Ideias iluministas de filósofos como Rousseau, Montesquieu e Voltaire cruzaram o oceano, fornecendo bases ideológicas para a revolta das colônias inglesas, esses princípios ressoaram na Declaração de Independência e influenciaram profundamente a Constituição dos Estados Unidos, enfatizando direitos individuais e a limitação do poder governamental. O apoio francês não foi apenas estratégico, mas também simbólico, conectando as duas revoluções em uma luta comum por liberdade.
Contudo, essa aliança tinha contradições, o absolutismo francês apoiava os revolucionários americanos para enfraquecer o Império Britânico, seu rival histórico, sem perceber que semeava ideias que acabariam por desestabilizar sua própria monarquia. O sucesso da Revolução Americana demonstrou que um governo opressor poderia ser derrubado e substituído por uma república, tornando-se inspiração fundamental para os futuros revolucionários franceses.
A Constituição dos Estados Unidos serviu de
referência para a Revolução Francesa, influenciando seu caminho rumo à
liberdade e à igualdade. No entanto, enquanto os americanos focaram na
substituição de um governo distante pelo autogoverno, os franceses foram além,
desafiando toda a estrutura social. Em 4 de agosto de 1789, aboliram os
privilégios feudais e declararam que "os homens nascem e permanecem livres
e iguais em direitos". Essa radicalização levou a uma espiral de
violência, simbolizada pelo período do Terror, no qual Robespierre justificava
a repressão como "o despotismo da liberdade contra a tirania". Apesar das diferenças, as duas revoluções
deixaram legados duradouros:
Revolução Americana:
1. Modelo de governo democrático: Estabeleceu
um sistema de divisão de poderes que influenciou diversas nações.
2. Declaração de Direitos: Definiu padrões
globais para a proteção das liberdades individuais.
3. Influência internacional: Inspirou
movimentos de independência ao redor do mundo.
Revolução Francesa:
1. Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão: Base da atual Declaração Universal dos Direitos Humanos.
2. Abolição do Antigo Regime: Pioneira na
consolidação de governos republicanos.
3. Secularização do Estado: Influenciou a separação entre Igreja e governo em diversas sociedades.
Entretanto, essas conquistas não foram isentas de contradições, nos Estados Unidos, o ideal de liberdade convivia com a escravização de 700 mil pessoas, questão denunciada pelo filósofo francês Condorcet em seu livro “Reflexões sobre a Escravidão” de 1788. Já na França, a Declaração dos Direitos do Homem omitia mulheres e escravizados, o que levou Olympe de Gouges a escrever a “Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã”, fato que lhe custou a vida na guilhotina.
Outra diferença marcante foi a abordagem em relação à religião. Nos EUA, a Primeira Emenda garantiu liberdade religiosa sem confrontar diretamente as igrejas, enquanto na França a Constituição Civil do Clero de 1790, confiscou propriedades da Igreja e tornou os padres funcionários do Estado. Essa diferença explica por que o anticlericalismo nunca se enraizou nos EUA, onde interesses religiosos ainda influenciam fortemente a política.
Apesar das limitações, os impactos dessas revoluções foram imensos, a Declaração dos Direitos do Homem inspirou os movimentos abolicionistas no Haiti e na América Latina, enquanto a Constituição americana serviu de modelo para federações como o Brasil e a Índia. Ambas foram capítulos de um mesmo projeto iluminista, contraditório, inacabado, mas transformador.
Se a Revolução Americana priorizou a liberdade diante de um governo opressor, a Francesa buscou construir todo um novo modelo de sociedade, e juntas, expuseram um dilema central da modernidade: como conciliar liberdade, igualdade e justiça? Como escreveu Aimé Césaire: *"Nenhuma revolução é inocente"*. O maior legado dessas revoluções é a capacidade de questionar hierarquias e confrontar forças opressoras dominantes.
Ao transcenderem suas fronteiras, essas revoluções continuam a inspirar a busca por democracia e participação popular, o desafio contemporâneo não é canonizá-las, mas aprender com seus acertos e erros, reconhecendo que a luta por uma sociedade mais justa é um processo contínuo, jamais um destino plenamente alcançado.
*Advogado, ex-secretário executivo de Direitos Humanos de Pernambuco.
Nenhum comentário:
Postar um comentário