Valor Econômico
Trabalho é evitar que a situação das contas públicas piore; e criar condições para avançar
Na versão original do romance “As Aventuras
de Pinóquio”, escrito pelo italiano Carlo Collodi no fim do século XIX, o
boneco de madeira que queria ser gente se irrita com os sábios conselhos do
Grilo Falante e arremessa um martelo na direção do bichinho. Talvez não fosse
sua intenção, escreve o autor. Mas o fato é que a ferramenta o acerta bem na
cabeça e suas últimas palavras são: “cri-cri-cri”.
A equipe econômica, disse o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em entrevista ao podcast Flow, é o Grilo Falante do governo. Provavelmente, não pensava no personagem de destino trágico de Collodi, e sim na versão criada por Walt Disney, um conselheiro ainda vivo. “Quem participa de um governo está o dia inteiro olhando e falando: se eu não tomar cuidado com isso, vou tropeçar aqui. Vou capotar lá. Então, o papel da área econômica é ficar alertando.”
Neste início de ano, o jogo do Grilo Falante
tem sido defensivo. Na semana passada, foi editada a Medida Provisória (MP)
1.291/2025, que muda as regras do Fundo Social, criado para receber os recursos
gerados pela exploração de petróleo no pré-sal. A MP abre um espaço fiscal de
R$ 20 bilhões pelo lado das receitas.
O início das discussões sobre a
regulamentação, semanas atrás, deflagrou uma onda de pressões de ministérios
que gostariam de usar os recursos para suas áreas. O jornal “O Globo” informa
que o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, tenta utilizar o
dinheiro para reduzir as contas de luz. Não é a única proposta.
“A gente foi limando as novidades e as ideias
geniais com ‘jota’ que foram aparecendo”, disse um integrante do time grilo.
Foi uma enorme batalha, ainda não concluída, para garantir que os recursos
seguirão as normas orçamentárias.
Em meio a críticas de que o governo está
agindo na contramão do Banco Central ao lançar medidas de estímulo ao crédito e
ao consumo quando o objetivo da autoridade monetária é desacelerar a economia,
a preocupação da equipe econômica foi garantir que a injeção dos R$ 20 bilhões
seja diluída no tempo. Não haverá impacto na economia no curto prazo, assegurou
um técnico.
O timing para tratar dos R$ 20 bilhões não
poderia ser mais inadequado, lamenta-se nos bastidores. No entanto, a
regulamentação obedeceu a uma determinação do Tribunal de Contas da União (TCU)
que tinha prazo para ser cumprida.
É assim que vem trabalhando o time do Grilo
Falante. Se o tema ajuste fiscal praticamente sumiu de pauta depois do pacote
de novembro, o trabalho é evitar que a situação das contas públicas piore. E
criar condições para avançar.
“Queria fazer [o ajuste] mais rápido?
Queria”, disse o ministro. Por constrangimentos políticos, explicou, ficou com
um resultado 70, dos 100 que queria. “Ok, vou buscar os outros 30.”
Ele não informou como conseguirá o que falta,
mas na entrevista apontou para dois alvos: supersalários e aposentadorias dos
militares. Citou também gastos tributários.
São as opções que restaram depois que cortes
em programas sociais, discutidos no ano passado, foram barrados no Planalto e
no Congresso. Porém, será necessário confrontar grupos de pressão mais
organizados.
As medidas fiscais desidratadas, a crise do
Pix, os flertes do presidente Lula com medidas heterodoxas para combater a
inflação e a chegada de Gleisi Hoffman ao Palácio do Planalto deram a Haddad um
inferno astral prolongado.
Nesta semana, aparentemente, começou uma
operação resgate. Primeiro, Gleisi usou seu discurso de posse no cargo de
ministra da articulação política para afirmar que vai ajudá-lo na consolidação
da agenda econômica, depois de passar os últimos dois anos, na condição de
presidente do PT, atacando o que chamou de “austericídio fiscal”. Ela afirmou
ter “plena consciência” de seu novo papel.
Ontem, Haddad integrou uma comitiva que
acompanhou Lula em um périplo por Minas Gerais. O presidente elogiou todos os
seis ministros presentes. Colocou Haddad como responsável pelos bons resultados
da economia e citou seu trabalho em conjunto com o Ministério da Educação para
oferecer escola em tempo integral. Ainda comemorou o fato de o Produto Interno
Bruto (PIB) brasileiro haver crescido mais do que 3% por dois anos consecutivos
e a aprovação da “maior política tributária da história”.
Se Haddad retomará sua força, é algo a ver.
Como ele mesmo disse na entrevista ao Flow, quem está no governo vive numa
montanha-russa e pode ir do céu ao inferno em questão de semanas. Mas um
ministro da Fazenda fraco num mundo que tem Donald Trump na Presidência dos
Estados Unidos não é boa ideia.
Correção
No dia 26 passado, a coluna informou que as despesas “zumbis”, restos a pagar já cancelados que o Congresso quer reavivar, somavam R$ 15,7 bilhões. Esse valor, porém, se refere a uma versão inicial. O texto aprovado pelo Senado apontava para uma despesa de no máximo R$ 4,4 bilhões. Na Câmara, o deputado Danilo Forte (União-CE) apresentou ontem parecer favorável. Estudo da consultoria da casa diz que a proposta fere o rito orçamentário e está em desacordo com a Constituição.
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