Folha de S. Paulo
Seu modo de agir une o estilo do empresário
impiedoso e brutal ao do rufião escolar
O estilo de Donald Trump combina
dois modelos bem conhecidos: o do empresário impiedoso, brutal até, que ele
incorporou nos negócios e encenou no reality show O Aprendiz, e o do rufião
escolar, o "bully" que lidera gangues e vive de intimidação.
A diferença entre o negociador implacável, de
que Trump tanto se orgulha, e o autocrata que subjuga os mais fracos, dentro e
fora de seu país, é mais de escala do que de essência. No poder, ele resolveu
eliminar a distinção.
O Salão Oval da Casa Branca virou o corredor da escola em que Trump e Vance cercaram Zelenski e o submeteram a uma sessão pública de assédio, violência e humilhação. Houve dedo na cara, várias acusações (desrespeito, ingratidão, roupa inapropriada), insultos e aquela sensação de que tudo o que queriam era provar que eram machos e que mandavam no pedaço.
Foi deplorável? Sem dúvida. A reação, em toda
parte, foi extremamente negativa e certamente produzirá consequências globais,
como a nova onda de rearmamento, que voltou ao discurso e aos orçamentos
públicos europeus. O fato, porém, é que Trump entrou em campo, no seu segundo
mandato, apostando ainda mais alto no estilo valentão.
A abordagem transacional na diplomacia,
refletindo um estilo duro, centrado em ganhos unilaterais, sem escrúpulos
quanto ao uso de pressões e ameaças para extrair concessões e exibir poder, é
apenas uma parte desse conjunto de atitudes. Ataques pessoais a críticos e
oponentes, incentivo à punição, desumanização de grupos específicos e uso
inescrupuloso do Estado para calar adversários —nenhum recurso é considerado
fora do alcance do presidente americano e sua turma.
Constatado o fato, devo dizer que é um erro
de análise focar excessivamente em quem exerce dessa forma o poder político sem
considerar aqueles que o elegeram justamente para fazer o que faz. Trump sabia
que estava fazendo uma exibição e para quem se exibia. As câmeras, diante das
quais foi encenado o espetáculo de humilhação de Zelenski, não estavam no Salão
Oval, naquele preciso momento, por acaso. Nem seria razoável imaginar que Trump
não soubesse para qual público representava seu papel, que emoções desejava
suscitar e quais convicções pretendia reforçar com aquele show.
O apelo do nacionalismo etnocêntrico e do
"cada um por si" encontra terreno fértil na demografia dos eleitores
trumpistas e de sua base de apoio. Estudos mostram que os eleitores atraídos
por Trump pontuam alto em escalas de autoritarismo, uma predisposição a
valorizar ordem, obediência a líderes fortes e punição de desvios.
Entre seus apoiadores, é muito comum a
tolerância a transgressões "para pôr o país em ordem", aceitando que
o líder viole "algumas regras" para recolocar as coisas no eixo. O
medo e a percepção de ameaças relacionadas a terrorismo, criminalidade e
imigração fazem parte dessa equação. Igualmente importante é a sensação de
ameaça ao status do próprio grupo (brancos, cristãos, conservadores,
nacionais), que conduz ao apoio ao famigerado Maga.
Uma parcela importante do seu eleitorado
costuma ver a sociedade como uma competição entre vencedores e perdedores,
desejando que seu grupo esteja no topo. Também têm apreço por hierarquias
tradicionais e cultivam uma mentalidade de cerco —o sentimento de ameaça
externa ao modo de vida americano e a necessidade de defesa contra isso.
Quem percebe o mundo dessa forma tende a ser
etnocêntrico, valorizar a conformidade, punir dissidentes, nutrir hostilidade
ou desprezo por grupos "de fora" e admirar líderes que não hesitem em
fazer o que for preciso.
Some-se a isso o ressentimento e a
indignação. Essas pessoas compartilham a sensação de terem sido enganadas ou
deixadas para trás —seja pelas elites "globalistas", seja por
políticas que favorecem minorias à custa do cidadão "comum".
A oposição à imigração e ao auxílio a países
estrangeiros e o apoio a políticas bélicas nacionalistas ou ao enfrentamento
agressivo ao que for considerado doutrinação progressista alimentam-se dessa
atitude.
Nem todo eleitor de Trump é assim, e as
nuances, como sempre, importam. Conservadores tradicionais, republicanos fiéis
ao partido, pessoas cansadas da ortodoxia progressista podem não compartilhar
integralmente do etos radical, mas votaram por cálculo político.
Para esses eleitores, Trump encenará outros
números circenses; no momento, está ocupado representando o papel do homem
forte, inclemente, impávido e sem o menor escrúpulo no cumprimento da missão
que lhe foi dada. Por enquanto, ai de quem ficar no seu caminho.
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