O Globo
País necessita de um mutirão contra as
desigualdades, com pactos republicanos que fortaleçam as instituições não
apenas pela lei
Num país marcado por desigualdades históricas
e uma democracia sob tensão constante, a insegurança jurídica corrói a relação
entre instituições e sociedade.
Participei do Brazil Forum UK, a convite do
ministro Luís
Roberto Barroso, presidente do STF,
num painel sobre resiliência urbana e infraestrutura sustentável, ao lado de
lideranças de Google,
Ministério das Cidades e governo gaúcho. Além da sustentabilidade, destaquei os
entraves estruturais enfrentados por governos, empresas e sociedade civil na
consolidação de políticas públicas contínuas e efetivas.
Na sociedade civil, vivemos o esvaziamento do engajamento popular por uma agenda pública com base social. Muitas vezes, o advocacy é feito por grupos sem conexão real com as demandas populares. A falta de capilaridade enfraquece a pressão sobre o Legislativo e dificulta a sustentação de avanços. Soma-se a isso a necessidade de renovação nas práticas das organizações sociais, que perderam quadros para a estrutura estatal — o que, embora democratize a máquina pública, deixa vazios nas lutas populares, agora ocupadas por forças não institucionais que impõem suas próprias lógicas nos territórios urbanos.
Diante da instabilidade institucional, o STF
tem assumido protagonismo na garantia de direitos e políticas públicas
essenciais. Ao comentar isso com Barroso, destaquei que essa atuação constante
aponta para uma crise mais profunda: a perda de confiança na continuidade,
legitimidade e transparência do Estado.
Vivemos um paradoxo: o Brasil tem orçamento,
leis, programas — mas falta clareza e participação. A população pouco interfere
nas decisões sobre os recursos. O planejamento é técnico e distante, sem
diálogo com os que mais dependem do Estado. Programas sociais surgem com
estardalhaço e desaparecem ao sabor das conveniências eleitorais.
Essa descontinuidade, somada à falta de
comunicação institucional, alimenta a desinformação, o populismo e a
polarização, enfraquecendo ainda mais a democracia.
Precisamos de novos pactos sociais — não como
slogans, mas como processos permanentes. É urgente criar espaços reais de
escuta e decisão com movimentos sociais, periferias e favelas. Fóruns com poder
sobre parte dos orçamentos públicos já foram testados com sucesso no Brasil e
noutras democracias.
Hoje, leis e programas são pensados à margem
das realidades vividas pela maioria. Sem escuta ativa e com burocracia
excludente, resta ao povo apenas o voto — e até ele tem sido sequestrado por
estruturas que mantêm o poder concentrado. É hora de construir uma agenda
pública perene, imune às disputas partidárias e mudanças de governo.
A reconstrução democrática exige coragem para
enfrentar o déficit de escuta, representação e continuidade. O Brasil precisa
de um mutirão nacional contra as desigualdades, com pactos republicanos que
fortaleçam as instituições não apenas pela lei, mas pelo reconhecimento do povo
como fonte legítima de poder.
O STF não pode seguir sendo o último bastião
da política pública. Todas as instituições precisam se comprometer com uma
democracia mais participativa, contínua e centrada na justiça social. A
sociedade precisa de segurança jurídica para continuar acreditando. E o STF
pode ser ponte vital nessa reconstrução entre Estado e povo.
*Ativista, empresário, escritor e presidente
da Central Única das Favelas (Cufa-RJ)
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