Correio Braziliense
Duas superpotências nucleares e militares,
Israel e EUA, atuam conjuntamente contra quem se opuser a seus interesses e
indiretamente defendendo um político israelense controverso**
As guerras que estão se desenrolando nos
últimos dois anos no Oriente Médio estão intimamente relacionadas aos problemas
pessoais de um político israelense e aos problemas de ego e de coerência de um
político norte-americano.
Para fugir de julgamento pela Corte de
Justiça de Israel, por acusação de corrupção, Netanyahu aproveitou o ataque
terrorista do Hamas na fronteira de Israel e iniciou a guerra contra o grupo
terrorista de Gaza, em seguida, aproveitando ataques contidos do Hezbollah, a
partir do Líbano, ampliou a guerra com esse grupo radical financiado pelo Irã.
"‘Com a mesma afirmação de ameaça
existencial invocada por Putin, Netanyahu reeditou o que o líder russo fez com
a Ucrânia: atacou (sem ser atacado) o território iraniano’"
Com a destruição da capacidade de ataque do Hamas e do Hezbollah, a fim de continuar a guerra, como é de seu interesse, com base em alertas que começaram nos anos 80 do século passado sobre a iminência do Irã produzir uma bomba atômica e se tornaram dramáticos nos últimos dias (apesar de contestados por fontes dos órgãos de inteligência dos EUA), Netanyahu, com a mesma afirmação de ameaça existencial invocada por Putin, reeditou o que o líder russo fez com a Ucrânia: atacou (sem ser atacado) o território iraniano com a previsível reação de Teerã.
A guerra entre Israel e Irã entra agora em
nova fase com a participação de outra personalidade, Donald Trump, aliado de
Israel desde a primeira hora nessas guerras, mas que, até aqui, relutava em
levar os EUA a ter um maior envolvimento direto no conflito.
Cabe lembrar que Israel atacou o Irã no meio
da negociação entre sobre o programa nuclear iraniano com os EUA e que a
intervenção de Trump ocorre no momento em que as consequências das medidas
econômicas tomadas por seu governo começam a dar sinais negativos com a
desaceleração econômica e inflação, enquanto as medidas anti-imigração
despertam reações (“No King”) em todo o país.
"‘A belicosidade de Trump contrasta com
a imagem de “peacemaker” que tentou passar na campanha’"
A belicosidade de Trump contrasta com a
imagem de “peacemaker” que tentou passar na campanha. Apesar da oposição de
parte do Partido Republicano e de seus seguidores, Trump está ameaçando a
destruição dos centros nucleares iranianos, mandando a população sair de Teerã,
ameaçando o líder religioso iraniano de morte, prometendo a mudança de regime e
pedindo a rendição incondicional do Irã.
O próximo passo poderá ser a entrada dos EUA
na guerra, caso o prazo de duas semanas concedido por Trump para que os
entendimentos diplomáticos em Genebra entre alguns países da União Europeia e o
Irã e outros, a partir da semana que vem, prosperem.
"‘Com a prioridade de Israel mudando
para a rendição incondicional e a mudança de regime, as perspectivas não são
encorajadoras’"
Com a prioridade de Israel mudando para a
rendição incondicional e a mudança de regime, as perspectivas não são
encorajadoras, já que Khamenei rechaçou a possibilidade de rendição
incondicional. As consequências serão imprevisíveis tanto dentro do Irã, quanto
no restante da região. São conhecidas as experiências de “regime change” no
Iraque, no Afeganistão e na Líbia, lideradas pelos EUA.
A guerra contra o Irã mudou o patamar das
operações bélicas modernas. Israel desarmou, desorientou e desestabilizou Teerã
antes mesmo de a guerra começar. A eliminação dos “proxies” do Irã (Hamas,
Hezbollah), decapitação dos comandos do exército, da guarda republicana, as
mortes dos cientistas nucleares e a destruição da defesa antiaérea, de radares
e dos lançadores de mísseis e drones, com capacidade de inteligência
avançadíssima, guerra cibernética, dissimulação estratégica, infiltração de
pessoal e equipamento em território iraniano, iron dome e drones, criaram um
alto grau de surpresa, de abalo psicológico e paralisia no governo Khamenei.
"‘O mundo assiste atônito a essa
escalada militar sem ter como influir na disputa’"
O mundo assiste atônito a essa escalada
militar sem ter como influir na disputa. Por diferentes razões, China, Rússia,
União Europeia pedem a limitação dessas ações, e a maioria pede que o Irã
desista de seu programa nuclear militar.
Afinal, na prática, são duas superpotências
nucleares e militares, Israel e EUA, atuando conjuntamente contra quem se
opuser a seus interesses e indiretamente defendendo um político israelense
controverso. A opinião pública de Israel e do Irã, apesar das divergências
internas, estão apoiando o governo de turno por uma atitude nacionalista.
A inação e a perda de importância do G7
reunido no Canadá foi acentuada pela saída abrupta de Trump no primeiro dia do
encontro para presidir reunião mais importante do Conselho de Segurança
Nacional em Washington, que iria decidir sobre a entrada dos EUA na guerra, e
pela cândida manifestação de Lula dizendo que o G7 perdeu importância para o
G20. Aliás, novas desculpas foram encontradas para justificar mais uma vez o
adiamento do encontro de Lula com Zelensky, solicitado por este e aceito pelo
mandatário brasileiro.
*Rubens Barbosa é presidente e fundador do
Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice). É presidente
do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação
Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e
Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi
embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso
de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América
Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira),
entre outros.
**Artigo publicado originalmente em 20 de
junho de 2025
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