Ataque americano redefine futuro do Oriente Médio
O Globo
Ainda persistem incertezas, mas um Irã
enfraquecido, sem artefatos nucleares, é um cenário positivo
Há diversas dúvidas sobre os desdobramentos
do ataque inédito dos Estados Unidos contra
as instalações nucleares do Irã na madrugada
deste domingo. Um fato, contudo, está claro: se ele destruiu a capacidade
iraniana de fazer a bomba atômica, o Oriente Médio e, portanto, o planeta estão
mais seguros.
Depois de simular hesitação e de afirmar que levaria duas semanas para responder ao pedido de Israel por bombardeios às centrais de enriquecimento de urânio do Irã, Donald Trump, autorizou um ataque surpresa que, nas palavras dele, “obliterou completamente” o programa nuclear iraniano. Pela primeira vez foram usadas armas capazes de atingir centrífugas e outros equipamentos instalados nas profundezas subterrâneas. A atitude de Trump foi correta.
O principal alvo foi a usina de Fordow,
incrustada numa montanha e apontada como principal base do programa secreto da
bomba iraniana. Também foram atingidos o subsolo da central de Natanz (já
danificada por bombardeios israelenses) e instalações de Isfahan onde se
acreditava haver urânio em quantidade suficiente para uma dezena de artefatos
nucleares. Os ataques se voltaram sobretudo contra alvos que Israel não teria
como atingir com os armamentos de que dispõe. Até pelo ineditismo, é incerta a
extensão dos danos, e o Irã afirmou que manterá seu programa nuclear.
A principal dúvida para o mundo está no
alcance da reação iraniana, que determinará o grau de envolvimento dos
americanos na guerra. Do ponto de vista militar, o Irã está enfraquecido pelos
ataques israelenses das últimas semanas e pelo desmantelamento de suas forças
títeres — como Hamas em Gaza, Hezbollah
no Líbano e
o governo Bashar Assad na Síria. O temor é que
tente atingir os 40 mil soldados americanos em bases do Oriente Médio, boa
parte em países do Golfo que não têm simpatia pela bomba iraniana, mas querem
distância do conflito.
O regime dos aiatolás ainda conta com apoio
dos houthis do Iêmen,
que ameaçaram voltar a atacar navios americanos no Mar Vermelho. Com
autorização do Parlamento, o governo de Teerã também se prepara para fechar
militarmente o Estreito de Ormuz, passagem do Golfo para o Oceano Índico por
onde circula diariamente um quinto do consumo global de petróleo. O impacto
imediato será a alta no preço do barril, embora seja difícil avaliar por quanto
tempo tal medida seria eficaz, tamanha a a devastação que Israel tem provocado
nas Forças Armadas e no comando militar iraniano.
O governo Trump deu sinal de que não haveria
mais ataques se o Irã voltasse à mesa de negociação, comprometendo-se a
abandonar suas ambições nucleares. Também descartou pressão militar para
derrubar o regime teocrático. As cicatrizes do Iraque e do Afeganistão são
recentes e, apesar do ataque de domingo, há nítida vocação isolacionista nas
hostes trumpistas. Um conflito amplo também não interessa a China ou Rússia,
sustentáculos dos aiatolás. Ainda que a teocracia se mantenha, o Irã ficou mais
fraco.
Um Irã sem artefatos nucleares é um cenário
positivo para o planeta. O melhor que os iranianos têm a fazer é aceitar a
derrota e negociar um cessar-fogo. Os fatos recentes demonstram que a
insistência em criar uma potência nuclear capaz de ameaçar Israel e Estados
Unidos só tem causado sofrimento — sobretudo para os próprios iranianos.
Polícia terá de se modernizar para enfrentar
crime cometido com IA
O Globo
PF desbaratou quadrilha que fraudava sistema
de reconhecimento facial da plataforma gov.br
Com acesso a ferramentas de inteligência
artificial (IA), assaltantes e estelionatários têm conseguido atacar
suas vítimas por meio das telas de computador e celular, redobrando a
necessidade de cuidados ao navegar pela internet e criando um novo desafio para
a polícia. Um exemplo do ponto a que chegaram os criminosos foi desvendado pela
Polícia Federal (PF) na operação Face Off (assim batizada em referência ao
filme de ficção científica em que dois personagens trocam de rosto). A
quadrilha, que agia nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Ceará,
Paraíba, Mato Grosso, Santa Catarina, Paraná e Tocantins, enganava a biometria
exigida pela plataforma gov.br para obter acesso a informações privadas.
Uma fragilidade do gov.br é a configuração
menos detalhista na checagem dos rostos, necessária para não criar problemas
numa plataforma acessada por milhões. Para compensar a limitação, há um sistema
de reconhecimento em dois níveis, com o envio de um código ao celular do dono
da conta, digitado depois da senha. “Mas, à medida que a tecnologia vai
melhorando, os golpes também vão se aperfeiçoando”, diz o pesquisador Fábio
Assolini, da empresa de cibersegurança Kaspersky. Ele lembra que, antes,
golpistas colavam fotos de rostos em bonecos, na tentativa de driblar a
biometria. Agora, com os recursos oferecidos pela IA na manipulação de imagens,
passou a ser possível burlar sistemas de reconhecimento facial com menos
dificuldade.
Em outubro do ano passado, a Polícia Civil de
Brasília desbaratou um esquema semelhante ao descoberto pela PF que tinha como
objetivo a invasão de contas bancárias. Um dos suspeitos chegou a fazer 550
tentativas de invasão com o emprego de deepfakes, técnicas baseadas em IA para
criar e alterar imagens. O grupo movimentou cerca de R$ 50 milhões de empresas
e pessoas físicas. Tomou empréstimos em nome das vítimas, a maioria delas
funcionários públicos, com acesso fácil a crédito bancário. Outra quadrilha brasileira,
autointitulada Gringo 171, se especializou em vender sistemas de ataques por IA
de forma clandestina em plataformas como o aplicativo Telegram.
Por trás da profusão de novos crimes está o
avanço ocorrido nos últimos três anos nas ferramentas de IA, em especial as de
criação e edição de imagem e áudio. Para as organizações, uma questão-chave é a
calibragem da tecnologia. Não dá para ser exigente a ponto de impedir o acesso
dos verdadeiros donos das contas, mas é fundamental evitar ser permissivo em
demasia, criando vulnerabilidades. A sociedade estará cada vez mais exposta se,
além dos administradores de plataformas, a própria polícia não acompanhar a
corrida de golpistas atrás de ferramentas digitais cada vez mais sofisticadas,
acessíveis e fáceis de usar.
‘Apagões’ na máquina pública podem vir antes
do previsto
Valor Econômico
O governo deveria parar de estimular a
economia e rever as medidas que fragilizaram o regime fiscal
O governo federal poderá ficar sem recursos
para cumprir parte de suas funções públicas elementares antes do previsto, já
em 2026. Um alerta de que a fatia de recursos livres para gastos
discricionários encolhe rapidamente foi dado pelo próprio governo, no anexo IV
do projeto de lei de diretrizes orçamentárias (PLDO) de 2026. Isso deveria
ocorrer em 2027, mas há sério risco de penúria já no ano que vem (Valor, 18-5). É, de qualquer
forma, quase uma certeza nos próximos anos se não forem tomadas medidas sérias
para controlar despesas e não houver algum aumento de receitas - via cada vez
mais obstruída pela reação negativa da sociedade e do Congresso a novas altas
de impostos.
Descontadas as emendas impositivas e as de
comissão, orçadas em R$ 56,5 bilhões em 2027, e os R$ 76 bilhões
correspondentes à complementação ao mínimo constitucional para saúde e
educação, haverá no ano um déficit de R$ 10,9 bilhões para as despesas de custeio
e serviços da máquina pública (água, luz e telefone, fornecimento de
passaportes etc). As regras do regime fiscal não poderão ser cumpridas sob
risco de paralisia do Estado.
Em 2026, haverá disponíveis R$ 83 bilhões
para as despesas discricionárias (sem emendas, saúde e educação), mas os
economistas da consultoria BRCG Matheus Rosa Ribeiro e Livio Ribeiro fizeram as
contas e concluíram que pode faltar dinheiro. Há uma folga de apenas R$ 5,6
bilhões a R$ 8,7 bilhões - espaço entre o gasto previsto e o mínimo para o
Estado funcionar - e, no limite, poderão faltar R$ 2,2 bilhões no ano que vem.
O governo não terá qualquer espaço para contingenciar recursos e terá de cortar
despesas ou elevar receitas (Valor,
18-6). A situação piora, e muito, em 2027, quando os economistas calculam que
fará falta para manter a máquina pública funcionando de 0,61% a 0,66% do PIB,
ou de R$ 89,5 bilhões a R$ 97,6 bilhões. Os cálculos oficiais dão uma ideia do
problema. Pelo PLDO, haverá carência de R$ 10,9 bilhões em 2027 para cumprir
todas as despesas obrigatórias e em 2028, de R$ 87,3 bilhões.
Além disso, as metas fiscais estão cada vez
mais difíceis de serem cumpridas, ainda que o governo mire o piso delas, de
-0,25% do PIB este ano, ou R$ 31 bilhões. Com a inclusão dos precatórios, o
déficit real será de R$ 77 bilhões. Em 2026, o governo terá de equilibrar as
contas, depois da calculada e conveniente mudança na meta antes mesmo de seu
primeiro ano de vigência, que o livrou de fato da obrigação de obter qualquer
superávit primário até o fim do mandato. Para observar as regras que sua equipe
elaborou, terá de conter despesas em pleno ano eleitoral. Não há garantia de
que isso vai ocorrer, pelo seu comportamento até agora.
As estatísticas fiscais revelam que a
esperança de que o novo regime conduziria aos poucos ao equilíbrio das contas
públicas e frearia a evolução do endividamento não passou de miragem. Ele foi
criado para abrir espaço para gastos. As virtudes anticíclicas do mecanismo,
que garantiria crescimento de gastos quando a economia estivesse se retraindo,
foram propaganda. Com a economia em boa forma e a arrecadação batendo recordes,
a elevação das despesas foi inconveniente e abertamente procíclica, tendo como
efeito a alta da inflação e sua resistência à queda. O Planalto não deu e não
dá importância a isso porque acredita que o gasto público é o indutor da
expansão econômica.
O novo regime poderia se sustentar por mais
tempo sobre suas pernas, apesar dos defeitos, mas sucumbiu diante da enorme
carga extra que teve de carregar. O aumento real do salário mínimo faz os
gastos da Previdência (50% do total), do BPC, auxílio desemprego e abono
salarial crescerem bem mais que o permitido pela regra fiscal. A complementação
de saúde e educação voltou a ser atreladas à receita, que tem batido recordes.
Além disso, e sem repercussão no resultado primário, o Planalto está usando o
Fundo Social no BNDES e programas sociais - valor que pulou de R$ 25 bilhões em
2023 para R$ 74 bilhões agora (Folha de S. Paulo, 20-6) - e recursos de fundos
privados para estimular o crédito.
O governo Lula não quer deixar a economia
perder o ritmo, o que precisa acontecer para que a meta de inflação seja
cumprida. Ao insistir em estímulos diretos e indiretos, fica no pior dos
mundos. Paga hoje a segunda maior taxa de juros real do mundo sobre um déficit
crescente, uma carga que poderá ultrapassar R$ 1 trilhão este ano. Pelas
projeções oficiais, a dívida bruta chegará ao fim do ano em 78,5% do PIB e no
fim do mandato, em 2026, a 81,8% do PIB, com um acréscimo forte de 9 pontos
percentuais em relação a quando Lula assumiu a Presidência.
A proximidade do calendário eleitoral reforça a fragilidade do governo no Congresso e as dificuldades para corrigir a rota fiscal por meio de aumento das receitas. Em três dias da semana passada, o governo teve uma grande série de reveses legislativos. O aumento do IOF, mesmo atenuado, e o fim da isenção de vários títulos de renda fixa propostos podem ser rejeitados. O governo deveria parar de estimular a economia e rever as medidas que fragilizaram o regime fiscal sob pena de elas o deixarem em pleno ano eleitoral com penúria orçamentária, além de frágil popularidade.
Trump tenta intervenção de baixo custo ao
atacar o Irã
Folha de S. Paulo
Mesmo que a resposta de Teerã seja comedida,
as razões fundamentais da crise com Israel e os EUA tendem a permanecer
Ao decidir atacar o Irã na
madrugada deste domingo (22), o americano Donald Trump parece
ter feito a aposta de tentar ganhar uma guerra sem necessariamente lidar com
suas causas. É um risco.
A missão militar foi executada com maestria,
com 125 aviões coordenados para atingir três instalações do programa nuclear
dos aiatolás, que, segundo os Estados
Unidos e seu aliado Israel, estaria
prestes a obter a bomba atômica.
A ação —condenada,
aliás, pelo governo brasileiro—
teve grande ajuda do Estado judeu, que por uma semana destruiu defesas aéreas
da teocracia rival. Quando sete bombardeiros B-2 chegaram para lançar suas
exclusivas superbombas contra bunkers, não houve um tiro de resistência.
Mas o feito é aspecto lateral. Trump é um
guerreiro hesitante, tendo burilado uma imagem de presidente diferente, que não
faria dos EUA a polícia do mundo.
Assim, a decisão pelo bombardeio deve ter
impactos domésticos que ele tenta minimizar com ufanismo e a versão de que o
programa nuclear iraniano acabou.
Trata-se de imprecisão, se não inverdade. É
até provável que as instalações tenham sido obliteradas, e cientistas, mortos.
Mas o know-how de como fazer a bomba é um dado público, e o país tem, segundo
a ONU, 400
quilos de urânio perto do nível de enriquecimento necessário para produzir o
artefato bélico.
Teerã afirma que o material está a salvo, o
que também lhe dá argumento para moderar a escalada a que se impôs após o
ataque. Se isso servirá para ambos deixarem o enfrentamento cantando vitória,
como ocorreu em altercações no passado, é incerto.
O Irã, cujas capacidades militares
convencionais se mostraram pífias, ainda tem cartas na manga. Pode, por
exemplo, fechar
o estreito de Hormuz, por onde flui 20% do petróleo do
planeta. Já ameaçou fazê-lo e seu Parlamento votou a favor da medida, se o
governo a desejar.
O impacto no mercado de energia tem potencial
para ser dramático, o que afetaria mais os EUA do que o Irã. Se intervir na
região, sem disparar um tiro contra navios americanos, Teerã seria capaz de
criar uma nova rodada de negociação acerca de seu programa nuclear com Trump.
A teocracia pode agir de outra forma a
qualquer momento, mas insinuou ganhar tempo ao enviar seu chanceler para falar
com o aliado Vladimir
Putin —que busca manter peso relativo no Oriente Médio,
mas não quer se indispor com um
Trump simpático à Rússia na Guerra da Ucrânia.
A despeito de todo o alarido, as raízes da
crise tendem a persistir, mesmo se a trégua vier: o Irã quer ter acesso à bomba
como carta de negociação e seguirá prometendo eliminar Israel.
Esse enredo se confunde com os de outras
crises regionais, a começar pelo nó israelo-palestino, e sugere que a batalha
atual pode até cessar, mas a guerra continua. Trump insiste numa intervenção
militar de baixo custo, o que na vida real é quase oxímoro.
CLT em baixa
Folha de S. Paulo
Datafolha mostra que 59% preferem o trabalho
por conta própria; legislação precisa combinar proteção e flexibilidade
Não é novidade que o mercado
de trabalho passa por profunda transformação rumo a contratos mais
flexíveis. Essa realidade foi reconhecida, felizmente, pela reforma de 2017,
que buscou facilitar a criação de empregos formais.
A própria carteira de trabalho não conta hoje
com grande prestígio. Segundo pesquisa recém-divulgada pelo Datafolha, a
maioria dos brasileiros com mais de 16 anos de idade (59%) declara
preferência pelo trabalho por conta própria, ante 39% que veem mais
vantagens em serem contratados por uma empresa. Essa tendência é ainda mais
pronunciada entre os jovens (68% em favor da autonomia).
O levantamento aponta também que, desde 2022,
os que se inclinam por um contrato CLT, mesmo com rendimento menor, caíram de
77% para 67%. Já a parcela que considera mais importante ganhar mais do que ser
registrado passou de 21% para 31%.
Mulheres (71%) e pessoas com renda até
dois salários mínimos (72%) preferem a carteira.
É possível que o vigor atual do mercado de trabalho favoreça a percepção dos
trabalhadores de que podem aumentar os ganhos sem os encargos trabalhistas.
Não surpreende, assim, que a CLT seja menos
atrativa para trabalhadores qualificados, que enxergam nesses encargos
obstáculo à remuneração.
As consequências dessa mudança são
ambivalentes. A preferência pela autonomia é mais cabível hoje, diante das
transformações tecnológicas globais que abrem novas modalidades de trabalho.
Nesse sentido, é positiva.
A transição para a atuação por conta própria,
com menores proteções da legislação, não é isenta de riscos. Nos estratos de
menor renda, o risco de precarização é maior, assim como a vulnerabilidade em
períodos de crise econômica e mesmo ante práticas desleais de contratantes.
A dependência de plataformas digitais, por
exemplo, expõe entregadores autônomos a condições instáveis, como algoritmos
que reduzem ganhos ou desativam contas sem aviso.
Mesmo assim, é digno de nota que os próprios
trabalhadores prefiram tais condições à tutela
sindical obsoleta e ineficaz.
Os dados mostram que é urgente ao país
ponderar sobre como equilibrar flexibilidade e proteção social. Políticas
públicas que promovam qualificação e inclusão digital são essenciais para
evitar que a busca por autonomia se traduza em precariedade.
É também preciso aprofundar reformas que
facilitem e tornem menos custosa a abertura de postos formais de trabalho.
A aposta de Trump
O Estado de S. Paulo
Ao mandar destruir o programa nuclear
iraniano, presidente dos EUA espera que o Irã aceite a saída diplomática, o que
seria o mais racional. Mas o regime dos aiatolás é imprevisível
Ao ordenar o bombardeio de três instalações
nucleares subterrâneas no Irã – Fordow, Natanz e Isfahan –, o presidente dos
EUA, Donald Trump, não declarou guerra, mas tampouco buscou um gesto meramente
simbólico. A operação, batizada de Martelo da Meia-Noite, foi concebida como um
golpe cirúrgico, preventivo e decisivo, destinado a desarmar Teerã e forçá-la a
negociar. É possível que tenha funcionado: o programa nuclear iraniano foi, com
toda probabilidade, substancialmente retardado. Mas o mundo agora paira num
estado de suspensão. Tudo depende da resposta do Irã.
Trump age, como de hábito, por impulso, mas
não sem cálculo. Ele não quer que o Irã tenha a bomba – e, com o programa
nuclear iraniano severamente atingido após os ataques israelenses das últimas
semanas, viu uma rara janela de oportunidade para liquidar o problema. Ao mesmo
tempo, não quer envolver os EUA numa nova guerra no Oriente Médio. A operação
foi desenhada para “escalar para desescalar” – uma doutrina arriscada, que
aposta que um gesto de força esmagadora criará as condições para a diplomacia. O
risco é não funcionar.
Teerã tem agora três caminhos possíveis. O
primeiro, e mais racional para o próprio Irã, seria a contenção: uma retaliação
simbólica, seguida de recuo tático e retorno às negociações – talvez sob
mediação árabe ou turca –, com o abandono definitivo de suas ambições nucleares
como condição para o fim do isolamento. O segundo, e mais temido, é o da
escalada: ataques a alvos americanos ou israelenses, uso de milícias aliadas no
Líbano, no Iêmen e no Iraque, sabotagens navais, tentativa de fechamento do Estreito
de Ormuz e terrorismo. O terceiro, talvez mais provável, é o cenário
intermediário: o Irã evita uma escalada imediata, mas abandona o Tratado de
Não-Proliferação Nuclear, expulsa inspetores internacionais e tenta reconstruir
seu programa nuclear em segredo, sob nova doutrina de dissuasão.
Todas essas opções têm custos. O regime está
militarmente enfraquecido, politicamente isolado e internamente pressionado.
Dois anos de confronto com Israel – iniciados após o ataque do Hamas em outubro
de 2023 – devastaram sua capacidade defensiva e ofensiva. O espaço aéreo
iraniano foi exposto, suas bases estratégicas, comprometidas, o Hamas, o
Hezbollah e os Houthis foram silenciados, o regime sírio de Bashar al-Assad
caiu. A ação americana coroou esse processo. Se escolher a retaliação, o regime
dos aiatolás arrisca sua própria sobrevivência.
Trump, por sua vez, declarou-se pronto para
negociar. Negou buscar uma mudança de regime, mas exige rendição total do
programa nuclear do Irã. É o tipo de retórica maximalista que pode tanto
assustar quanto provocar. Se funcionar, Trump poderá apresentar-se como o
presidente que finalmente desarmou o Irã sem repetir os erros dos EUA no
Iraque. Se falhar, estará enredado em mais um conflito de longo prazo,
vulnerável a retaliações terroristas, choques do petróleo e turbulência
geopolítica.
Há, sim, distinções cruciais entre este
ataque e as guerras do passado. Não há invasão terrestre. Não há campanha de
mudança de regime por ocupação. O Irã está só: a Rússia está atolada na
Ucrânia; a China, desejosa de estabilidade regional; não há potência disposta a
protegê-lo. O regime vive seu momento mais frágil desde a Revolução Islâmica de
1979. Paradoxalmente, o risco de uma deflagração regional nunca foi tão grande.
A encruzilhada de Teerã lembra a de 1988,
quando o aiatolá Khomeini, após anos de guerra com o Iraque, aceitou uma paz
amarga “como quem bebe um cálice de veneno”. O atual líder supremo, Ali
Khamenei, terá de decidir se segue o mesmo caminho – ou se dobra a aposta. Se
escolher a segunda via, o mundo pode estar às vésperas de um conflito
devastador. “O Irã, o valentão do Oriente Médio, deve agora fazer a paz”, disse
Trump. “Se não o fizer, ataques futuros serão muito maiores e mais fáceis.”
A operação Martelo da Meia-Noite foi
militarmente eficaz, mas geopoliticamente é uma aposta de alto risco. A guerra
pode ter sido evitada. Mas também pode ter começado. Não é possível saber. A
única certeza, por ora, é de que o relógio está correndo – e o próximo
movimento é do Irã.
Ressocialização de presos é possível
O Estado de S. Paulo
Casos relatados por este jornal mostram que
empreender é uma alternativa a egressos do sistema penal, dando-lhes a chance
de recomeçar. Mas ainda faltam investimentos do poder público
Uma reportagem especial deste jornal mostrou
as histórias de três egressos do sistema prisional paulista que fizeram do
empreendedorismo um instrumento de transformação. Leandro Oliveira, de 42 anos,
Alex Peres, de 43, e Karine Vieira, de 44, desenvolveram no cárcere habilidades
que ampliaram as suas perspectivas de vida. Hoje, eles dão oportunidades
àqueles que querem recomeçar, de forma honesta, fora da prisão.
São todos relatos de superação que indicam
que há, sim, caminhos possíveis para a recuperação. Oliveira, por exemplo,
aprendeu informática na prisão, virou professor dos seus colegas e agora é um
gestor universitário que oferece a egressos um curso de desenvolvimento
profissional no qual os orienta sobre como se comportar e qual vocabulário usar
no trabalho.
Peres, por sua vez, aprimorou seu ofício de
barbeiro na penitenciária, é dono de sua própria barbearia e hoje ensina a
profissão a quem deixa o sistema prisional. E Karine, que se formou em Serviço
Social, virou empreendedora social e fundou o Instituto Responsa, no qual
proporciona alternativas para a geração de renda a ex-apenados.
Essas histórias relatadas pelo Estadão dão
esperança porque o empreendedorismo se revela uma poderosa ferramenta aos
egressos que não raro enfrentam dificuldades para se recolocar no mercado
formal após uma passagem pelo cárcere. Trabalhar por conta própria pode ser o
jeito de driblar o preconceito e conquistar uma fonte de subsistência para si
mesmo e sua família.
Mas essas realidades ainda são exceção. Falta
empenho do Estado na criação de oportunidades para apenados e egressos. Segundo
dados do Sistema Nacional de Informações Penais (Sisdepen), do Ministério da
Justiça e Segurança Pública (MJSP), apenas 45% das mais de 1,5 mil unidades
prisionais do País têm oficinas profissionalizantes.
Para piorar, as vagas existentes nessa
modalidade de ensino dão conta de atender somente 8% da população carcerária.
Significa dizer que pouco mais de 50 mil dos 670 mil presos podem ter acesso a
um curso de formação profissional. Além disso, apenas 170 mil presos trabalham
enquanto cumprem a sua pena, e quase metade deles não é remunerada.
Como se vê, os Estados brasileiros não fazem
a sua parte na ressocialização dos presos. E essa tarefa não é um favor, mas,
sim, uma obrigação. É a Lei de Execução Penal (LEP), de 1984, que estabelece
uma série de direitos àqueles que estão privados da liberdade ou que acabaram
de voltar às ruas. E entre eles está garantida a oferta da educação básica, do
ensino profissional e do trabalho.
Embora muitas unidades do sistema carcerário
brasileiro mais pareçam escolas da delinquência dominada por facções criminosas
de norte a sul do País, oferecer caminhos alternativos à reincidência no crime
é a melhor política pública para o apenado, sua família e toda a sociedade.
Mas, para isso, uma rede de apoio que dê suporte aos egressos é necessária, o
que, como mostram os dados e a realidade, demanda ainda muito trabalho do poder
público na promoção e na efetivação da ressocialização.
O Brasil tem avançado lentamente. Só
recentemente o País ganhou a Política Nacional de Atenção à Pessoa Egressa,
que, enfim, regulamentou uma série de artigos presentes há mais de 40 anos na
LEP. E os entes federados ainda destinam pouco orçamento para a reinserção dos
condenados. Em São Paulo, são apenas 2% do orçamento da Secretaria de
Administração Penitenciária (SAP).
A correção de um escárnio
O Estado de S. Paulo
Congresso cumpriu sua obrigação ao reabilitar
indenização a vítimas da epidemia de zika
Na esteira da derrubada de vetos que impôs ao
governo Lula da Silva, o Congresso reabilitou o Projeto de Lei (PL) n.º
6064/2023, da senadora Mara Gabrilli (PSD-SP), que garante indenização de R$ 50
mil e pensão vitalícia a pessoas com microcefalia causada pelo vírus zika.
No início deste ano, o presidente Lula da
Silva, que se vangloria de representar os destituídos como nunca antes na
história deste país, vetou o PL sob a pusilânime justificativa de que a
proposta contrariava o interesse público, criando despesa obrigatória de
caráter continuado sem estimativa de impacto orçamentário.
No país em que o governo federal gasta de
forma desenfreada, em que Congresso infla ainda mais o já bilionário Fundo
Partidário e em que o Orçamento é uma peça de ficção escrita por políticos
perdulários e irresponsáveis, é um escárnio vetar a indenização e a pensão
vitalícia aos portadores de microcefalia causada pelo zika a título de evitar o
desequilíbrio fiscal.
Portanto, a derrubada do veto pelo Congresso
foi correta, um acerto isolado numa sessão legislativa ademais marcada pelo
total descasamento entre as necessidades da sociedade brasileira e os
interesses da classe política.
A epidemia de zika, cujo ápice se deu entre
2015 e 2017, é exemplo desse descasamento. Mulheres grávidas picadas pelo Aedes
aegypti, o mosquito também transmissor da dengue, tiveram zika e acabaram dando
à luz crianças com microcefalia, muitas das quais já falecidas. Os filhos dessa
epidemia, majoritariamente crianças nascidas de mulheres pobres da Região
Nordeste, sem acesso a água limpa e esgoto tratado, têm deficiências severas e
irreversíveis e necessitam de atenção integral e alimentação especial.
E, como as tragédias não costumam vir
desacompanhadas, muitas das mães dessas crianças, negligenciadas pelo Estado
naquilo que há de mais básico, foram ainda abandonadas por seus maridos ou
companheiros, restando sozinhas e sem recursos para o cuidado de crianças
extremamente frágeis.
Ora, se há um motivo para o Estado existir, é
para cuidar dos cidadãos mais vulneráveis. Mesmo que, passada mais de uma
década da epidemia de zika, estudos científicos ainda busquem compreender
amplamente o que levou a essa triste ocorrência, é mais que sabido que o Estado
brasileiro falhou e falha estrepitosamente em garantir condições dignas, como
saneamento básico, para grande parte da população, o que só propicia o
surgimento e a proliferação das mais diversas enfermidades.
Não bastasse isso, o governo que pouco faz
pelo equilíbrio fiscal ainda tentou negar indenização a quem realmente precisa,
desmerecendo o esforço de mães e avós que, num exemplo de articulação,
dedicaram-se a expor a situação que enfrentam com seus filhos aos
congressistas, esforço sem o qual o projeto de lei aprovado não existiria.
Menos mal que o veto indecente a esse auxílio tenha caído. Mas, enquanto seguirem de costas para o Brasil, impedindo que a população tenha acesso ao mais básico, Executivo e Legislativo seguirão condenando o País a doenças diversas – e evitáveis.
Investir mais na formação dos presos, por
óbvio, será muito mais barato do que deixá-los largados à própria sorte. E a
omissão do poder público só faz desse enorme contingente uma potencial mão de
obra para o crime organizado.
Por mais bem-sucedidas e inspiradoras que sejam as histórias de Leandro Oliveira, Alex Peres e Karine Vieira, seus exemplos de superação não são a regra. O Brasil ainda terá de empenhar muitos esforços e recursos para que milhares de presos evitem a reincidência no crime e possam reconstruir sua vida com dignidade.
Conflitos internacionais e o apelo pela existência
Correio Braziliense
Os pedidos por pacificação precisam ter
sucesso prático imediato, cessando as mortes e a ruína
Em meio aos horrores das guerras na Europa e
no Oriente Médio, a estabilidade mundial está ameaçada. Como não bastassem o
confronto da Rússia com a Ucrânia e a tensão na Faixa de Gaza, que se arrastam
aflitivamente, a recente hostilidade entre Israel e Irã possui potencial para
afetar drasticamente o globo — principalmente com a escalada após a
entrada dos Estados Unidos no enfrentamento, com o bombardeio a três
instalações nucleares do país persa, no sábado à noite.
Um combate prolongado entre israelenses e
iranianos, ainda mais com envolvimentos externos, acarreta desdobramentos
amplos, inclusive, na economia e no clima do planeta, uma vez que as nações
terão de buscar alternativas para o mercado de energia com o provável aumento
do preço do petróleo. O fechamento do Estreito de Ormuz, um dos principais
pontos de escoamento do combustível e de gás no mundo, é uma arma que Teerã
pode lançar — e que atingiria indistintos povos.
Habitualmente, os governos e as grandes
empresas do setor decidem entre dois caminhos nesse caso: incentivos às
alternativas renováveis ou aumento na exploração do produto fóssil para obter
lucro maior a partir do valor elevado. Fato é que a situação atual, que
infelizmente foi vista antes, novamente evidencia como as crises geopolíticas,
além dos efeitos financeiros, exercem impacto também na luta contra o
aquecimento global. A necessidade de uma completa transição para fontes
sustentáveis — que não agride a natureza — fica escancarada diante de
outra preocupante instabilidade no Oriente.
Esforços amplos que restabeleçam a paz na
região, motivados em primeiro lugar pela conservação de vidas, devem trabalhar,
ainda, pensando na preservação ambiental. O apelo pelo entendimento começa pela
garantia dos direitos humanitários, mas nada impede que ganhe o reforço da
defesa climática. Em sua quarta carta à comunidade internacional, divulgada na
última sexta-feira, a presidência brasileira da COP 30 — conferência do
clima da ONU, que acontece de 10 a 21 de novembro em Belém (PA) — lançou
uma agenda de ações que coloca em destaque justamente a discussão sobre matriz
energética.
Triplicar renováveis duplicando a eficiência;
acelerar tecnologias de zero e baixas emissões em áreas de difícil
descarbonização; assegurar o acesso universal à energia; desenvolver a mudança
para o afastamento dos combustíveis fósseis, de forma justa, ordenada e
equitativa. Esses quatro pontos, que estão descritos no topo da lista do
documento, dialogam com a urgência do fim da crueldade da guerra.
O mutirão mundial que vai se estabelecer no
evento no Norte do Brasil acrescenta esse desafio em sua pauta: fazer com que a
diplomacia se fortaleça diante dos embates, poupando vidas, destruição e
retrocesso em políticas ambientais. É triste que a humanidade conviva sob a
ameaça e a realidade de conflitos devastadores. A profundidade do confronto no
Oriente, que prejudica diretamente milhões de pessoas, pode alcançar distâncias
impensáveis até agora.
Os pedidos por pacificação precisam ter
sucesso prático imediato, cessando as mortes e a ruína. Com a sombra de
artefatos nucleares e a interdependência econômica mundial, a existência no
planeta depende de harmonia. Sem o devido respeito, vidas seguirão sendo
perdidas — seja por meio do uso de armas e vítimas das consequências das
alterações climáticas. O planeta não suporta mais guerras, assim como não
aguenta o avanço do aquecimento. O agravamento do conflito entre Israel e Irã,
com o perigo nuclear e o risco de aumento do valor do petróleo, pode apresentar
resultados trágicos sem precedentes. Neste momento, o apelo pela paz é urgente
e os interlocutores internacionais precisam pensar globalmente, deixando de
lado os interesses particulares.
Luz elétrica não é extravagância
O Povo (CE)
O risco de aumento nas contas de energia
reapareceu recentemente, quando a Câmara dos Deputados e o Senado Federal
derrubaram um veto importante do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a um
"jabuti" incluído na lei que regulamenta as eólicas offshore
É difícil imaginar um mundo, hoje, sem
internet. Mais desafiador ainda é concebê-lo sem sequer luz elétrica. Segundo
dados de uma pesquisa do Instituto Inteligência em Pesquisa e Consultoria
Estratégica (Ipec), realizada para o Instituto Pólis, essa realidade é palpável
para 36% dos brasileiros, que precisam comprometer metade da renda
mensal apenas para pagar a conta de energia elétrica.
Ou seja, resta-lhes a outra metade para
comprar comida, pagar o aluguel, garantir acesso à água, ao transporte para o
trabalho, ao lazer e ao material escolar dos filhos. A conta não fecha — e
milhões de brasileiros sentem isso na pele.
É nesse contexto que o Congresso
Nacional retalia o Governo Federal, no eterno cabo de guerra em que quem
cai na lama é sempre a população mais pobre. O risco de aumento nas contas de
energia reapareceu recentemente, quando a Câmara dos Deputados e o Senado
Federal derrubaram um veto importante do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a
um "jabuti" incluído na lei que regulamenta as eólicas offshore.
Havia, no projeto do Congresso, dispositivos
que previam incentivos fiscais sem relação direta com o objeto da lei. O
impacto é estimado em R$ 197 bilhões ao longo de 25 anos, o que pode
gerar um efeito cascata, resultando em um aumento de até 3,5% na conta de luz.
Se, de um lado, a derrubada do veto expõe a
inabilidade do governo Lula em articular-se com deputados e senadores, por
outro, revela a disposição do Congresso Nacional em usar a população pobre como
refém para desgastar a já combalida imagem do presidente da República — que, em
2026, deve enfrentar sua sétima campanha presidencial.
Grande parte da população brasileira — e um
percentual ainda maior quando se observa apenas o Ceará, estado
majoritariamente pobre — depende de benefícios sociais para manter a luz
elétrica em casa.
O impacto da derrubada do veto pode ser
parcialmente atenuado para a população de baixa renda graças às novas regras
da Tarifa Social de Energia Elétrica, que entram em vigor a partir de 5 de
julho. A mudança, aprovada pela Agência Nacional de Energia Elétrica e
sancionada por Lula, garante gratuidade da tarifa para famílias beneficiárias
que consumirem até 80 quilowatts-hora (kWh) por mês.
O Ceará é um dos estados mais beneficiados
pela medida, com 5,42 milhões de pessoas aptas a receber o auxílio, podendo
zerar a conta ou pagar apenas o excedente do consumo. Mas, com isso, surge
outra questão: se a arrecadação vai diminuir, quem irá suprir a demanda extra
de R$ 197 bilhões criada pelo Congresso com as isenções previstas na lei das
eólicas offshore?
Corre-se o risco de essa importante ampliação
da gratuidade não ver a luz do dia. Corre-se o risco de a classe
média ter de arcar com uma fatia ainda maior do aumento na tarifa de energia
elétrica.
O fato é que Congresso e Governo parecem incapazes de falar a mesma língua — e quem sempre paga a conta é a população.
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