quarta-feira, 12 de março de 2025

Um mau aperitivo de 2026 – Elio Gaspari

O Globo

Com um ano de antecedência, a escolha dos presidentes de comissões da Câmara mostra que o ano eleitoral de 2026 arrisca ser sangrento, com canibais correndo atrás de antropófagos.

O deputado Eduardo Bolsonaro quer presidir a Comissão de Relações Exteriores da Câmara, e o PT pediu que o ministro Alexandre de Moraes apreenda seu passaporte.

Eduardo Bolsonaro tem todo o direito de pleitear a presidência da comissão, e o PL, seu partido, pode indicá-lo. Ele não é um parlamentar qualquer. Alinhou-se como militante da causa do presidente americano Donald Trump, que ameaça impor tarifas protecionistas contra o Brasil. Uma das marcas dos Bolsonaros é a opção preferencial por posições irracionais.

Vale lembrar que, se o pai de Eduardo não tivesse hostilizado as vacinas contra a Covid-19, talvez estivesse hoje no Palácio do Planalto. Em novembro de 2020, quando já haviam morrido mais de 160 mil pessoas, ele disse:

— Tudo agora é pandemia. Tem que acabar com esse negócio. Lamento os mortos, todos nós vamos morrer um dia. (...) Tem que deixar de ser um país de maricas.

O trumpismo do deputado levou o PT a pedir a Moraes que apreenda seu passaporte. É difícil que a medida venha a ser efetivada, mas o clima de gafieira está soprado. A repórter Naira Trindade ouviu de um deputado do PL:

— Se Alexandre de Moraes tirar o passaporte dele, aí é que vamos colocá-lo mesmo no comando da Comissão de Relações Exteriores. Só de pirraça.

De pirraça em pirraça, quem sai perdendo é o Congresso. A deputada Bia Kicis já presidiu a Comissão de Constituição e Justiça sem provocar maiores transtornos.

A presidência das comissões é preenchida a partir de critérios de proporcionalidade e, como o PL tem a maior bancada, tem direito a ser o primeiro a indicar seus nomes. Essa construção faz parte de um acordo de cavalheiros, para manter um clima de cordialidade no plenário.

No dia 7 de abril de 1964, com João Goulart deposto, o deputado Francisco Julião, patrono das Ligas Camponesas, estava em Brasília, com a cabeça a prêmio. Escapuliu escondido no carro de seu colega Adauto Lúcio Cardoso, um adversário conservador que nada tinha a ganhar ao protegê-lo. Dois dias depois, Julião foi cassado. A Câmara de 1964 tinha gentis-homens.

Quando se fala em acordos de cavalheiros, ressurge a cena do ator mexicano Cantinflas, começando uma partida de dominó com amigos:

— Senhores, vamos jogar como cavalheiros ou como o que somos.

Tratando da encrenca, o deputado Lindbergh Farias, líder do PT na Câmara, disse que “nós fizemos esse movimento mesmo [pedir a apreensão do passaporte de Eduardo Bolsonaro] para evitá-lo na Comissão de Relações Exteriores. Aceitamos qualquer nome, menos o dele. O dele só se for sem passaporte”.

Pirraça pura.

Eduardo Bolsonaro não precisa da Comissão de Relações Exteriores para lustrar sua militância trumpista, nem o PL precisa ir tão longe. Da mesma forma, o PT não precisava pedir ao Judiciário o confisco do passaporte de um parlamentar no exercício de seu mandato. Se a pirraça fosse boa política, Adauto não ofereceria seu carro a Francisco Julião.

O deputado Hugo Motta chegou à presidência da Câmara a partir de uma convergência construída longe da influência de pirracentos.

 

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