Folha de S. Paulo
Mortes em Gaza podem ter sido só início de
catástrofe maior para Oriente Médio e mundo
O ataque
liderado por Trump às instalações nucleares do Irã foi feito à revelia
do povo americano. Além de não contar com a autorização do Congresso Americano,
Trump desprezou não apenas a vontade da maioria dos eleitores norte-americanos
como parte expressiva do Maga (Make
America Great Again/Torne a América Grande Novamente), movimento que o apoiou
em sua ascensão ao poder.
De acordo com uma pesquisa Economist/Yougov divulgada em 19 de junho, ainda que 50% dos americanos enxerguem o Irã como um país inimigo dos Estados Unidos, apenas 16% pensam que os militares americanos devem se envolver na guerra entre Israel e Irã. Sessenta por cento dizem que não deveriam se envolver e 24% não têm certeza. Os maiores índices entre aqueles que se opõem à intervenção militar dos EUA no Irã são entre democratas (65%) e independentes (61%). Porém, mesmo entre republicanos, os contrários à entrada do país na guerra são maioria (53%).
Em 2015, o então presidente Barack
Obama celebrou
um acordo com outras potências mundiais. Obama afirmou que o acordo tinha
como base a possibilidade de ter acesso 24 horas por dia às principais
instalações nucleares iranianas e que "todos os caminhos em direção a uma
arma nuclear estão cortados". Nessa época, 32% dos americanos se opunham à
negociação dos EUA, a maioria eram republicanos.
Porém, agora, não é apenas a maioria dos
republicanos "comuns" que se opõe à decisão de Trump. Steve Bannon,
uma das lideranças mais influentes do Maga, é frontalmente contrário à
intervenção dos Estados Unidos no Irã. Segundo a agência de notícias Reuters,
no dia 18 de junho, Bannon pediu cautela em relação à união das forças armadas
dos EUA com Israel na tentativa de destruir o programa nuclear do Irã na
ausência de um acordo diplomático. Bannon disse aos repórteres: "Não
podemos fazer isso novamente. Vamos destruir o país. Não podemos ter outro
Iraque".
A guerra do Iraque foi um desastre em todos
os sentidos possíveis. Além de mais 300 mil pessoas mortas, a intervenção
americana permitiu a ascensão do grupo Estado Islâmico, que promoveu ataques
terroristas em todo o Oriente Médio.
Embora o governo dos EUA tenha encerrado
oficialmente a guerra no Iraque em 2011, as repercussões da invasão e ocupação
tiveram um enorme custo humano, social, econômico e ambiental. Além disso,
Joseph Stiglitz, ganhador do prêmio Nobel, e Linda Bilmes, professora de
Harvard, estimam que US$ 3 trilhões dos contribuintes norte-americanos foram
gastos para derrubar o ditador Saddam Hussein sob a falsa alegação de que seu
regime estava fabricando armas de destruição em massa.
A despeito da catástrofe no Iraque, a
indústria da guerra norte-americana continuou recebendo investimentos pesados
do governo. De acordo com o projeto "Costs of War", da Brown
University, em 2024, o governo Biden aprovou US$ 17,9 bilhões em assistência
militar para Israel, soma que excede todos os valores históricos de ajuda
militar aprovados para o país.
Agora, ao que tudo indica, as mortes na Faixa
de Gaza, que já superam 55 mil, sendo a maioria de mulheres e crianças, podem
ser apenas o início de uma catástrofe muito maior para o Oriente Médio e para o
mundo.
*Doutora em ciência política pela USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento
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