O Estado de S. Paulo
A coalizão supermajoritária de Lula não tem
garantido blindagem política
Fiscalizar o Executivo por meio de Comissões
Parlamentares de Inquérito (CPIs) é uma das funções clássicas do Legislativo em
sistemas presidencialistas baseados na separação de poderes. CPIs são
instrumentos que, idealmente, alinham o comportamento do governo às
expectativas do eleitorado.
Mas essa ameaça virtuosa do Legislativo ao Executivo só é crível quando há real disposição política para exercê-la. Em contextos em que o partido do presidente – ou a coalizão que o sustenta – detém a maioria no Legislativo, o incentivo para investigar o próprio governo tende a desaparecer. Afinal, por que provocar instabilidade que pode comprometer os ganhos de estar no poder?
É o caso do atual governo Lula. Com uma
coalizão formada por 16 partidos, o governo detém uma supermaioria: 350
cadeiras (68%) na Câmara dos Deputados e 59 (73%) no Senado. Em tese, CPIs não
deveriam representar risco algum – mesmo diante de denúncias relevantes ou da
gravidade dos malfeitos, como os que envolvem o atual escândalo do INSS.
Mas essa maioria numérica não tem se
convertido em maioria substantiva. Apesar do aumento da disciplina interna dos
partidos – inclusive dos governistas – o governo tem enfrentado dificuldades
para aprovar sua agenda ou mesmo neutralizar ameaças no Congresso. Isso revela
um paradoxo: ao contrário do que muitos imaginavam, mais disciplina partidária
não significa, necessariamente, mais coesão da coalizão.
Essa fragilidade da supercoalizão de Lula tem
origem nas escolhas do próprio Executivo. Ao optar por uma coalizão extensa,
ideologicamente heterogênea, e resistir a compartilhar poder e recursos de
forma proporcional ao peso político dos aliados no Congresso, o governo
comprometeu a capacidade de mobilização coordenada de sua base. O resultado é
uma maioria instável – numerosa e extremamente cara, mas pouco confiável.
Além disso, os índices crescentes de
desaprovação do governo junto à sociedade têm dificultado a agregação
consistente de interesses em torno do Executivo. A estratégia dominante,
inclusive entre a maioria dos aliados, tem sido permanecer no governo apenas
para extrair o máximo de benefícios possíveis – sem necessariamente apoiá-lo.
E, o que é pior, já com o olhar voltado para um desembarque e o apoio a uma
candidatura de oposição em 2026.
A instalação da CPI do INSS, portanto, não
deve ser subestimada. A sua existência escancara o grau de desagregação da
coalizão. A CPI pode se transformar em mais um canal de desgaste, ampliando a
erosão da imagem do governo e comprometendo suas chances eleitorais.
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