Teimosia de Biden amplia favoritismo de Donald Trump
O Globo
Presidente americano não dá sinal de desistir
da reeleição, apesar da pressão e das evidências de declínio cognitivo
O encontro
que celebra os 75 anos da Organização do Tratado do Atlântico Norte acontece
em Washington com todos os olhos voltados ao anfitrião, Joe Biden.
O mundo vive uma situação crítica, com guerras na Ucrânia e no Oriente Médio, a
ascensão de regimes autoritários e a pressão sobre a democracia por toda parte.
E, apesar de tudo isso, a principal preocupação do governo da maior potência
planetária é mostrar que Biden, aos 81 anos, tem plena capacidade cognitiva e
silenciar quem exige que desista da reeleição.
O objetivo do debate na TV entre Biden e Donald Trump em junho era acabar com qualquer dúvida a respeito de suas faculdades mentais. A voz rouca e titubeante, as frases sem nexo e os silêncios repentinos surtiram o efeito oposto. Seu desempenho constrangedor e suas aparições posteriores só fizeram crescer a pressão para que abra mão da candidatura. Publicações de prestígio, como The Economist, The Wall Street Journal, The Boston Globe, The Washington Post ou The New York Times — este último duas vezes—, defenderam em editoriais a desistência de Biden. De acordo com pesquisa da CBS e da YouGov, 72% dos eleitores acham que ele não tem a saúde mental e cognitiva necessária para o cargo de presidente, sete pontos percentuais a mais que antes do debate. Num levantamento da Morning Consult, 60% defenderam a troca por outro candidato. Na sondagem New York Times/Siena College, Trump ampliou sua vantagem na preferência dos eleitores, abrindo diferença de seis pontos percentuais (49% contra 43%). Em todos os subgrupos — demográfico, geográfico ou ideológico —, a maioria considera Biden inepto ou senil.
No Congresso, os próprios democratas
começaram a atacar a candidatura à reeleição. A maioria em foro privado, mas
deixando o teor das conversas vazar. Depois das primárias, Biden conta com o
compromisso de 3.894 dos 3.937 delegados democratas que votarão na convenção de
Chicago em agosto. Para que o partido escolha outro candidato, ele precisa
desistir.
Até o momento, nada aponta nessa direção. Sua
reação tem sido partir para o ataque. Apoiado pela família, participou de
eventos de campanha, telefonou a doadores e enviou uma carta desafiadora a
congressistas democratas, afirmando estar “firmemente comprometido em
permanecer na disputa”. Também ligou a um programa de TV para dizer que não se
importava com a pressão de “grandes nomes”. “Se alguém acha que eu não deveria
concorrer, concorra contra mim”, afirmou.
A insistência de Biden, a despeito da idade
avançada e do declínio mental evidente, é a explicação mais óbvia para os
democratas não terem produzido outro candidato viável em três anos e meio.
Quando o presidente decide concorrer à reeleição, poucos o contestam. Ainda
assim, a explicação não é justificativa. A omissão democrata e a teimosia de
Biden tornam Trump um favorito difícil de bater em novembro.
O eixo da campanha deixou de ser a torpeza de
Trump, primeiro ex-presidente americano condenado criminalmente e mentiroso
patológico. Se não desistir, Biden continuará a favorecer a oposição. A cada
novo lapso em frente às câmeras, a cada informação ou boato sobre seu estado de
saúde, mais munição dará aos adversários. Uma candidatura democrata mais jovem
e articulada ainda tem chance contra Trump. Mas a decisão precisa ser rápida.
É vital para a segurança unificar ocorrências
e antecedentes criminais
O Globo
Ideia levantada por Lewandowski já está na
lei, mas resistências impedem que tenha sido posta em prática
A ideia de unificar num sistema nacional
boletins de ocorrência e antecedentes criminais é essencial para o
enfrentamento do crime organizado. O acesso a informações de qualidade é vital
para União, estados e municípios conseguirem retirar o país da atual crise de
segurança pública. A proposta de compartilhamento de informações, levantada
pelo ministro da Justiça, Ricardo
Lewandowski, já constava do Sistema Único de Segurança Pública
(Susp), criado em 2018. Agora a ideia é gravá-la na Constituição, como um dos
itens da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança. Como toda
iniciativa, não bastará a aprovação de nova legislação. Será preciso
competência e agilidade para colocá-la em prática.
Apenas um exemplo basta para entender a
necessidade de uma resposta coordenada em escala nacional para enfrentar o
crime. A falta de informações unificadas permitiu que criminosos com
prontuários na polícia e processos da Justiça obtivessem acesso legal a armas e
munições por meio do registro de Colecionador, Atirador e Caçador (CAC).
Bastava obter certidões negativas em outros estados. Com esse expediente, o
próprio comércio passou a ser fornecedor de armas para a criminalidade.
Mas a coordenação de ações entre as forças de
segurança pública a partir de um banco de dados único, compartilhado por todos,
enfrenta resistências políticas, sobretudo entre os governadores, que veem nela
uma redução de poder das respectivas secretarias da Segurança. Trata-se de uma
visão equivocada. Governadores e prefeitos não sofreriam perda. Continuariam no
comando de suas polícias e da Guarda Municipal. A diferença é que o resultado
no combate ao crime ganharia em qualidade.
Pela proposta, estados e municípios
participarão de um conselho que definirá normas e procedimentos nacionais e não
serão alijados da formulação e execução de políticas de segurança. De acordo
com o presidente do Fórum Brasileiro de Segurança (FBSP), Renato Sergio de
Lima, o Congresso só aprovará as medidas da PEC da Segurança se for criado esse
conselho, em que os entes federativos terão pesos iguais.
No Brasil, não há na área da Segurança uma
cultura de compartilhamento de informações e poder entre União, estados e
municípios, embora ela exista em Saúde ou Educação. Isso traz uma vantagem para
o crime organizado — cuja atuação é nacional ou internacional — em relação às
polícias. O início da integração deve se dar pela padronização da informação.
Não faz sentido inexistir um padrão nacional para contar os crimes (alguns
estados só contam homicídios se o corpo for encontrado, outros não). A falta de
padrão prejudica a formulação de ações e políticas de repressão ao crime.
Quanto mais integrados estiverem estados e municípios na segurança pública,
pior para o crime organizado. O inverso também é verdade.
Rivalidades impedem que Mercosul saia do
imobilismo
Valor Econômico
Ao lado da disparidade evidente de políticas econômicas, que tudo dificulta, há interesses partidários de curto prazo que tornam o consenso muito difícil
A reunião de cúpula dos presidentes do
Mercosul começou a fracassar antes de seu início, na segunda-feira, em
Assunção. Javier Milei, presidente da Argentina, a segunda maior economia do
bloco regional, anunciou que não compareceria, por ter outros compromissos, e,
fiel a seu estilo provocador, se fez presente no encontro promovido por
Bolsonaro em Santa Catarina. Antes, voltou a ofender o presidente brasileiro.
Lula exigiu um pedido de desculpas por ter sido chamado de “corrupto” e
“comunista”, que não virá, e os dois principais parceiros da aliança regional
não se falam. A cúpula poderia ter sido salva pela diplomacia, mas não foi. O
Mercosul segue paralisado, mas com novo sócio, a Bolívia.
As relações políticas no bloco mudam
frequentemente, mas a única constância é o imobilismo. Os governos
kirchneristas, que o PT defendeu, não facilitaram progressos na
institucionalidade do bloco. Quando Dilma Rousseff era presidente e Cristina
Kirchner ocupava a Casa Rosada, a principal alavanca do acordo regional, o
comércio, travou pelas barreiras colocadas às vendas brasileiras ao mercado
argentino. Afinidades ideológicas também não adiantaram quando Mauricio Macri
presidia a Argentina e Jair Bolsonaro, o Brasil. O então chanceler brasileiro
Ernesto Araújo estava preocupado com guerras ideológicas planetárias e ignorava
o Mercosul. No primeiro ano de Bolsonaro, o peronista Alberto Fernández ganhou
as eleições e o silêncio voltou a ser o padrão de comportamento normal entre os
chefes de Estado dos dois países.
O impasse atual impediu um comunicado
conjunto substantivo. A principal questão existencial para o Mercosul já fora
levantada antes pelo Uruguai, do conservador Lacalle Pou, e continuou na mesa:
a possibilidade de países fazerem acordos bilaterais com quem quiserem. A
novidade foi a adesão com ênfase da Argentina à proposta. Aceitá-la seria a
destruição da união aduaneira, que pressupõe o fim de barreiras tarifárias
entre os países signatários e uma tarifa externa comum. As pressões para
acordos isolados cresceram à medida que o Mercosul foi incapaz de fazer
qualquer outro relevante em seus 33 anos de existência.
A Argentina, que era o primeiro parceiro
comercial do Brasil, é hoje o terceiro e as exportações para o mercado
argentino declinaram 37,6% no primeiro semestre, diante da recessão no país
vizinho. Milei prometeu acabar com os vários tipos de câmbio e eliminar as
barreiras ao livre comércio, mas ainda não conseguiu isso e nem é certo que
conseguirá. O câmbio paralelo voltou a ampliar a diferença em relação ao
oficial (mais de 50%) e a liberação provocaria novo salto da inflação, que
voltou a subir, ainda que bem menos que antes. Depois de cair de 25,5% em
dezembro a 4,2% em maio, ela aumentou para 4,8% em junho e está em 272,7% no
acumulado em doze meses.
A chanceler argentina reclamou da burocracia
e das regulações do Mercosul, exageradas pelos padrões do novo governo de
Milei. O presidente Lula disse que era preciso liberalização das travas que
hoje amarram o acordo automotivo e o setor de açúcar, mas isso não ocorreu nem
quando tinha aliados em Buenos Aires e as chances de ocorrer agora são mínimas.
Sem diálogo de qualidade, Brasil e Argentina
digladiaram nas questões comuns a guerras culturais. Buenos Aires foi contra a
menção a gênero em documentos oficiais do bloco e à Agenda 2030 da Organização
das Nações Unidas. “Apagar a palavra gênero de documentos só agrava violência
cotidiana sofrida por mulheres e meninas”, declarou Lula.
O presidente brasileiro advertiu, em recado a
Milei, sem citá-lo, sobre a existência de “falsos democratas”, que tentam
“solapar as instituições”, investiu contra as “experiências ultraliberais” nas
quais o país vizinho está embarcando e disse que “não faz sentido recorrer ao
nacionalismo arcaico e isolacionista”, uma crítica que o próprio Brasil recebe
com frequência.
Apesar das escaramuças, e de Milei ter
acusado o presidente Luiz Arce, da Bolívia, país que ingressou formalmente no
bloco na reunião, de ter promovido um “autogolpe”, todos os países do bloco
repudiaram a tentativa de golpe e reafirmaram seus compromissos com as
instituições democráticas. São esses princípios que impediram até agora a volta
da Venezuela ao bloco, suspenso por não respeitar suas cláusulas democráticas e
não realizar eleições verdadeiramente livres e limpas.
Os impasses políticos se sucedem, envoltos em
divergências econômicas e interesses nacionais distintos. O Brasil deveria
liderar o bloco, mas não consegue. Promover a integração regional parece ser
mais uma política de governos que dos Estados. Ao lado da disparidade evidente
de políticas econômicas, que tudo dificulta, há interesses partidários de curto
prazo, que se alternam regularmente com as eleições e que tornam o consenso
muito difícil. Três décadas após um início promissor, o Mercosul dá a impressão
de estar sempre recomeçando do zero. É um sinal de resistência não ter se
dissolvido diante de antagonismos renovados e incessantes. O outro lado da
moeda é uma estagnação constrangedora.
STF tem de preservar a reforma da Previdência
Folha de S. Paulo
Não se vê justificativa para derrubar regras
no regime dos servidores, o que resultaria em custos para toda a sociedade
O Supremo Tribunal Federal está perto de
invalidar dispositivos importantes da reforma da Previdência Social
aprovada em 2019. Interrompido por pedido de vista do ministro Gilmar Mendes,
o julgamento deve ser retomado em breve, com riscos graves para os sistemas de
seguridade que cobrem os servidores públicos.
O custo potencial de 15 ações em análise na
corte (duas ainda não levadas a julgamento) chega a R$ 497,9 bilhões. Tema
particularmente sensível é a contribuição progressiva do funcionalismo, cuja
eliminação traria perdas de R$ 300 bilhões em dez anos —no cálculo de Paulo
Tafner, citado em reportagem do jornal Valor Econômico.
Em relação a esse caso, o placar no STF está
empatado em 5 a 5, e a conclusão depende do voto do ministro Gilmar Mendes.
A controvérsia diz respeito ao dispositivo da
reforma que instituiu alíquotas crescentes, de 7,5%, para remunerações de um
salário mínimo, até 22%, para vencimentos acima de R$ 52 mil.
A norma, cujo princípio é correto e segue a
lógica progressiva do Imposto de Renda, é ainda mais relevante no regime
deficitário dos servidores —cujos benefícios, sobretudo os mais elevados, não
guardam historicamente consistência com as contribuições.
Caso a cobrança seja derrubada, volta a valer
a contribuição linear de 11%, que é insuficiente para custear as aposentadorias
em qualquer análise atuarial séria.
O custo dos rombos em sistemas privilegiados
ante o regime geral do setor privado (RGPS) não pode ser repassado à
coletividade. Não há nada juridicamente errado com a cobrança progressiva nem
se sustenta a premissa de confisco para quem recebe vultosos montantes, não
acessíveis no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)
Outro ponto em julgamento é a possibilidade
de cobrança de contribuição sobre aposentadorias acima de um salário mínimo no
caso de déficit atuarial. Antes da reforma, havia imunidade tributária para
aposentadorias até o teto do RGPS, hoje em R$ 7.786 mensais.
Sobre este tema o STF já tem maioria de 6 a 4
pela inconstitucionalidade, embora os magistrados ainda possam alterar o voto.
Deveriam fazê-lo, pois o argumento de
isonomia com os trabalhadores privados não deveria ser invocado apenas em
partes. Considerando cada sistema em sua integralidade, não há duvida de que o
do funcionalismo é mais favorável.
Além das considerações de equidade, os três
níveis de governo têm as finanças combalidas, e ampliar o
deficit previdenciário traria empecilhos óbvios para a prestação de serviços
públicos essenciais. Que o STF, sem prejuízos para a
legalidade, preserve a coletividade.
O legado de Lattes
Folha de S. Paulo
Centenário celebra brasileiro que foi um dos
pioneiros em pesquisa subatômica
Comemora-se quinta-feira (11) o centenário de
nascimento de Cesare Mansueto Giulio (César) Lattes. Jovens cientistas talvez
só o conheçam por nomear a Plataforma Lattes, onde registram seus currículos,
porém Lattes foi a seu tempo o físico mais admirado do Brasil.
Aos 23 anos, deu a
contribuição à física de partículas que o levou perto de ganhar o prêmio Nobel,
façanha quase impensável hoje em dia.
Em 1947, Lattes conseguiu comprovar
experimentalmente a existência de uma partícula, píon (então batizada como
méson pi), o que ajudou explicar a coesão dos núcleos atômicos. Ele aperfeiçoou
emulsões fotográficas que capturavam traços de raios cósmicos quando expostas
em grandes altitudes.
Os núcleos de átomos contêm nêutrons e
prótons. Estes últimos têm carga elétrica positiva, o que em princípio
implicaria repulsão entre uns e outros, como polos iguais de ímãs, mas eles
ficam confinados no núcleo.
O físico Hideki Yukawa havia formulado em
1934 a hipótese de que prótons e nêutrons se mantinham unidos por força de uma
partícula que chamou de méson.
Com Cecil Powell na Universidade de
Bristol, Reino Unido,
Lattes levou emulsões para o Pic du Midi (2.800 m), na França, e logrou dois
registros da nova partícula. Na montanha boliviana de Chacaltaya (5.500 m),
capturou 30 rastros de mésons e a atenção mundial.
Depois, na Universidade da Califórnia, nos
EUA, tornou-se um dos pioneiros no estudo de componentes subatômicos obtidos
pela colisão de partículas em aceleradores. Ele e Eugene Gardner realizaram as
primeiras detecções de píons produzidos artificialmente.
Os mésons pi motivaram dois Nobel. Em 1949
premiou-se Yukawa pela previsão teórica; em 1950 foi a vez de Powell, pela
detecção experimental. Indicado cinco vezes, o jovem Lattes se viu preterido.
Até hoje se ouvem lamúrias por o que alguns consideram uma injustiça, mal disfarçando o incômodo com o fato de um brasileiro jamais ter recebido um Nobel. Maior e mais justa homenagem se fará ao grande físico, contudo, se for lembrado antes por sua excelência do que pela ausência da láurea.
Um governo em ponto morto
O Estado de S. Paulo
Pressão das montadoras contra veículos
importados da China e proposta de inclusão de carros elétricos no imposto do
pecado refletem contradições de um governo desconexo e protecionista
A Associação Nacional dos Fabricantes de
Veículos Automotores (Anfavea) disse que fábricas de automóveis poderão ser
fechadas ainda neste ano caso o governo não eleve imediatamente as alíquotas de
importação sobre carros elétricos.
A ameaça revela a munição pesada de que o
setor automotivo dispõe para tentar conter o inegável avanço da participação da
China no mercado nacional. De janeiro a maio, as vendas de carros chineses no
País já superaram as registradas em todo o ano de 2023.
O presidente Lula da Silva, como se sabe, não
costuma ignorar os apelos da entidade. E talvez isso explique a razão pela qual
os carros elétricos e híbridos devem ser incluídos no rol de produtos sobre os
quais incidirá o “imposto do pecado”, como é chamado o Imposto Seletivo da
reforma tributária.
A querela evidencia a regência de um governo
desconexo – que, até agora, se mostrou incapaz de definir as bases da transição
energética, que diz ser prioridade, e que atua de forma claudicante na
regulamentação da reforma tributária. Afinal, o mesmo governo que abre o
mercado e comemora a entrada de fabricantes chinesas concede mais incentivos às
montadoras de carros a combustão e tenta proteger a indústria local.
Como bem resumiu, em entrevista ao Estadão,
o representante da chinesa BYD, Alexandre Baldy, ex-ministro do governo de
Michel Temer, “existem vários governos dentro do mesmo governo”. Baldy externou
um diagnóstico certeiro: por vezes, os integrantes do governo parecem caminhar
em direções opostas, sem que o chefe defina a linha mestra.
Com sua ambiguidade, o governo Lula fomenta
de forma perigosa uma situação que pode se tornar insustentável. Chega a ser
irônico que o aviso da Anfavea sobre o risco de fechamento de unidades tenha
sido divulgado poucos dias após a sanção presidencial ao programa Mover, que
dará nada menos que R$ 19,3 bilhões em incentivos fiscais ao setor até 2028.
A concessão de subsídios à indústria
automotiva é prática comum governo após governo, mas a reclamação em relação à
concorrência chinesa só reforça algo que todos já sabem há anos: políticas
protecionistas, por si sós, não são capazes de garantir competitividade à
indústria nacional.
É bom que se diga que a mesma estratégia –
concessão de incentivos – foi usada para atrair ao País as fabricantes chinesas
de carros elétricos e híbridos. Com unidades instaladas no Nordeste e um
cronograma progressivo de alíquotas para o imposto de importação – 10% em
janeiro de 2024, 18% em julho de 2024, 25% em julho de 2025 e 35% em julho de
2026 –, a importação de carros da China, que nunca havia ultrapassado 1% do
mercado, disparou.
Em paralelo, o governo defende a inclusão dos
automóveis no “imposto do pecado”. E o mais curioso é que a proposta surgiu de
onde menos se esperava: o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e
Serviços.
Em tese, o Imposto Seletivo foi idealizado
com o objetivo de sobretaxar bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio
ambiente, mas o fato é que o tributo vem sendo desvirtuado – ora servindo como
um mecanismo extra de aumento de arrecadação, ora de atendimento a lobbies.
No caso dos carros elétricos, que não emitem
poluentes como os com motores de combustão, a alegação encontrada para
sobretaxá-los foi a de que suas baterias representam risco ao meio ambiente. Em
contrapartida, caminhões a diesel estarão livres do alcance do “imposto do
pecado” por ser o transporte de cargas no País essencialmente rodoviário. Para
quem não vê lógica nos argumentos, a resposta é de que não há lógica de fato:
tudo depende do interesse do momento.
Alegando práticas comerciais desleais, o presidente Joe Biden praticamente fechou o mercado dos Estados Unidos aos carros elétricos chineses com uma taxa de importação de 100%. A realidade das relações comerciais entre EUA e China, no entanto, é infinitamente distinta da do Brasil, que tem no país asiático seu principal parceiro comercial. Assim, o governo Lula tenta proteger as montadoras que aqui estão sem afastar as fabricantes chinesas. É o que se conhece por quadratura do círculo.
Contra crime organizado, Estado organizado
O Estado de S. Paulo
Como mostra o Fórum Brasileiro de Segurança
Pública, não faltam mecanismos de repressão ao crime organizado, mas o Estado,
desorganizado, não sabe como utilizá-los
O Brasil tem 3% dos habitantes do planeta,
mas responde por 10% dos homicídios. O Banco Interamericano de Desenvolvimento
estima que o impacto econômico do crime oscila entre 1,8% e 4,2% do PIB só para
o setor privado. Segundo estudo de 2023 da Secretaria Nacional de Políticas
Penais do Ministério da Justiça, há 72 facções, duas delas com atuação
transnacional, o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC).
Nascidas nos presídios, essas facções exploram, além do narcotráfico, crimes
patrimoniais, corrupção de agentes públicos, contrabando, fraudes digitais,
extorsão, lavagem de dinheiro e crimes ambientais, do garimpo à grilagem ao
tráfico de animais silvestres.
O domínio territorial é crucial para essas
atividades. A rota do tráfico para o escoamento da cocaína da Colômbia, Peru e
Bolívia, passando pela Amazônia até os portos do Nordeste, de onde parte para a
Europa e outros continentes, explica a escalada de criminalidade no Norte e no
Nordeste na última geração. Com base em dados da ONU, estima-se que só a
cocaína que passa pelo Brasil gere um faturamento de R$ 335 bilhões, o
equivalente a quase 4% do PIB em 2021. A disputa por territórios é
plausivelmente o fator mais relevante a explicar as ondulações nas taxas de
homicídios no País. O recorde em 2017 não por acaso coincidiu com um confronto
aberto entre o PCC e o CV por rotas e territórios.
São alguns dos dados compilados no mais
recente diagnóstico do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) sobre o
crime organizado no Brasil. O estudo também investiga estratégias de combate
adaptadas à realidade nacional, partindo do tripé consensual da criminalística
no mundo: cooperação internacional, enfraquecimento da capacidade de lavagem de
dinheiro e identificação e responsabilização das cadeias de comando. “O grande
desafio contemporâneo que une governos, poderes e órgãos de Estado, bem como o
setor privado, mídia e sociedade civil, é o de blindar a economia formal da
economia do crime, que cada vez mais acumula poder bélico, político e
financeiro e tenta controlar e determinar os rumos da sociedade brasileira.” O
problema é que essas instâncias estão unidas em tese, porque agredidas por um
inimigo comum. O grande desafio é uni-las na prática, no enfrentamento deste
inimigo.
O Brasil tem 86 corporações policiais e mais
de 1.500 agências municipais, estaduais e federais com poder de polícia e
atribuição de aplicação da lei em matéria de segurança pública. “Não faltam
sistemas de políticas públicas, mecanismos ou sistemas tecnológicos”, constata
o Fórum. “O problema é que eles não seguem uma lógica linear, que articule os
sistemas mais amplos e gerais de políticas públicas, com suas diretrizes e
objetivos, aos sistemas operativos.”
O Fórum propõe ao debate público sete
possibilidades de agendas de curto prazo para atuação do Executivo e do
Legislativo. Uma delas é a criação de um Comitê Interministerial de Combate ao
Crime Organizado para definir um plano de atuação e operações em escala
nacional agregando autoridades estaduais e municipais.
Grande parte do problema é que o combate a
organizações nacionais e transnacionais é feito por órgãos regionais que não
têm acesso a um sistema de dados integrado, o que equivale a combater o crime
às cegas. A fim de organizar e regular a produção, gestão e compartilhamento de
dados, o Fórum sugere que o Congresso aprove a Lei Geral de Proteção de Dados
de Interesse da Segurança Pública. Uma base de dados integrada também permitirá
mensurações e comparações das políticas nas diferentes unidades da Federação,
além da elaboração de diagnósticos sobre a alocação de recursos aos efetivos
policiais e o georreferenciamento de áreas de risco para concentrar a repressão
ostensiva. Fortalecer e ampliar o Conselho de Controle de Atividades
Financeiras (Coaf) é particularmente crucial para rastrear operações
financeiras e coibir a lavagem de dinheiro.
Na raiz de propostas como essas está um
princípio tautológico, que o Brasil ainda precisa concretizar: só se pode
combater eficazmente o crime organizado com um Estado organizado.
O preço do populismo penal
O Estado de S. Paulo
Além de equivocada, a lei que acabou com as
‘saidinhas’ poderá custar R$ 6 bi ao ano
A lei que restringe drasticamente as saídas
temporárias de presos em regime semiaberto, as chamadas “saidinhas”, poderá
custar muito caro ao País. Um relatório do Departamento de Monitoramento e
Fiscalização do Sistema Carcerário, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ),
feito a pedido do Supremo Tribunal Federal (STF), revelou o impacto desastroso
dessa nova legislação, aprovada em abril passado. As novas regras, que
dificultam a progressão do regime de pena dos presos, resultarão em uma fatura
potencial de R$ 6 bilhões ao ano para o País.
O montante foi estimado no documento Impactos
da Lei 14.843 de 2024, que apontou os efeitos da obrigatoriedade de um exame
criminológico para a progressão. Ao longo dos anos, essa exigência havia caído
em desuso, por revisões legislativas e jurisprudenciais. Agora, com a alteração
da Lei de Execução Penal (LEP) pela lei do fim das “saidinhas”, o exame será
cobrado em todos os casos. O resultado disso é um “ônus exorbitante”, segundo o
texto do CNJ.
De acordo com o relatório, a cifra bilionária
decorre do fato de que 283 mil presos deixarão de progredir de regime à espera
de exames por falta de equipes suficientes para realizá-los. Os apenados,
assim, terão de ser mantidos no sistema prisional – o que, obviamente, custa
dinheiro. O tempo adicional nas prisões – que, dominadas por facções, mais
parecem escolas do crime organizado – poderá chegar a 197 dias.
Como 44% das saídas do sistema prisional
decorrem das progressões de penas, faltará espaço nos presídios, com o
crescimento de 176% no déficit de vagas até 2028. Para atender à demanda criada
pela nova legislação, ainda de acordo com o estudo do CNJ, seria necessário um
gasto anual de até R$ 170 milhões, apenas para a composição das equipes. Como
salientou o órgão, trata-se de uma verdadeira “bola de neve”.
Medida adotada pelo Congresso para responder
ao legítimo anseio da sociedade brasileira por mais segurança pública, a lei
que restringiu as “saidinhas” limitou o benefício sob o pretexto de impedir que
apenados pudessem delinquir enquanto estivessem nas ruas para visitar suas
famílias, além de endurecer as regras para a concessão da progressão de pena.
Como este jornal defendeu, se havia imperfeições na política pública, que ela
fosse corrigida, não soterrada.
Além de mostrar o dano financeiro com os
exames criminológicos para a progressão de regime, o relatório do CNJ também
traçou um diagnóstico sobre as restrições às “saidinhas” – autorizadas agora só
para que o preso estude. Nos últimos três anos, apenas 4% dos beneficiados não
voltaram às prisões e, de acordo com o relatório, a limitação dessa política
pública, “sob o argumento de não retorno de grandes contingentes de apenados e
do cometimento de novos crimes, não encontra amparo em evidências”. O documento
concluiu que as “saidinhas” não implicavam “consequência negativa à segurança
pública”.
Já é possível, no entanto, antever os desdobramentos dramáticos do populismo penal: a proibição das “saidinhas” não aumentará a segurança, e o entrave à progressão de regime deixará uma conta muito pesada.
Olhos abertos para a saúde
Correio Braziliense
Hoje é o Dia Mundial da Saúde Ocular, e a boa
notícia é que 90% dos casos de doenças dos olhos são previsíveis e tratáveis
Nem sempre damos muita atenção à saúde dos
olhos. Muitas pessoas somente se lembram disso quando ocorre algum problema.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que
cerca de 6,6 milhões de pessoas têm algum grau de deficiência visual, e um
estudo do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) aponta que a cegueira
acomete mais de 1,5 milhão de pessoas no Brasil.
Hoje é o Dia Mundial da Saúde Ocular, e a boa
notícia é que 90% dos casos de doenças dos olhos são previsíveis e tratáveis.
Mas a má notícia é que grande parte dos brasileiros — e isso é uma
particularidade nossa — não vai ao médico, seja clínico, oftalmologista,
geriatra ou qualquer outra especialidade.
Se problemas como miopia, hipermetropia e
astigmatismo (defeitos refrativos) fossem diagnosticados e tratados
imediatamente, assim como a catarata (que, geralmente, ocorre aos 60 anos), a
retinopatia diabética e o glaucoma, os números acima certamente teriam uma
queda vertiginosa.
De todas as informações que processamos ao
longo da vida, 80% vêm da visão, o que demonstra que a saúde ocular é um bem
equiparado aos órgãos vitais humanos. E não estamos falando apenas de idosos,
mas também de crianças e jovens, que atualmente são expostos, cada vez mais, a
telas de celulares e computadores — e a todos os males decorrentes do uso
excessivo da tecnologia.
O que os oftalmologistas explicam, repetidas
vezes, é que a busca precoce por atendimento funciona como estratégia de
prevenção contra problemas oculares. Além disso, esse diagnóstico interfere, de
forma positiva, na qualidade de vida — e, aqui, cabe falar de questões
como produtividade laboral, desempenho educacional, convivência em família e
até mesmo a redução de quadros de depressão e ansiedade.
A questão é que 34% da população brasileira
adulta, segundo pesquisa do Ibope, com apoio do CBO, nunca foi ao
oftalmologista — o que dirá as crianças. Muitos adultos, inclusive, nem se
lembram de ter ido ao "médico que cuida dos olhos" na infância,
porque nunca foi um hábito ou constava da rotina dos pais antigamente.
Na rede pública, o paciente precisa procurar,
inicialmente, a Unidade Básica de Saúde (UBS) para ser atendido por um clínico
geral. A partir da avaliação médica de um generalista, ele o encaminhará, caso
veja a necessidade, para um oftalmologista. O problema é que as filas são
intermináveis e, muitas vezes, o paciente nem lembra mais que havia solicitado
uma consulta, tamanha a demora para ser atendido.
Enfim, enquanto a consulta não chega e os governos não investem em campanhas amplas sobre cuidados e prevenção, o importante é proteger a visão, reduzindo o tempo de exposição a telas, não coçando os olhos, lavando as mãos antes de colocar lentes de contato ou não expondo-os diretamente aos raios solares. Por enquanto, fiquemos com as estatísticas mundiais divulgadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS): cerca de 1 bilhão de pessoas sofrem com algum tipo de problema de visão que poderia ter sido prevenido ou tratado.
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