quarta-feira, 12 de março de 2025

Revolução Americana e Francesa – As Revoluções Irmãs - Cláudio Carraly

O final do século XVIII testemunhou duas revoluções que marcaram a história em lados opostos do Atlântico: a Revolução Americana e a Revolução Francesa. A conexão entre esses eventos evidencia como ambos foram impulsionados pelo desejo de liberdade, ainda que moldados por contextos distintos. A influência francesa na Revolução Americana foi além do apoio militar e financeiro.

Ideias iluministas de filósofos como Rousseau, Montesquieu e Voltaire cruzaram o oceano, fornecendo bases ideológicas para a revolta das colônias inglesas, esses princípios ressoaram na Declaração de Independência e influenciaram profundamente a Constituição dos Estados Unidos, enfatizando direitos individuais e a limitação do poder governamental. O apoio francês não foi apenas estratégico, mas também simbólico, conectando as duas revoluções em uma luta comum por liberdade. 

Contudo, essa aliança tinha contradições, o absolutismo francês apoiava os revolucionários americanos para enfraquecer o Império Britânico, seu rival histórico, sem perceber que semeava ideias que acabariam por desestabilizar sua própria monarquia. O sucesso da Revolução Americana demonstrou que um governo opressor poderia ser derrubado e substituído por uma república, tornando-se inspiração fundamental para os futuros revolucionários franceses. 

A Constituição dos Estados Unidos serviu de referência para a Revolução Francesa, influenciando seu caminho rumo à liberdade e à igualdade. No entanto, enquanto os americanos focaram na substituição de um governo distante pelo autogoverno, os franceses foram além, desafiando toda a estrutura social. Em 4 de agosto de 1789, aboliram os privilégios feudais e declararam que "os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos". Essa radicalização levou a uma espiral de violência, simbolizada pelo período do Terror, no qual Robespierre justificava a repressão como "o despotismo da liberdade contra a tirania".  Apesar das diferenças, as duas revoluções deixaram legados duradouros: 

Revolução Americana:

1. Modelo de governo democrático: Estabeleceu um sistema de divisão de poderes que influenciou diversas nações. 

2. Declaração de Direitos: Definiu padrões globais para a proteção das liberdades individuais. 

3. Influência internacional: Inspirou movimentos de independência ao redor do mundo. 

Revolução Francesa: 

1. Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão: Base da atual Declaração Universal dos Direitos Humanos. 

2. Abolição do Antigo Regime: Pioneira na consolidação de governos republicanos. 

3. Secularização do Estado: Influenciou a separação entre Igreja e governo em diversas sociedades. 

Entretanto, essas conquistas não foram isentas de contradições, nos Estados Unidos, o ideal de liberdade convivia com a escravização de 700 mil pessoas, questão denunciada pelo filósofo francês Condorcet em seu livro “Reflexões sobre a Escravidão” de 1788. Já na França, a Declaração dos Direitos do Homem omitia mulheres e escravizados, o que levou Olympe de Gouges a escrever a “Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã”, fato que lhe custou a vida na guilhotina. 

Outra diferença marcante foi a abordagem em relação à religião. Nos EUA, a Primeira Emenda garantiu liberdade religiosa sem confrontar diretamente as igrejas, enquanto na França a Constituição Civil do Clero de 1790, confiscou propriedades da Igreja e tornou os padres funcionários do Estado. Essa diferença explica por que o anticlericalismo nunca se enraizou nos EUA, onde interesses religiosos ainda influenciam fortemente a política. 

Apesar das limitações, os impactos dessas revoluções foram imensos, a Declaração dos Direitos do Homem inspirou os movimentos abolicionistas no Haiti e na América Latina, enquanto a Constituição americana serviu de modelo para federações como o Brasil e a Índia. Ambas foram capítulos de um mesmo projeto iluminista, contraditório, inacabado, mas transformador. 

Se a Revolução Americana priorizou a liberdade diante de um governo opressor, a Francesa buscou construir todo um novo modelo de sociedade, e juntas, expuseram um dilema central da modernidade: como conciliar liberdade, igualdade e justiça? Como escreveu Aimé Césaire: *"Nenhuma revolução é inocente"*. O maior legado dessas revoluções é a capacidade de questionar hierarquias e confrontar forças opressoras dominantes. 

Ao transcenderem suas fronteiras, essas revoluções continuam a inspirar a busca por democracia e participação popular, o desafio contemporâneo não é canonizá-las, mas aprender com seus acertos e erros, reconhecendo que a luta por uma sociedade mais justa é um processo contínuo, jamais um destino plenamente alcançado. 

*Advogado, ex-secretário executivo de Direitos Humanos de Pernambuco.

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