Folha de S. Paulo
Executivo e Congresso respondem a incentivos
políticos opostos, o que transforma o orçamento em campo de disputa
Há aparentemente dois paradoxos no
comportamento do Executivo e do Congresso em relação à política fiscal. O
primeiro diz respeito à suposta inversão observada em relação ao padrão
austeridade no início do mandato e expansão de gasto no fim. Seria o proverbial
ciclo político na política fiscal. O segundo é que o Congresso seria
conservador, e o Executivo, expansionista. Um olhar atento revela que a questão
é mais complexa.
No início do mandato, o governo patrocinou
uma expansão fiscal inédita. E isso ocorreu em virtude da natureza própria da eleição apertada e de seu caráter hiperminoritário.
Sua extrema vulnerabilidade leva-o a antecipar a expansão do gasto com a PEC da Transição. Ao mesmo tempo deflagrou ataques ao Bacen, como estratégia de deslocar responsabilidades. O aumento recente da Selic expõe a inconsistência do discurso e da prática.
A expansão do gasto no ano eleitoral tem sido
a tônica no país. Em 2006, foi de 10,3%, alcançando impressionantes 15,3% em
2010, na eleição de Dilma. Foi elevada em 2014 (6,3%) e 2022 (6%), quando Bolsonaro recorreu inclusive aos precatórios para
gerar caixa. A exceção foi 2018 e tem explicação clara. Sob Temer o
gasto cresceu meros 1.8%. Isso é o que acontece nos raros casos em que o
incumbente não é candidato e não mobiliza o gasto em prol de nenhuma
candidatura.
O conflito atual entre o Congresso e o
Executivo é também fácil de explicar. O fato é que o governo nunca abdicou do
gasto. O arcabouço fiscal foi uma autorização para sua expansão. Mas o governo
não antecipou seus efeitos dinâmicos. Daí a política de seletiva de
austeridade: mira os ministérios que estão à míngua sinalizando contenção. Ao
mesmo tempo surge o pacote oportunístico de bondades. Ele inclui programas
de crédito subsidiado e iniciativas como o Minha Casa, Minha Vida
e o Pé de Meia que não estão no orçamento.
E medidas como isenção na conta de luz e
distribuição de botijões de gás, dentre outras. Somam-se a isso o uso
importante de estímulos parafiscais e a antecipação de benefícios como o 13º salário, em clara contradição com a política monetária.
A alternativa de maior custo político —reduzir subsídios e isenções— é
abandonada.
É a viabilização desses programas e medidas
que está em disputa quando o Congresso —cujas principais lideranças estão
alinhadas a candidaturas presidenciais rivais— impõe obstáculos ao aumento da
receita. Ao mesmo tempo, a maioria congressual também busca a reeleição, o que
transforma o orçamento em campo de disputa, num jogo de soma zero. Pela sua
composição, o Congresso tem imposto, ao longo da última década, uma forte
restrição fiscal assimétrica aos governos: veto para aumento de receita, mas
não para a despesa de interesse da maioria legislativa.
A socialização dos custos desta dinâmica de
relações Executivo-Legislativo tem limites. A inflação é
um deles. No entanto o que vemos já há décadas é um equilíbrio político
perverso ancorado na concessão de benefícios setoriais para grupos e setores
com forte influência sobre o jogo. O Executivo é seu árbitro. Mas o jogo
tornou-se mais complexo com a entrada do STF em cena.
O resultado é que a capacidade de arbitragem
pelo Executivo das perdas e dos ganhos envolvidos tem se exaurido.
*Professor da Universidade Federal de
Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA)
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