Será erro usar fundo do pré-sal para baixar conta de luz
O Globo
Sugestão de ministro é insensata. Em vez
disso, governo deveria agir para cortar subsídios sem sentido
É insensatez a proposta do ministro de Minas
e Energia, Alexandre
Silveira, de usar recursos do Fundo Social do Pré-Sal para
cobrir parte dos subsídios embutidos na tarifa de energia e reduzir a conta de
luz. Caso a ideia seja aprovada, agravará as distorções no setor elétrico, onde
lobbies em busca de regalias costumam obter alta taxa de sucesso. Se estiver
mesmo interessado em reduzir a conta de luz, como declarou em entrevista ao
GLOBO, Silveira precisa combater subsídios sem sentido. São eles a causa do
problema.
Quando o incentivo a usinas eólicas e solares foi concebido, era incerto se elas seriam competitivas. Para estimular a entrada de capital privado, era preciso uma contrapartida do governo aos riscos assumidos pelos investidores. Por isso foram criados subsídios. Hoje as dúvidas desapareceram. As fontes renováveis são lucrativas, sinal de que a política pública cumpriu seu papel. O que aconteceu com os subsídios? Permanecem. Eólicas e solares são beneficiadas com mais de R$ 9 bilhões por ano. O corte de R$ 6 bilhões nesse incentivo que perdeu razão de ser resultaria em redução da conta de luz da ordem de 3%, segundo cálculos de Edvaldo Santana, ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
A previsão para este ano é que o governo
gaste R$ 13 bilhões para financiar combustíveis fósseis usados para gerar
eletricidade na Amazônia. Faz sentido não penalizar os consumidores excluídos
do Sistema Interligado Nacional, subsidiando a queima de gás e óleo. O
inexplicável é Manaus gastar 75% dos recursos. Desde 2012, um linhão une a
capital do Amazonas à rede nacional, permitindo intercâmbio de eletricidade. É
certo que a conexão não tem capacidade de transmitir toda a energia necessária,
mas o atual nível de produção das termoelétricas (e dos subsídios) está muito
além do razoável. Boa parte dos incentivos destinados a Manaus serve apenas
para enriquecer fornecedores de combustíveis fósseis e seus defensores. Além de
diminuir as emissões de CO2, cortes reduziriam o custo da eletricidade de
todos.
A Amazônia e os produtores de energia solar e
eólica respondem por mais da metade da Conta de Desenvolvimento Energético
(CDE), que reúne todos os subsídios do setor. São esses os pontos prioritários
para qualquer tentativa séria e duradoura de reduzir a despesa com energia.
Além de consertar esses erros do passado, é urgente evitar novos equívocos.
Deveria ser mais vocal a atuação de Silveira para evitar a derrubada aos vetos
do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à lei que regulamenta a energia eólica
em alto- mar. Com razão, Lula barrou artigos alheios à proposta original, ou
“jabutis”, com absurdos como prorrogação de geração de energia a carvão e
contratação compulsória de térmicas a gás. No total, a derrubada dos vetos
resultaria em aumento de 9% nas tarifas.
Em 2024, o custo da energia elétrica
residencial caiu 0,37%. A razão foi conjuntural, resultado da devolução aos
consumidores de tributos cobrados a mais em anos anteriores. A previsão para
2025 é de alta. Como as chuvas estão abaixo da média desde fevereiro, o nível
dos reservatórios das hidrelétricas merece atenção. Chuvas fora do comum nas
estações secas podem mudar o quadro, mas o mais provável é a eletricidade
encarecer com bandeiras amarela e vermelha. Tal perspectiva não pode servir de
desculpa para o governo privilegiar saídas populistas. É preciso combater as
causas do problema.
Alta nos acidentes com moto no Rio demanda
mais ação da Prefeitura
O Globo
A cada 25 minutos, uma ocorrência no trânsito
com motociclista exige atendimento médico na cidade
É preocupante a escalada de acidentes
de trânsito na
cidade do Rio — de 2023 para 2024, eles saltaram 18%, para mais de 27 mil, de
acordo com estatísticas obtidas pelo GLOBO por meio da Lei de Acesso à
Informação. Mais preocupante ainda foi o salto nos acidentes com motocicletas:
24%, para quase 21 mil. De cada quatro ocorrências atendidas pelo Corpo de
Bombeiros na capital fluminense, mais de três (77%) envolveram motociclistas. A
cada 25 minutos ocorre na cidade uma colisão ou queda de motociclista que
demanda atendimento médico.
O número expressivo chama a atenção porque as
motos representam apenas 16% da frota que circula no município. A rotina de
acidentes tem impacto nos hospitais da rede pública. Em 2024, a secretaria
municipal de Saúde do Rio prestou 19 mil atendimentos a vítimas de acidentes
com motos, aumento de 32% em relação ao ano anterior. Quando não provocam
morte, as ocorrências costumam causar lesões graves, que demandam cuidados
intensivos e tempo de internação, ou então deixar sequelas que exigem longos
tratamentos de reabilitação.
Ferimentos e mortes são resultado de
características intrínsecas às motos (como maior exposição), mas também do modo
imprudente como motociclistas trafegam no trânsito caótico. De 2,75 milhões de
multas aplicadas no ano passado na cidade do Rio, 424 mil foram para
motociclistas, de acordo com o Detran-RJ. A mais comum: trafegar em velocidade
acima da permitida. A situação tende a se agravar, pois as motos em circulação
têm aumentado, como resultado dos serviços de entrega e dos mototáxis. Em 2024
havia 550.400 na cidade, 70% mais que dez anos atrás — ante aumento de 21% na
frota total de veículos no período.
Na tentativa de reduzir acidentes, em agosto
passado a Prefeitura do Rio implantou uma faixa azul preferencial para motos na
Autoestrada Lagoa-Barra, seguindo modelo bem-sucedido adotado em São Paulo.
Posteriormente, criou também uma motofaixa na Avenida Rei Pelé, no Maracanã.
Embora bem-vindas, são medidas ainda experimentais, insuficientes para ter
impacto significativo.
A Prefeitura, responsável pelo planejamento e
pela fiscalização do trânsito, precisa se debruçar sobre o problema.
Compreende-se que a moto representa um transporte rápido e econômico para
alguns e importante fonte de renda para tantos outros. Mas é preciso agir. São
vidas perdidas, jovens incapacitados, hospitais sobrecarregados. É fundamental
mapear as vias e áreas onde acontece maior número de acidentes, pesquisar as
principais causas, ouvir empresas de entrega e mototáxi, avaliar se as
velocidades estão adequadas e, claro, fiscalizar se as regras de trânsito são
cumpridas.
Nas últimas décadas, governos conseguiram
reduzir a violência no trânsito das metrópoles por meio de fiscalização
eletrônica e videomonitoramento. Tais medidas não parecem ser suficientes para
conter os acidentes de moto. É preciso buscar outras soluções. Não dá para
ficar inerte diante da calamidade.
Corrida às armas pode ter efeito na economia
europeia
Valor Econômico
Reviravolta provocada por Trump entre os líderes europeus forçará um aperto dos laços políticos e econômicos entre as principais economias da região, soltos desde a grande crise financeira de 2008
O mundo iniciou uma nova corrida
armamentista, reminiscente da Guerra Fria, depois que o novo presidente dos
Estados Unidos, Donald Trump, deu as costas à Europa e tomou o lado da Rússia
no conflito na Ucrânia, interrompendo o principal apoio militar na Otan contra
a guerra de conquista de Vladimir Putin. Em seu primeiro mandato, Trump ralhou
com os líderes europeus, exigindo deles maior compromisso financeiro na
sustentação da aliança militar. No segundo, mostrou supremo desdém por ela, o
que provocou medo e ódio, em primeiro lugar, e depois reação vigorosa das
potências europeias. “Os EUA se tornaram amplamente indiferentes ao destino da
Europa”, disse o alemão Friedrich Merz, mal fechadas as urnas que lhe deram a
vitória contra extremistas da AfD, cuja campanha contou com a participação do
bilionário Elon Musk e o apoio político do próprio Trump.
O esforço bélico poderá ter o efeito de
retirar a zona do euro da estagnação em que se encontra, em especial o motor da
economia europeia, a Alemanha, que flerta com a recessão há dois anos. Os EUA
finalmente saíram da Grande Depressão, iniciada nos anos 1930, com o esforço
armamentista da Segunda Guerra Mundial, por exemplo. Após a vexaminosa pressão
de Trump e seu vice, J, D. Vance, sobre o presidente ucraniano, Volodymyr
Zelensky, na Casa Branca, a União Europeia começou a preparar um plano de € 800
bilhões para reerguer sua indústria de defesa e a infraestrutura europeia. A
estimativa inicial é que ao menos € 100 bilhões serão destinados à produção de
armamentos.
A Alemanha tomou passos mais ousados antes
mesmo de Merz tomar posse. Sob sua coordenação, o país, um baluarte fiscalista
contra os “gastadores” do resto da Europa, derrubou a legislação que limitava
gastos fiscais extras a 0,3% do PIB para o governo central e regionais. O país
é também o que mais gasta com armas, US$ 86 bilhões, o quarto maior orçamento
do setor, atrás do líder Estados Unidos (US$ 968 bilhões), China (US$ 235
bilhões) e Rússia (US$ 146 bilhões), segundo dados do Instituto Internacional
de Estudos Estratégicos.
A reviravolta provocada por Trump entre os
líderes europeus forçará um aperto dos laços políticos e econômicos entre as
principais economias da região, soltos desde a grande crise financeira de 2008.
A União Europeia tem moeda e política monetária comuns, mas não mecanismos de
ajuda financeira garantidos pela autoridade central. O pacote de investimentos
pode ser um primeiro passo para lançamento de um título comum europeu para
financiar o esforço bélico, o que, apesar das circunstâncias, facilitaria futura
coordenação de resgates em casos de eventuais crises.
A UE deu o sinal de que afrouxará o limite
para os déficits orçamentários no bloco monetário, que voltou a ser de 3% do
PIB, assim como o fará a Alemanha. O déficit dos 17 países da UE é hoje de
3,2%, com a Alemanha abaixo disso (1,68% do PIB) e a França, acima (5,92%). O
ponto de partida é importante porque todos os governos estão muito mais
endividados que antes, após a crise financeira e os gastos com a pandemia. A
dívida líquida da UE é de 68,8% do PIB, pouco maior que a do Brasil, e muito
inferior à dos Estados Unidos, que se endivida para produzir o maior arsenal de
armamentos do mundo (101,7% do PIB). Além disso, há espaço para os europeus
gastarem mais, porque os juros estão mais baixos que nos EUA e voltaram para
bem perto do zero (2,5% para inflação de 2,4%). A política agressiva de Trump
tende também a reaproximar o Reino Unido da União Europeia, melhorando um
relacionamento frio que se consolidou a partir do Brexit.
O anúncio de construção da independência
militar dos EUA levou à euforia as bolsas europeias, cuja valorização chegou a
ultrapassar as americanas, antes da debacle de segunda-feira. Há dificuldades
políticas para a consecução dos planos da zona do euro. A relutância em ceder
poderes aos organismos supranacionais é uma constante desde a criação da união
monetária. Mais importante, as duas principais potências do continente, França
e Alemanha, têm lideranças enfraquecidas pelo avanço da extrema direita e da esquerda,
caso mais evidente de Emmanuel Macron. A direita tem feito avanços na Europa e
não é um risco negligenciável o fato de que, enquanto se tornam mais poderosos
militarmente, o poder político desses países possa passar às mãos dos
extremistas. Esses movimentos de direita na Europa, em boa parte, têm simpatia
por Putin.
As tarifas de Trump tendem a aumentar custos,
trazendo mais inflação, seja ao desestruturar cadeias de produção, seja ao
proteger produtores ineficientes. Esforços bélicos comumente estão associados a
mais inflação. A guerra do Vietnã conviveu com um dos picos de preços nos EUA
nos anos 70. A inflação na Rússia saltou de 8,73% em fevereiro de 2022, quando
invadiu a Ucrânia, para 17,6% em abril.
Com Estados endividados, a inflação subirá o
preço de financiar os investimentos, pois os juros tendem a subir. A era das
taxas perto de zero ficou para trás, para azar do Brasil, que não tem contas
públicas em ordem. E, pior para todos os países, o mundo se tornou mais
perigoso.
Avanço da publicidade sob Lula requer
vigilância
Folha de S. Paulo
Contratos podem chegar a R$ 3,5 bi, um salto
ante 2022; obsessão por popularidade agrava riscos de mau uso das verbas
É preocupante o avanço da publicidade estatal
sob Luiz Inácio Lula da
Silva (PT).
Conforme este jornal noticiou, os contratos dessa modalidade por parte do
governo federal e de empresas controladas pelo Tesouro Nacional podem
alcançar R$ 3,5 bilhões neste ano.
Trata-se de aumento substancial em relação
aos R$ 2,5 bilhões, em valores corrigidos, do final da gestão Jair
Bolsonaro (PL),
em 2022 —um ano de eleições presidenciais.
Mesmo que os valores previstos agora não sejam integralmente desembolsados,
como costuma acontecer, é difícil imaginar bons motivos gerenciais para
tamanhas pretensões.
Na publicidade oficial, com frequência se
confundem as finalidades de interesse público com a propaganda eleitoreira e a
seleção de veículos a partir de interesses políticos ou negociais. Ninguém
questionará a necessidade de divulgar campanhas de vacinação, por exemplo; os
limites ficam turvos, entretanto, quando se promovem programas que serão
bandeiras de campanha.
Agrava o quadro o mau momento de Lula —que
fez de seu marqueteiro o ministro da Comunicação Social e tornou
prioridade reverter
suas taxas de reprovação nas pesquisas.
Não é de hoje que a disputa em torno da farta
publicidade federal leva à alocação duvidosa de dinheiro público. Em 2020, o
Tribunal de Contas da União julgou que faltavam critérios técnicos para
distribuição de verbas entre emissoras de TV sob Bolsonaro. Desde as primeiras
gestões petistas, veículos simpáticos à esquerda recebem montantes que minguam
em outros governos.
Pior, as estatais, que respondem pela grande
maioria dos recursos, não seguem a prática de divulgação regular e detalhada
dos beneficiários. Em 2014, a Folha e o jornalista Fernando
Rodrigues, então no UOL, recorreram à Justiça para obter dados completos sobre
os gastos nessa rubrica de 2000 a 2013 —e constatou-se um salto de 65% acima da
inflação no período.
A legislação atual estabelece, ao menos,
limites para o gasto publicitário nas empresas, definidos como percentuais da
receita. Não é o bastante, de todo modo, para dissipar questionamentos em torno
de licitações como a de R$ 380 milhões ora aberta pelos Correios, retirados
pelo governo Lula do programa de privatização e acumulando prejuízos vultosos
nos últimos dois anos.
Quanto às campanhas conduzidas pelo Planalto,
o TCU apontou
em outubro que há falta de indicadores e metas para avaliar resultados e
deficiências na divulgação dos dados, determinando providências em até 180 dias
para aprimorar o processo.
É o mínimo. A publicidade oficial deve ser
encarada não como dádiva ao governante de turno para distorcer a competição
política, mas como política pública que precisa atender a requisitos de
interesse social, eficiência e transparência. A perspectiva de expansão
desmesurada dessa despesa requer vigilância extra.
Tribunal internacional age contra terror nas
Filipinas
Folha de S. Paulo
Acusado de crimes contra a humanidade,
Duterte é preso por ordem da Corte de Haia; caso é alerta a líderes
autoritários
Nesta terça (11), o ex-presidente das Filipinas, Rodrigo
Duterte, foi detido na capital do país, Manila, com
base num mandado do Tribunal Penal Internacional (TPI).
Não
é primeira ordem de prisão da corte contra um chefe de Estado —o
russo Vladimir
Putin e o isralense Binyamin
Netanyahu são os mais recentes na lista. É digno de nota, porém, o
curto período de tempo entre a decisão, emitida na sexta (7), e a detenção.
O episódio mostra força do tribunal,
geralmente criticado por ineficácia, e se insere no contexto dos atritos entre
o atual presidente filipino, Ferdinand Marcos Jr., e Sara Duterte,
vice-presidente e filha do ex-mandatário ora preso. A disputa política doméstica
facilitou a ação do TPI.
De todo modo, as acusações são graves e
merecem escrutínio internacional, dado que a Justiça filipina não avançou nas
investigações contra Duterte, que governou o país entre 2016 e 2022.
O ex-mandatário teria
liderado o Esquadrão da Morte de Davao, um grupo de extermínio que, aliado
à polícia local, causou terror em operações antidrogas que resultaram na morte
de mais de 6.000 pessoas —número considerado subestimado por grupos de defesa
de direitos humanos.
No comando das forças de segurança no
arquipélago, usou abertamente o tom sanguinário. É acusado de ser responsável
por ao menos 43 homicídios entre 2011 e 2019, incluindo o período em que foi
prefeito de Davao.
Duterte alega que a prisão é ilegal porque as
Filipinas se retiraram do Estatuto de Roma, tratado que rege o TPI, em 2018. O
argumento, contudo, não procede porque a corte pode investigar fatos ocorridos
quando o país ainda aceitava sua jurisdição
Os atos do ex-presidente foram enquadrados
como crimes contra a humanidade. Um ataque generalizado e sistemático à
população civil, segundo a definição estabelecida no estatuto do TPI.
Seis das 11 condenações já proferidas pelo
tribunal, desde sua criação em 2002, entraram nessa tipificação, com foco
especial em nações africanas, como República
Democrática do Congo, Mali e Uganda. Duterte
é o primeiro ex-chefe de Estado asiático a ser detido por ordem da corte.
O caso expõe a falência da política de drogas baseada
no uso de força letal. O alvo no geral são os mais pobres que, muitas vezes,
não têm vínculo com o narcotráfico e, se tivessem, deveriam ser tratados no
rigor da lei, não assassinados sem julgamento.
Ademais, a prisão de Duterte é um alerta a outros líderes mundiais que se consideram fora do alcance da lei internacional.
A crise do PT interessa ao Brasil
O Estado de S. Paulo
A disputa envolvendo a presidência do PT
importa não só aos petistas e à esquerda: a transição do partido de Lula
indicará o rumo do governo e, por consequência, do País
O Brasil não passará incólume à profunda
crise que abate o PT. A fissura da legenda, levada ao paroxismo no conflito
aberto entre os morubixabas que integram a sua principal corrente, envolve a
sucessão de Gleisi Hoffmann na presidência do partido, posto que ela ocupava
desde 2017. Não está em jogo, porém, apenas a escolha de um nome para presidir
o partido – se fosse só isso, não teria a menor importância. Quem suceder a
Gleisi, contudo, também dirá muito sobre a bússola que orientará o futuro
imediato do partido do presidente Lula da Silva. É nessa condição que é preciso
reconhecer: o que acontece hoje no PT interessa muito ao restante do País,
porque os rumos do partido decerto afetarão os rumos do governo Lula.
Nesses oito anos, coube a Gleisi não só
liderar o partido durante o calvário enfrentado por petistas ante a Lava Jato,
o impeachment de Dilma Rousseff e a prisão do presidente Lula da Silva. Ela
também esteve no epicentro de alguns dos principais conflitos envolvendo o PT,
contribuindo enormemente não para a pacificação e a reconstrução de um país
fraturado, e sim para a continuidade da polarização. Ela foi uma defensora
incansável de posições radicalmente opostas ao que se esperava para um governo
de frente ampla. Com seus ataques à política econômica, muitos dos quais em
golpes abaixo da cintura do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, Gleisi fez do
PT um caso único no mundo: o partido do presidente e líder da coalizão
governista é aquele que primeiro e mais enfaticamente se opõe a iniciativas do
próprio governo – uma oposição a si mesmo.
Agora ministra, Gleisi se opõe duramente a
outro petista, até aqui tido como favorito para lhe suceder: Edinho Silva,
ex-ministro e ex-prefeito de Araraquara. Conhecido como um político moderado e
conciliador, além de próximo a Haddad e ao presidente do Banco Central, Gabriel
Galípolo, ele tem protagonizado o que poderia ser impensável até pouco tempo
atrás: um petista que admite problemas e fragilidades do seu partido e
abertamente defende mudança de rumos na legenda.
Como se sabe, petistas costumam viver numa
espécie de metaverso, uma realidade própria na qual convivem a convicção das
próprias virtudes, a transferência para terceiros de culpas e fracassos que
deveriam ser creditados a si mesmos e a mitificação exacerbada dos poderes
supostamente sobrenaturais de seu maior líder. Edinho Silva ainda padece do
pecado da santificação de Lula, mas ao menos vem apontando o óbvio: o País (e,
claro, o seu partido) precisa sair da armadilha da polarização e da
radicalização. Não é exagero, portanto, enxergá-lo como a grande chance de um
imprescindível aggiornamento do PT e, por consequência, da
esquerda tradicional brasileira.
Mas o ex-prefeito vem sendo sabotado – e sob
as barbas de Lula, que até aqui demonstrou apoio a Edinho Silva. Conflitos
internos são comuns a partidos, e especialmente ao PT, onde há 45 anos convivem
infinitas correntes que se digladiam na disputa pelo poder. Mas desta vez o
conflito ganhou contornos de guerrilha. A combustão petista atingiu o auge no
vazamento de uma reunião na casa de Gleisi, na qual Lula foi chamado a ouvir
sobre a resistência de dirigentes ao nome de Edinho Silva. O grupo de Gleisi apresentou
nomes alternativos: o deputado José Guimarães (CE), o ex-ministro José Dirceu
(SP), o senador Humberto Costa (PE) e Paulo Okamotto, diretor do Instituto
Lula.
Não é preciso pensar muito para reconhecer
que tais nomes estão aquém dos desafios do partido, além de simbolizarem tudo o
que a maioria dos brasileiros não deseja hoje: um PT (e o governo Lula, por
consequência) mais radical e mais à esquerda. Mas o problema, ao que consta,
não se resume à divergência de ideias e destino do partido. A tesouraria
petista, hoje nas mãos de uma aliada de Gleisi, é um dos pomos da discórdia.
Nem Gleisi nem Edinho abrem mão do controle do cargo, responsável pela gestão
dos milionários recursos do fundo eleitoral – no ano passado, o PT recebeu
quase R$ 620 milhões.
Nessa disputa por poder e dinheiro, não se
sabe se o PT finalmente se atualizará e fará o governo Lula mudar de rumo, ou
se permanecerá atrelado ao populismo arcaico do demiurgo petista, que se julga
intérprete de um povo que não existe mais.
Mercados precificam o risco Trump
O Estado de S. Paulo
Diante da tranquilidade com que Trump aventou
a possibilidade de uma recessão nos EUA, investidores desistem de encontrar
lógica nas bravatas do republicano e protegem seus ativos
investidores finalmente começaram a levar a
sério as ações intempestivas e irracionais adotadas pelos EUA desde a posse do
presidente Donald Trump. Na segunda-feira passada, os mercados viveram um dia
de caos. As bolsas de valores despencaram, o índice de tecnologia Nasdaq recuou
4%, no pior pregão desde setembro de 2022, e as big techs perderam mais de US$
750 bilhões em valor de mercado.
O pessimismo é resultado das bravatas de
Trump, que, no dia anterior, em entrevista à Fox News, não descartou a
possibilidade de que a economia norte-americana entre em recessão neste ano e
menosprezou o risco de que a guerra tarifária que tem empreendido com países do
mundo todo impulsione a inflação.
“Detesto prever coisas como essas. Há um
período de transição, porque o que estamos fazendo é muito grande. Estamos
trazendo a riqueza de volta para a América. Isso é uma grande coisa, e sempre
há períodos, isso leva um pouco de tempo, mas acho que será ótimo para nós”,
afirmou Trump.
Com a declaração, cresceram as apostas de que
a economia norte-americana de fato vai entrar em crise. O Goldman Sachs elevou
de 15% para 20% a chance de uma recessão nos EUA no ano que vem, enquanto o
JPMorgan Chase já considera que a possibilidade de uma recessão global é de 40%
neste ano. Nos dois casos, as instituições mencionaram as mudanças na política
externa norte-americana para justificar o pessimismo.
Mais do que as tarifas aplicadas contra
Canadá, México e China, os analistas estão preocupados com a incerteza gerada
pelas idas e vindas em torno delas, explicou o diretor de investimentos do
Bahnsen Group, David Bahnsen. Ademais, recessão e inflação não estavam na lista
de promessas que Trump fez quando ainda estava em campanha eleitoral.
Com tanta imprevisibilidade, o mercado cansou
de esperar e optou por precificá-la, punindo, sobretudo, os papéis das big
techs. A Tesla, por exemplo, caiu 15,43%, refletindo vendas menores que o
esperado e o controverso papel que seu CEO, Elon Musk, tem exercido no governo
Trump. Apple, Nvidia, Meta e Alphabet também sofreram quedas relevantes e
arrastaram consigo, além da Nasdaq 100, os índices Dow Jones e S&P 500.
Já há alguns sinais de desaceleração na
economia norte-americana, mas ainda é cedo para sacramentar se eles levarão a
uma depressão. O déficit comercial aumentou 34% em janeiro, ante dezembro,
maior variação desde março de 2025, e a confiança do consumidor recuou sete
pontos em fevereiro, terceira queda consecutiva e pior variação mensal desde
agosto de 2021, mas a inflação e o mercado de trabalho continuam pressionados.
Já estava claro que Trump agia sem medir as
consequências políticas e diplomáticas de suas decisões, mas ainda havia uma
esperança, entre os investidores, de que o presidente norte-americano
preservasse uma relação de proximidade com Wall Street, como a que manteve em
seu primeiro mandato.
Essa expectativa acaba de cair por terra, e o
mercado optou por proteger seus ativos, em vez de tentar encontrar alguma
lógica nas bravatas do republicano, quando percebeu a tranquilidade com que o
presidente norte-americano falou sobre a chance de os EUA enfrentarem uma
estagflação.
E a incerteza prosseguiu na terça-feira
passada. Ao longo do mesmo dia, o presidente norte-americano decidiu ampliar as
tarifas sobre o aço e o alumínio canadenses para 50%, para em seguida voltar
atrás e mantê-las em 25%.
O impacto que essa política terá sobre a
competitividade da indústria norte-americana pode ser brutal, uma vez que os
EUA importam 25% do aço que consomem e a maior parte vem justamente do Canadá.
Mas Trump parece disposto a arcar com as consequências, talvez subestimando as
razões pelas quais derrotou seu antecessor, Joe Biden.
Justa ou injustamente, a população julgou que
houve certa leniência do democrata com a inflação e vislumbrou na eleição do
republicano uma situação econômica melhor, ainda que ela fosse melhor somente
para os americanos. Parece que se equivocaram, mas, na dúvida, o mercado já se
ajustou para perder menos dinheiro neste cenário.
É sério isso?
O Estado de S. Paulo
Punição branda da Conmebol ao Cerro Porteño
enfraquece o combate ao racismo no futebol
Multa de US$ 50 mil (cerca de R$ 300 mil) e
portões fechados nos jogos na Libertadores Sub-20 foram a punição dada ao time
paraguaio Cerro Porteño por ataques racistas de seus torcedores ao jogador
Luighi, do Palmeiras, durante o jogo do dia 6 de março. Diante de penalidade
tão frouxa, vale repetir à Conmebol a pergunta do atacante a um jornalista da
confederação que, personificando a banalização do racismo, ignorou o episódio e
tentou concentrar a entrevista pós-jogo na vitória do Palmeiras: É sério isso?
A experiência tem demonstrado que penas
brandas de nada têm adiantado para varrer o racismo do futebol. Se a ineficácia
de multas, distribuição de cestas básicas e jogos com estádios vazios já está
mais do que comprovada, corretíssima é a reivindicação da direção do Palmeiras
de punir exemplarmente o Cerro, talvez excluindo o time da Libertadores –
medida que, aliás, foi também sugerida por Luighi, que cobrou emocionado da
Conmebol reação rigorosa, na mesma intensidade do crime de que foi vítima.
Aos 18 anos, o atacante mostrou ter plena
consciência do que significa a formação de uma nova geração de atletas. Segue
os passos corajosos de atletas que decidiram não se calar diante de ofensas
criminosas, como Vini Jr., que, há um ano, numa entrevista antes de um amistoso
entre as seleções de Brasil e Espanha, fez um contundente desabafo, dizendo-se
cada vez mais triste e com menos vontade de jogar. Vítima recorrente de ataques
racistas, Vini Jr. passou a ser alvo também da imprensa espanhola, mas não se
intimidou. “Farei dez vezes se for preciso”, afirmou no final do ano passado,
ao ser preterido no troféu Bola de Ouro.
A determinação dos atletas pela defesa de sua
dignidade parece, enfim, estar alcançando seus clubes. A atitude da diretoria
do Palmeiras é uma prova disso, e a solidariedade de rivais, como São Paulo,
Corinthians e Santos, também. O clube declarou, em nota oficial, que irá
acionar as principais instituições do futebol mundial para exigir “tolerância
zero” à competição sul-americana. Que tome de fato medidas concretas, assim
como a CBF, que também manifestou indignação, mas deve passar do discurso à
prática.
Pouco importa se as leis são distintas entre
os países – como vem sendo alegado para justificar o fato de os torcedores
paraguaios que imitaram macaco e cuspiram no jogador não correrem risco de
prisão. O esporte, por excelência, é um ambiente que deve servir ao combate
intransigente ao racismo, sem espaço para impunidade e, muito menos,
condescendência.
Luighi mostrou convicção e firmeza em sua atitude de interromper a entrevista para cobrar a devida punição ao crime. “Até quando vamos passar por isso?”, indagou, lembrando, aos prantos, que aquele campeonato faz parte da aprendizagem dos jovens atletas. Com isso, mostrou ter mais maturidade e responsabilidade do que os velhos cartolas que fecham os olhos para o racismo em nome da manutenção de seus negócios.
Investigação sem caça às bruxas
Correio Braziliense
A pressão popular por uma solução para um
crime de repercussão, historicamente, leva a uma caça às bruxas pouco frutífera
para a segurança pública no país
Aos 17 anos, Vitória Regina foi encontrada
morta em Cajamar, interior de São Paulo, após avisar a uma amiga sobre a
presença de suspeitos em um ônibus do transporte público usado por ela para
retornar do trabalho para casa, no último dia 26. O corpo, encontrado em 5 de
março, tinha sinais de tortura, e a principal linha de investigação, no
momento, aponta para uma susposta vingança. Mas uma das notícias que mais
surpreenderam a sociedade passa pela inclusão do pai da jovem entre os
suspeitos, descartada pela polícia horas depois. Em luto pela morte da filha,
Carlos Alberto precisou recorrer a um advogado para se defender da
acusação.
Erros em sequência cometidos pelas
autoridades de segurança pública, sobretudo em crimes de ampla repercussão
nacional, levam à produção frequente de documentários, podcasts, séries e
outros documentos que recontam histórias que marcam o país e evidenciam como o
despreparo pode ter desdobramentos tão criminosos quanto os delitos iniciais.
Basta relembrar os já bem pormenorizados fracassos das investigações dos casos
Evandro (no Paraná), Eloá (em São Paulo) e dos meninos emasculados de Altamira
(no Pará).
A pressão popular por uma solução para um
crime de repercussão pode levar a uma caça às bruxas pouco frutífera para a
segurança pública no país. Por temer os reflexos negativos para suas imagens,
governantes e outras autoridades costumam apertar ainda mais o cerco em busca
de respostas satisfatórias, com a prisão de culpados que justifique a barbárie.
Antecipar etapas, porém, coloca em risco uma atuação séria e comprometida dos
órgãos competentes, o que se espera no enfrentamento de qualquer crime.
Em casos de falhas que se revelam grosseiras,
há a possibilidade, ainda, de impacto em dois fenômenos que também comprometem
a segurança pública: críticas em relação à eficiência de agentes que atuam na
área e baixa resolução dos casos de homicídios. Há de se destacar, nesse último
quesito, a performance vergonhosa do Brasil. Segundo a pesquisa intitulada Onde
mora a impunidade?, do Instituto Sou da Paz, 61% dos homicídios dolosos no
país, em 2022 — o equivalente a seis em cada 10 — não foram solucionados.
No ano anterior, a taxa foi de 65%.
Os números, obviamente, evidenciam que o país
carece de políticas que privilegiem investigações de qualidade, como a
priorização de profissionais e aparato técnico, além da melhor integração
dos trabalhos das polícias e do Ministério Público. Porém, há excessos. Fazem
parte das investigações policiais os depoimentos contraditórios de testemunhas
e suspeitos, as limitações na perícia, a lentidão processual e a pressão social
por respostas. Mas tragédias não devem ser palco de irresponsabilidade e avidez
por parte de quem tem o desafio de elucidar crimes como profissão.
A busca por uma resposta a qualquer custo faz casos de homicídios e outros crimes de grande repercussão virarem, até mesmo, guerra de versões em busca de uma melhor imagem dos entes públicos diretamente envolvidos e interessados e dar respostas à sociedade. Aprender com os erros do passado deve ser prioridade para as autoridades brasileiras. Exemplos não faltam.
Nenhum comentário:
Postar um comentário