB e do mercado
de trabalho foram muito melhores do que todo mundo esperava”, diz ele, hoje
economista-chefe do BTG Pactual. Além disso, acrescenta Mansueto, o país tem um
déficit em conta corrente baixo e houve um aumento forte do investimento direto
estrangeiro, que foi de US$ 46 bilhões em 2021 e deve atingir US$ 80 bilhões em
2022.
A primeira tarefa no campo fiscal para 2023
será definir o tamanho da licença para aumentar gastos. O principal é a
elevação das despesas para custear a manutenção do Auxílio Brasil em R$ 600, o
que exige R$ 52 bilhões a mais do que os R$ 105,7 bilhões reservados no projeto
de lei orçamentária anual (PLOA) de 2023 para pagar um benefício de valor médio
de R$ 405. Há estimativas de que a licença total poderá ficar entre R$ 100
bilhões e R$ 150 bilhões, a depender do que for incluído, como um eventual
reajuste dos salários do funcionalismo.
Mansueto diz que, “pela regras atuais, o
crescimento do teto de gastos no próximo ano será um pouco acima de R$ 100
bilhões”. Para ele, será um exagero se, além desse valor, for aberto um espaço
adicional de R$ 150 bilhões no ano que vem, sem contar que poderia ser perigoso
pelo efeito na inflação. “Acho que o mercado aceitaria bem um ‘waiver’ [a
licença mais despesas] pequeno, de R$ 50 bilhões a 60 bilhões para acomodar o
Auxílio Brasil, junto com uma nova regra fiscal”, diz Mansueto. “E, se o
‘waiver’ for muito grande, podemos ter a política fiscal trabalhando contra a
política monetária”, afirma Mansueto, lembrando que os juros já estão elevados
para combater a inflação. Se os gastos públicos aumentarem muito em 2023, o
Banco Central (BC) pode atrasar o início do ciclo de queda da Selic, um
movimento que pode eventualmente começar no segundo trimestre do ano que vem.
Taxas altas por mais tempo afetariam o ritmo de crescimento da economia, além
de elevar o custo fiscal, por engordar os gastos com juros.
Mansueto cita ainda a incerteza em relação
às despesas com pessoal da União. A expectativa é que haverá algum aumento de
gastos com o funcionalismo em 2023, após o governo segurar esses dispêndios nos
últimos anos, ao não conceder reajustes lineares aos servidores. “Mas o ideal é
que seja um aumento parcelado, que não reverta totalmente a economia de 0,8
ponto do PIB que o governo conseguiu de 2018 a 2022”, diz Mansueto. Em 2018, os
gastos com pessoal da União eram de 4,3% do PIB; neste ano, devem ficar em 3,5%
do PIB. A redução do número de funcionários públicos federais da ativa a partir
de 2017 também ajudou nesse recuo.
Ele menciona como exemplo o ajuste
realizado por Paulo Hartung nas contas do governo do Espírito Santo entre 2015
e 2018. O ex-governador capixaba passou três anos sem reajustar os salários do funcionalismo
e, quando voltou a dar aumento, não fez a compensação integral dos três anos
anteriores, segundo Mansueto. “Assim, o Estado ficou com uma folha de pessoal
mais baixa, teve dinheiro para pagar as contas em dia e ainda fazer
investimentos”, diz ele. “No fim do governo Temer, o Espírito Santo era o único
Estado com nota ‘A’”, afirma Mansueto, para quem o desafio é fazer algo
parecido no âmbito federal, além da tentativa de aprovar uma reforma
administrativa.
Do ponto de vista estrutural, a grande
tarefa será a definição de uma nova regra fiscal, depois que a credibilidade do
teto de gastos foi solapada por diversas manobras para driblá-lo. Mansueto nota
que, em 2023, o país voltará a ter déficit primário - o BTG Pactual, por
exemplo, projeta um rombo de 0,4% do PIB nas contas do setor público
consolidado no ano que vem e um superávit de 1,3% do PIB neste ano. “Mostrar
como vamos transformar um déficit em superávit primário recorrente para pelo
menos estabilizar a dívida/PIB no fim do proximo governo seria importante”,
afirma ele. Para Mansueto, além de uma regra fiscal crível e que indique uma
trajetória sustentável para a dívida pública, também é fundamental que o
próximo governo deixe claro o compromisso com a agenda ambiental e normas ESG
(a sigla em inglês para práticas ambientais, sociais e de governança) e com a
agenda de reformas, como a tributária.
Com sinais de responsabilidade fiscal e de
que há intenção de avançar nas reformas, o Brasil pode se sobressair entre os
emergentes, diz Mansueto. Para ele, o mundo de maior risco geopolítico entre
EUA e China não deve afetar muito o Brasil - os dois países “já são os nossos
principais parceiros comerciais, e isso deve continuar”, avalia. O
ex-secretário do Tesouro cita ainda outro fator positivo para o Brasil. Segundo
ele, há “um crescimento contratado em infraestrutura com as concessões que já
ocorreram, de cerca de 0,7% do PIB por ano”, considerando um horizonte de
quatro a cinco anos, com fonte de financiamento privada, via mercado de
capitais.
Se o próximo governo souber coordenar as
expectativas em relação às contas públicas, a atividade econômica poderá voltar
a ganhar fôlego na segunda metade do ano que vem e especialmente a partir de
2024. A luta para assegurar a credibilidade fiscal do próximo governo, porém,
começará a ser travada ainda neste ano, após o segundo turno das eleições,
quando o vencedor deverá enfim divulgar mais detalhes do que pretende fazer com
as contas do governo.
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