segunda-feira, 23 de junho de 2025

Novos pactos sociais são oxigênio para democracia - Preto Zezé*

O Globo

País necessita de um mutirão contra as desigualdades, com pactos republicanos que fortaleçam as instituições não apenas pela lei

Num país marcado por desigualdades históricas e uma democracia sob tensão constante, a insegurança jurídica corrói a relação entre instituições e sociedade.

Participei do Brazil Forum UK, a convite do ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, num painel sobre resiliência urbana e infraestrutura sustentável, ao lado de lideranças de Google, Ministério das Cidades e governo gaúcho. Além da sustentabilidade, destaquei os entraves estruturais enfrentados por governos, empresas e sociedade civil na consolidação de políticas públicas contínuas e efetivas.

Na sociedade civil, vivemos o esvaziamento do engajamento popular por uma agenda pública com base social. Muitas vezes, o advocacy é feito por grupos sem conexão real com as demandas populares. A falta de capilaridade enfraquece a pressão sobre o Legislativo e dificulta a sustentação de avanços. Soma-se a isso a necessidade de renovação nas práticas das organizações sociais, que perderam quadros para a estrutura estatal — o que, embora democratize a máquina pública, deixa vazios nas lutas populares, agora ocupadas por forças não institucionais que impõem suas próprias lógicas nos territórios urbanos.

Diante da instabilidade institucional, o STF tem assumido protagonismo na garantia de direitos e políticas públicas essenciais. Ao comentar isso com Barroso, destaquei que essa atuação constante aponta para uma crise mais profunda: a perda de confiança na continuidade, legitimidade e transparência do Estado.

Vivemos um paradoxo: o Brasil tem orçamento, leis, programas — mas falta clareza e participação. A população pouco interfere nas decisões sobre os recursos. O planejamento é técnico e distante, sem diálogo com os que mais dependem do Estado. Programas sociais surgem com estardalhaço e desaparecem ao sabor das conveniências eleitorais.

Essa descontinuidade, somada à falta de comunicação institucional, alimenta a desinformação, o populismo e a polarização, enfraquecendo ainda mais a democracia.

Precisamos de novos pactos sociais — não como slogans, mas como processos permanentes. É urgente criar espaços reais de escuta e decisão com movimentos sociais, periferias e favelas. Fóruns com poder sobre parte dos orçamentos públicos já foram testados com sucesso no Brasil e noutras democracias.

Hoje, leis e programas são pensados à margem das realidades vividas pela maioria. Sem escuta ativa e com burocracia excludente, resta ao povo apenas o voto — e até ele tem sido sequestrado por estruturas que mantêm o poder concentrado. É hora de construir uma agenda pública perene, imune às disputas partidárias e mudanças de governo.

A reconstrução democrática exige coragem para enfrentar o déficit de escuta, representação e continuidade. O Brasil precisa de um mutirão nacional contra as desigualdades, com pactos republicanos que fortaleçam as instituições não apenas pela lei, mas pelo reconhecimento do povo como fonte legítima de poder.

O STF não pode seguir sendo o último bastião da política pública. Todas as instituições precisam se comprometer com uma democracia mais participativa, contínua e centrada na justiça social. A sociedade precisa de segurança jurídica para continuar acreditando. E o STF pode ser ponte vital nessa reconstrução entre Estado e povo.

*Ativista, empresário, escritor e presidente da Central Única das Favelas (Cufa-RJ)

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