segunda-feira, 23 de junho de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Ataque americano redefine futuro do Oriente Médio

O Globo

Ainda persistem incertezas, mas um Irã enfraquecido, sem artefatos nucleares, é um cenário positivo

Há diversas dúvidas sobre os desdobramentos do ataque inédito dos Estados Unidos contra as instalações nucleares do Irã na madrugada deste domingo. Um fato, contudo, está claro: se ele destruiu a capacidade iraniana de fazer a bomba atômica, o Oriente Médio e, portanto, o planeta estão mais seguros.

Depois de simular hesitação e de afirmar que levaria duas semanas para responder ao pedido de Israel por bombardeios às centrais de enriquecimento de urânio do Irã, Donald Trump, autorizou um ataque surpresa que, nas palavras dele, “obliterou completamente” o programa nuclear iraniano. Pela primeira vez foram usadas armas capazes de atingir centrífugas e outros equipamentos instalados nas profundezas subterrâneas. A atitude de Trump foi correta.

O principal alvo foi a usina de Fordow, incrustada numa montanha e apontada como principal base do programa secreto da bomba iraniana. Também foram atingidos o subsolo da central de Natanz (já danificada por bombardeios israelenses) e instalações de Isfahan onde se acreditava haver urânio em quantidade suficiente para uma dezena de artefatos nucleares. Os ataques se voltaram sobretudo contra alvos que Israel não teria como atingir com os armamentos de que dispõe. Até pelo ineditismo, é incerta a extensão dos danos, e o Irã afirmou que manterá seu programa nuclear.

A principal dúvida para o mundo está no alcance da reação iraniana, que determinará o grau de envolvimento dos americanos na guerra. Do ponto de vista militar, o Irã está enfraquecido pelos ataques israelenses das últimas semanas e pelo desmantelamento de suas forças títeres — como Hamas em Gaza, Hezbollah no Líbano e o governo Bashar Assad na Síria. O temor é que tente atingir os 40 mil soldados americanos em bases do Oriente Médio, boa parte em países do Golfo que não têm simpatia pela bomba iraniana, mas querem distância do conflito.

O regime dos aiatolás ainda conta com apoio dos houthis do Iêmen, que ameaçaram voltar a atacar navios americanos no Mar Vermelho. Com autorização do Parlamento, o governo de Teerã também se prepara para fechar militarmente o Estreito de Ormuz, passagem do Golfo para o Oceano Índico por onde circula diariamente um quinto do consumo global de petróleo. O impacto imediato será a alta no preço do barril, embora seja difícil avaliar por quanto tempo tal medida seria eficaz, tamanha a a devastação que Israel tem provocado nas Forças Armadas e no comando militar iraniano.

O governo Trump deu sinal de que não haveria mais ataques se o Irã voltasse à mesa de negociação, comprometendo-se a abandonar suas ambições nucleares. Também descartou pressão militar para derrubar o regime teocrático. As cicatrizes do Iraque e do Afeganistão são recentes e, apesar do ataque de domingo, há nítida vocação isolacionista nas hostes trumpistas. Um conflito amplo também não interessa a China ou Rússia, sustentáculos dos aiatolás. Ainda que a teocracia se mantenha, o Irã ficou mais fraco.

Um Irã sem artefatos nucleares é um cenário positivo para o planeta. O melhor que os iranianos têm a fazer é aceitar a derrota e negociar um cessar-fogo. Os fatos recentes demonstram que a insistência em criar uma potência nuclear capaz de ameaçar Israel e Estados Unidos só tem causado sofrimento — sobretudo para os próprios iranianos.

Polícia terá de se modernizar para enfrentar crime cometido com IA

O Globo

PF desbaratou quadrilha que fraudava sistema de reconhecimento facial da plataforma gov.br

Com acesso a ferramentas de inteligência artificial (IA), assaltantes e estelionatários têm conseguido atacar suas vítimas por meio das telas de computador e celular, redobrando a necessidade de cuidados ao navegar pela internet e criando um novo desafio para a polícia. Um exemplo do ponto a que chegaram os criminosos foi desvendado pela Polícia Federal (PF) na operação Face Off (assim batizada em referência ao filme de ficção científica em que dois personagens trocam de rosto). A quadrilha, que agia nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Ceará, Paraíba, Mato Grosso, Santa Catarina, Paraná e Tocantins, enganava a biometria exigida pela plataforma gov.br para obter acesso a informações privadas.

Uma fragilidade do gov.br é a configuração menos detalhista na checagem dos rostos, necessária para não criar problemas numa plataforma acessada por milhões. Para compensar a limitação, há um sistema de reconhecimento em dois níveis, com o envio de um código ao celular do dono da conta, digitado depois da senha. “Mas, à medida que a tecnologia vai melhorando, os golpes também vão se aperfeiçoando”, diz o pesquisador Fábio Assolini, da empresa de cibersegurança Kaspersky. Ele lembra que, antes, golpistas colavam fotos de rostos em bonecos, na tentativa de driblar a biometria. Agora, com os recursos oferecidos pela IA na manipulação de imagens, passou a ser possível burlar sistemas de reconhecimento facial com menos dificuldade.

Em outubro do ano passado, a Polícia Civil de Brasília desbaratou um esquema semelhante ao descoberto pela PF que tinha como objetivo a invasão de contas bancárias. Um dos suspeitos chegou a fazer 550 tentativas de invasão com o emprego de deepfakes, técnicas baseadas em IA para criar e alterar imagens. O grupo movimentou cerca de R$ 50 milhões de empresas e pessoas físicas. Tomou empréstimos em nome das vítimas, a maioria delas funcionários públicos, com acesso fácil a crédito bancário. Outra quadrilha brasileira, autointitulada Gringo 171, se especializou em vender sistemas de ataques por IA de forma clandestina em plataformas como o aplicativo Telegram.

Por trás da profusão de novos crimes está o avanço ocorrido nos últimos três anos nas ferramentas de IA, em especial as de criação e edição de imagem e áudio. Para as organizações, uma questão-chave é a calibragem da tecnologia. Não dá para ser exigente a ponto de impedir o acesso dos verdadeiros donos das contas, mas é fundamental evitar ser permissivo em demasia, criando vulnerabilidades. A sociedade estará cada vez mais exposta se, além dos administradores de plataformas, a própria polícia não acompanhar a corrida de golpistas atrás de ferramentas digitais cada vez mais sofisticadas, acessíveis e fáceis de usar.

‘Apagões’ na máquina pública podem vir antes do previsto

Valor Econômico

O governo deveria parar de estimular a economia e rever as medidas que fragilizaram o regime fiscal

O governo federal poderá ficar sem recursos para cumprir parte de suas funções públicas elementares antes do previsto, já em 2026. Um alerta de que a fatia de recursos livres para gastos discricionários encolhe rapidamente foi dado pelo próprio governo, no anexo IV do projeto de lei de diretrizes orçamentárias (PLDO) de 2026. Isso deveria ocorrer em 2027, mas há sério risco de penúria já no ano que vem (Valor, 18-5). É, de qualquer forma, quase uma certeza nos próximos anos se não forem tomadas medidas sérias para controlar despesas e não houver algum aumento de receitas - via cada vez mais obstruída pela reação negativa da sociedade e do Congresso a novas altas de impostos.

Descontadas as emendas impositivas e as de comissão, orçadas em R$ 56,5 bilhões em 2027, e os R$ 76 bilhões correspondentes à complementação ao mínimo constitucional para saúde e educação, haverá no ano um déficit de R$ 10,9 bilhões para as despesas de custeio e serviços da máquina pública (água, luz e telefone, fornecimento de passaportes etc). As regras do regime fiscal não poderão ser cumpridas sob risco de paralisia do Estado.

Em 2026, haverá disponíveis R$ 83 bilhões para as despesas discricionárias (sem emendas, saúde e educação), mas os economistas da consultoria BRCG Matheus Rosa Ribeiro e Livio Ribeiro fizeram as contas e concluíram que pode faltar dinheiro. Há uma folga de apenas R$ 5,6 bilhões a R$ 8,7 bilhões - espaço entre o gasto previsto e o mínimo para o Estado funcionar - e, no limite, poderão faltar R$ 2,2 bilhões no ano que vem. O governo não terá qualquer espaço para contingenciar recursos e terá de cortar despesas ou elevar receitas (Valor, 18-6). A situação piora, e muito, em 2027, quando os economistas calculam que fará falta para manter a máquina pública funcionando de 0,61% a 0,66% do PIB, ou de R$ 89,5 bilhões a R$ 97,6 bilhões. Os cálculos oficiais dão uma ideia do problema. Pelo PLDO, haverá carência de R$ 10,9 bilhões em 2027 para cumprir todas as despesas obrigatórias e em 2028, de R$ 87,3 bilhões.

Além disso, as metas fiscais estão cada vez mais difíceis de serem cumpridas, ainda que o governo mire o piso delas, de -0,25% do PIB este ano, ou R$ 31 bilhões. Com a inclusão dos precatórios, o déficit real será de R$ 77 bilhões. Em 2026, o governo terá de equilibrar as contas, depois da calculada e conveniente mudança na meta antes mesmo de seu primeiro ano de vigência, que o livrou de fato da obrigação de obter qualquer superávit primário até o fim do mandato. Para observar as regras que sua equipe elaborou, terá de conter despesas em pleno ano eleitoral. Não há garantia de que isso vai ocorrer, pelo seu comportamento até agora.

As estatísticas fiscais revelam que a esperança de que o novo regime conduziria aos poucos ao equilíbrio das contas públicas e frearia a evolução do endividamento não passou de miragem. Ele foi criado para abrir espaço para gastos. As virtudes anticíclicas do mecanismo, que garantiria crescimento de gastos quando a economia estivesse se retraindo, foram propaganda. Com a economia em boa forma e a arrecadação batendo recordes, a elevação das despesas foi inconveniente e abertamente procíclica, tendo como efeito a alta da inflação e sua resistência à queda. O Planalto não deu e não dá importância a isso porque acredita que o gasto público é o indutor da expansão econômica.

O novo regime poderia se sustentar por mais tempo sobre suas pernas, apesar dos defeitos, mas sucumbiu diante da enorme carga extra que teve de carregar. O aumento real do salário mínimo faz os gastos da Previdência (50% do total), do BPC, auxílio desemprego e abono salarial crescerem bem mais que o permitido pela regra fiscal. A complementação de saúde e educação voltou a ser atreladas à receita, que tem batido recordes. Além disso, e sem repercussão no resultado primário, o Planalto está usando o Fundo Social no BNDES e programas sociais - valor que pulou de R$ 25 bilhões em 2023 para R$ 74 bilhões agora (Folha de S. Paulo, 20-6) - e recursos de fundos privados para estimular o crédito.

O governo Lula não quer deixar a economia perder o ritmo, o que precisa acontecer para que a meta de inflação seja cumprida. Ao insistir em estímulos diretos e indiretos, fica no pior dos mundos. Paga hoje a segunda maior taxa de juros real do mundo sobre um déficit crescente, uma carga que poderá ultrapassar R$ 1 trilhão este ano. Pelas projeções oficiais, a dívida bruta chegará ao fim do ano em 78,5% do PIB e no fim do mandato, em 2026, a 81,8% do PIB, com um acréscimo forte de 9 pontos percentuais em relação a quando Lula assumiu a Presidência.

A proximidade do calendário eleitoral reforça a fragilidade do governo no Congresso e as dificuldades para corrigir a rota fiscal por meio de aumento das receitas. Em três dias da semana passada, o governo teve uma grande série de reveses legislativos. O aumento do IOF, mesmo atenuado, e o fim da isenção de vários títulos de renda fixa propostos podem ser rejeitados. O governo deveria parar de estimular a economia e rever as medidas que fragilizaram o regime fiscal sob pena de elas o deixarem em pleno ano eleitoral com penúria orçamentária, além de frágil popularidade.

Trump tenta intervenção de baixo custo ao atacar o Irã

Folha de S. Paulo

Mesmo que a resposta de Teerã seja comedida, as razões fundamentais da crise com Israel e os EUA tendem a permanecer

Ao decidir atacar o Irã na madrugada deste domingo (22), o americano Donald Trump parece ter feito a aposta de tentar ganhar uma guerra sem necessariamente lidar com suas causas. É um risco.

A missão militar foi executada com maestria, com 125 aviões coordenados para atingir três instalações do programa nuclear dos aiatolás, que, segundo os Estados Unidos e seu aliado Israel, estaria prestes a obter a bomba atômica.

A ação —condenada, aliás, pelo governo brasileiro— teve grande ajuda do Estado judeu, que por uma semana destruiu defesas aéreas da teocracia rival. Quando sete bombardeiros B-2 chegaram para lançar suas exclusivas superbombas contra bunkers, não houve um tiro de resistência.

Mas o feito é aspecto lateral. Trump é um guerreiro hesitante, tendo burilado uma imagem de presidente diferente, que não faria dos EUA a polícia do mundo.

Assim, a decisão pelo bombardeio deve ter impactos domésticos que ele tenta minimizar com ufanismo e a versão de que o programa nuclear iraniano acabou.

Trata-se de imprecisão, se não inverdade. É até provável que as instalações tenham sido obliteradas, e cientistas, mortos. Mas o know-how de como fazer a bomba é um dado público, e o país tem, segundo a ONU, 400 quilos de urânio perto do nível de enriquecimento necessário para produzir o artefato bélico.

Teerã afirma que o material está a salvo, o que também lhe dá argumento para moderar a escalada a que se impôs após o ataque. Se isso servirá para ambos deixarem o enfrentamento cantando vitória, como ocorreu em altercações no passado, é incerto.

O Irã, cujas capacidades militares convencionais se mostraram pífias, ainda tem cartas na manga. Pode, por exemplo, fechar o estreito de Hormuz, por onde flui 20% do petróleo do planeta. Já ameaçou fazê-lo e seu Parlamento votou a favor da medida, se o governo a desejar.

O impacto no mercado de energia tem potencial para ser dramático, o que afetaria mais os EUA do que o Irã. Se intervir na região, sem disparar um tiro contra navios americanos, Teerã seria capaz de criar uma nova rodada de negociação acerca de seu programa nuclear com Trump.

A teocracia pode agir de outra forma a qualquer momento, mas insinuou ganhar tempo ao enviar seu chanceler para falar com o aliado Vladimir Putin —que busca manter peso relativo no Oriente Médio, mas não quer se indispor com um Trump simpático à Rússia na Guerra da Ucrânia.

A despeito de todo o alarido, as raízes da crise tendem a persistir, mesmo se a trégua vier: o Irã quer ter acesso à bomba como carta de negociação e seguirá prometendo eliminar Israel.

Esse enredo se confunde com os de outras crises regionais, a começar pelo nó israelo-palestino, e sugere que a batalha atual pode até cessar, mas a guerra continua. Trump insiste numa intervenção militar de baixo custo, o que na vida real é quase oxímoro.

CLT em baixa

Folha de S. Paulo

Datafolha mostra que 59% preferem o trabalho por conta própria; legislação precisa combinar proteção e flexibilidade

Não é novidade que o mercado de trabalho passa por profunda transformação rumo a contratos mais flexíveis. Essa realidade foi reconhecida, felizmente, pela reforma de 2017, que buscou facilitar a criação de empregos formais.

A própria carteira de trabalho não conta hoje com grande prestígio. Segundo pesquisa recém-divulgada pelo Datafolha, a maioria dos brasileiros com mais de 16 anos de idade (59%) declara preferência pelo trabalho por conta própria, ante 39% que veem mais vantagens em serem contratados por uma empresa. Essa tendência é ainda mais pronunciada entre os jovens (68% em favor da autonomia).

O levantamento aponta também que, desde 2022, os que se inclinam por um contrato CLT, mesmo com rendimento menor, caíram de 77% para 67%. Já a parcela que considera mais importante ganhar mais do que ser registrado passou de 21% para 31%.

Mulheres (71%) e pessoas com renda até dois salários mínimos (72%) preferem a carteira.
É possível que o vigor atual do mercado de trabalho favoreça a percepção dos trabalhadores de que podem aumentar os ganhos sem os encargos trabalhistas.

Não surpreende, assim, que a CLT seja menos atrativa para trabalhadores qualificados, que enxergam nesses encargos obstáculo à remuneração.

As consequências dessa mudança são ambivalentes. A preferência pela autonomia é mais cabível hoje, diante das transformações tecnológicas globais que abrem novas modalidades de trabalho. Nesse sentido, é positiva.

A transição para a atuação por conta própria, com menores proteções da legislação, não é isenta de riscos. Nos estratos de menor renda, o risco de precarização é maior, assim como a vulnerabilidade em períodos de crise econômica e mesmo ante práticas desleais de contratantes.

A dependência de plataformas digitais, por exemplo, expõe entregadores autônomos a condições instáveis, como algoritmos que reduzem ganhos ou desativam contas sem aviso.

Mesmo assim, é digno de nota que os próprios trabalhadores prefiram tais condições à tutela sindical obsoleta e ineficaz.

Os dados mostram que é urgente ao país ponderar sobre como equilibrar flexibilidade e proteção social. Políticas públicas que promovam qualificação e inclusão digital são essenciais para evitar que a busca por autonomia se traduza em precariedade.

É também preciso aprofundar reformas que facilitem e tornem menos custosa a abertura de postos formais de trabalho.

A aposta de Trump

O Estado de S. Paulo

Ao mandar destruir o programa nuclear iraniano, presidente dos EUA espera que o Irã aceite a saída diplomática, o que seria o mais racional. Mas o regime dos aiatolás é imprevisível

Ao ordenar o bombardeio de três instalações nucleares subterrâneas no Irã – Fordow, Natanz e Isfahan –, o presidente dos EUA, Donald Trump, não declarou guerra, mas tampouco buscou um gesto meramente simbólico. A operação, batizada de Martelo da Meia-Noite, foi concebida como um golpe cirúrgico, preventivo e decisivo, destinado a desarmar Teerã e forçá-la a negociar. É possível que tenha funcionado: o programa nuclear iraniano foi, com toda probabilidade, substancialmente retardado. Mas o mundo agora paira num estado de suspensão. Tudo depende da resposta do Irã.

Trump age, como de hábito, por impulso, mas não sem cálculo. Ele não quer que o Irã tenha a bomba – e, com o programa nuclear iraniano severamente atingido após os ataques israelenses das últimas semanas, viu uma rara janela de oportunidade para liquidar o problema. Ao mesmo tempo, não quer envolver os EUA numa nova guerra no Oriente Médio. A operação foi desenhada para “escalar para desescalar” – uma doutrina arriscada, que aposta que um gesto de força esmagadora criará as condições para a diplomacia. O risco é não funcionar.

Teerã tem agora três caminhos possíveis. O primeiro, e mais racional para o próprio Irã, seria a contenção: uma retaliação simbólica, seguida de recuo tático e retorno às negociações – talvez sob mediação árabe ou turca –, com o abandono definitivo de suas ambições nucleares como condição para o fim do isolamento. O segundo, e mais temido, é o da escalada: ataques a alvos americanos ou israelenses, uso de milícias aliadas no Líbano, no Iêmen e no Iraque, sabotagens navais, tentativa de fechamento do Estreito de Ormuz e terrorismo. O terceiro, talvez mais provável, é o cenário intermediário: o Irã evita uma escalada imediata, mas abandona o Tratado de Não-Proliferação Nuclear, expulsa inspetores internacionais e tenta reconstruir seu programa nuclear em segredo, sob nova doutrina de dissuasão.

Todas essas opções têm custos. O regime está militarmente enfraquecido, politicamente isolado e internamente pressionado. Dois anos de confronto com Israel – iniciados após o ataque do Hamas em outubro de 2023 – devastaram sua capacidade defensiva e ofensiva. O espaço aéreo iraniano foi exposto, suas bases estratégicas, comprometidas, o Hamas, o Hezbollah e os Houthis foram silenciados, o regime sírio de Bashar al-Assad caiu. A ação americana coroou esse processo. Se escolher a retaliação, o regime dos aiatolás arrisca sua própria sobrevivência.

Trump, por sua vez, declarou-se pronto para negociar. Negou buscar uma mudança de regime, mas exige rendição total do programa nuclear do Irã. É o tipo de retórica maximalista que pode tanto assustar quanto provocar. Se funcionar, Trump poderá apresentar-se como o presidente que finalmente desarmou o Irã sem repetir os erros dos EUA no Iraque. Se falhar, estará enredado em mais um conflito de longo prazo, vulnerável a retaliações terroristas, choques do petróleo e turbulência geopolítica.

Há, sim, distinções cruciais entre este ataque e as guerras do passado. Não há invasão terrestre. Não há campanha de mudança de regime por ocupação. O Irã está só: a Rússia está atolada na Ucrânia; a China, desejosa de estabilidade regional; não há potência disposta a protegê-lo. O regime vive seu momento mais frágil desde a Revolução Islâmica de 1979. Paradoxalmente, o risco de uma deflagração regional nunca foi tão grande.

A encruzilhada de Teerã lembra a de 1988, quando o aiatolá Khomeini, após anos de guerra com o Iraque, aceitou uma paz amarga “como quem bebe um cálice de veneno”. O atual líder supremo, Ali Khamenei, terá de decidir se segue o mesmo caminho – ou se dobra a aposta. Se escolher a segunda via, o mundo pode estar às vésperas de um conflito devastador. “O Irã, o valentão do Oriente Médio, deve agora fazer a paz”, disse Trump. “Se não o fizer, ataques futuros serão muito maiores e mais fáceis.”

A operação Martelo da Meia-Noite foi militarmente eficaz, mas geopoliticamente é uma aposta de alto risco. A guerra pode ter sido evitada. Mas também pode ter começado. Não é possível saber. A única certeza, por ora, é de que o relógio está correndo – e o próximo movimento é do Irã.

Ressocialização de presos é possível

O Estado de S. Paulo

Casos relatados por este jornal mostram que empreender é uma alternativa a egressos do sistema penal, dando-lhes a chance de recomeçar. Mas ainda faltam investimentos do poder público

Uma reportagem especial deste jornal mostrou as histórias de três egressos do sistema prisional paulista que fizeram do empreendedorismo um instrumento de transformação. Leandro Oliveira, de 42 anos, Alex Peres, de 43, e Karine Vieira, de 44, desenvolveram no cárcere habilidades que ampliaram as suas perspectivas de vida. Hoje, eles dão oportunidades àqueles que querem recomeçar, de forma honesta, fora da prisão.

São todos relatos de superação que indicam que há, sim, caminhos possíveis para a recuperação. Oliveira, por exemplo, aprendeu informática na prisão, virou professor dos seus colegas e agora é um gestor universitário que oferece a egressos um curso de desenvolvimento profissional no qual os orienta sobre como se comportar e qual vocabulário usar no trabalho.

Peres, por sua vez, aprimorou seu ofício de barbeiro na penitenciária, é dono de sua própria barbearia e hoje ensina a profissão a quem deixa o sistema prisional. E Karine, que se formou em Serviço Social, virou empreendedora social e fundou o Instituto Responsa, no qual proporciona alternativas para a geração de renda a ex-apenados.

Essas histórias relatadas pelo Estadão dão esperança porque o empreendedorismo se revela uma poderosa ferramenta aos egressos que não raro enfrentam dificuldades para se recolocar no mercado formal após uma passagem pelo cárcere. Trabalhar por conta própria pode ser o jeito de driblar o preconceito e conquistar uma fonte de subsistência para si mesmo e sua família.

Mas essas realidades ainda são exceção. Falta empenho do Estado na criação de oportunidades para apenados e egressos. Segundo dados do Sistema Nacional de Informações Penais (Sisdepen), do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), apenas 45% das mais de 1,5 mil unidades prisionais do País têm oficinas profissionalizantes.

Para piorar, as vagas existentes nessa modalidade de ensino dão conta de atender somente 8% da população carcerária. Significa dizer que pouco mais de 50 mil dos 670 mil presos podem ter acesso a um curso de formação profissional. Além disso, apenas 170 mil presos trabalham enquanto cumprem a sua pena, e quase metade deles não é remunerada.

Como se vê, os Estados brasileiros não fazem a sua parte na ressocialização dos presos. E essa tarefa não é um favor, mas, sim, uma obrigação. É a Lei de Execução Penal (LEP), de 1984, que estabelece uma série de direitos àqueles que estão privados da liberdade ou que acabaram de voltar às ruas. E entre eles está garantida a oferta da educação básica, do ensino profissional e do trabalho.

Embora muitas unidades do sistema carcerário brasileiro mais pareçam escolas da delinquência dominada por facções criminosas de norte a sul do País, oferecer caminhos alternativos à reincidência no crime é a melhor política pública para o apenado, sua família e toda a sociedade. Mas, para isso, uma rede de apoio que dê suporte aos egressos é necessária, o que, como mostram os dados e a realidade, demanda ainda muito trabalho do poder público na promoção e na efetivação da ressocialização.

O Brasil tem avançado lentamente. Só recentemente o País ganhou a Política Nacional de Atenção à Pessoa Egressa, que, enfim, regulamentou uma série de artigos presentes há mais de 40 anos na LEP. E os entes federados ainda destinam pouco orçamento para a reinserção dos condenados. Em São Paulo, são apenas 2% do orçamento da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP).

A correção de um escárnio

O Estado de S. Paulo

Congresso cumpriu sua obrigação ao reabilitar indenização a vítimas da epidemia de zika

Na esteira da derrubada de vetos que impôs ao governo Lula da Silva, o Congresso reabilitou o Projeto de Lei (PL) n.º 6064/2023, da senadora Mara Gabrilli (PSD-SP), que garante indenização de R$ 50 mil e pensão vitalícia a pessoas com microcefalia causada pelo vírus zika.

No início deste ano, o presidente Lula da Silva, que se vangloria de representar os destituídos como nunca antes na história deste país, vetou o PL sob a pusilânime justificativa de que a proposta contrariava o interesse público, criando despesa obrigatória de caráter continuado sem estimativa de impacto orçamentário.

No país em que o governo federal gasta de forma desenfreada, em que Congresso infla ainda mais o já bilionário Fundo Partidário e em que o Orçamento é uma peça de ficção escrita por políticos perdulários e irresponsáveis, é um escárnio vetar a indenização e a pensão vitalícia aos portadores de microcefalia causada pelo zika a título de evitar o desequilíbrio fiscal.

Portanto, a derrubada do veto pelo Congresso foi correta, um acerto isolado numa sessão legislativa ademais marcada pelo total descasamento entre as necessidades da sociedade brasileira e os interesses da classe política.

A epidemia de zika, cujo ápice se deu entre 2015 e 2017, é exemplo desse descasamento. Mulheres grávidas picadas pelo Aedes aegypti, o mosquito também transmissor da dengue, tiveram zika e acabaram dando à luz crianças com microcefalia, muitas das quais já falecidas. Os filhos dessa epidemia, majoritariamente crianças nascidas de mulheres pobres da Região Nordeste, sem acesso a água limpa e esgoto tratado, têm deficiências severas e irreversíveis e necessitam de atenção integral e alimentação especial.

E, como as tragédias não costumam vir desacompanhadas, muitas das mães dessas crianças, negligenciadas pelo Estado naquilo que há de mais básico, foram ainda abandonadas por seus maridos ou companheiros, restando sozinhas e sem recursos para o cuidado de crianças extremamente frágeis.

Ora, se há um motivo para o Estado existir, é para cuidar dos cidadãos mais vulneráveis. Mesmo que, passada mais de uma década da epidemia de zika, estudos científicos ainda busquem compreender amplamente o que levou a essa triste ocorrência, é mais que sabido que o Estado brasileiro falhou e falha estrepitosamente em garantir condições dignas, como saneamento básico, para grande parte da população, o que só propicia o surgimento e a proliferação das mais diversas enfermidades.

Não bastasse isso, o governo que pouco faz pelo equilíbrio fiscal ainda tentou negar indenização a quem realmente precisa, desmerecendo o esforço de mães e avós que, num exemplo de articulação, dedicaram-se a expor a situação que enfrentam com seus filhos aos congressistas, esforço sem o qual o projeto de lei aprovado não existiria.

Menos mal que o veto indecente a esse auxílio tenha caído. Mas, enquanto seguirem de costas para o Brasil, impedindo que a população tenha acesso ao mais básico, Executivo e Legislativo seguirão condenando o País a doenças diversas – e evitáveis.

Investir mais na formação dos presos, por óbvio, será muito mais barato do que deixá-los largados à própria sorte. E a omissão do poder público só faz desse enorme contingente uma potencial mão de obra para o crime organizado.

Por mais bem-sucedidas e inspiradoras que sejam as histórias de Leandro Oliveira, Alex Peres e Karine Vieira, seus exemplos de superação não são a regra. O Brasil ainda terá de empenhar muitos esforços e recursos para que milhares de presos evitem a reincidência no crime e possam reconstruir sua vida com dignidade.

 Conflitos internacionais e o apelo pela existência

Correio Braziliense

Os pedidos por pacificação precisam ter sucesso prático imediato, cessando as mortes e a ruína

Em meio aos horrores das guerras na Europa e no Oriente Médio, a estabilidade mundial está ameaçada. Como não bastassem o confronto da Rússia com a Ucrânia e a tensão na Faixa de Gaza, que se arrastam aflitivamente, a recente hostilidade entre Israel e Irã possui potencial para afetar drasticamente o globo — principalmente com a escalada após a entrada dos Estados Unidos no enfrentamento, com o bombardeio a três instalações nucleares do país persa, no sábado à noite.

Um combate prolongado entre israelenses e iranianos, ainda mais com envolvimentos externos, acarreta desdobramentos amplos, inclusive, na economia e no clima do planeta, uma vez que as nações terão de buscar alternativas para o mercado de energia com o provável aumento do preço do petróleo. O fechamento do Estreito de Ormuz, um dos principais pontos de escoamento do combustível e de gás no mundo, é uma arma que Teerã pode lançar — e que atingiria indistintos povos.

Habitualmente, os governos e as grandes empresas do setor decidem entre dois caminhos nesse caso: incentivos às alternativas renováveis ou aumento na exploração do produto fóssil para obter lucro maior a partir do valor elevado. Fato é que a situação atual, que infelizmente foi vista antes, novamente evidencia como as crises geopolíticas, além dos efeitos financeiros, exercem impacto também na luta contra o aquecimento global. A necessidade de uma completa transição para fontes sustentáveis — que não agride a natureza — fica escancarada diante de outra preocupante instabilidade no Oriente.

Esforços amplos que restabeleçam a paz na região, motivados em primeiro lugar pela conservação de vidas, devem trabalhar, ainda, pensando na preservação ambiental. O apelo pelo entendimento começa pela garantia dos direitos humanitários, mas nada impede que ganhe o reforço da defesa climática. Em sua quarta carta à comunidade internacional, divulgada na última sexta-feira, a presidência brasileira da COP 30 — conferência do clima da ONU, que acontece de 10 a 21 de novembro em Belém (PA) — lançou uma agenda de ações que coloca em destaque justamente a discussão sobre matriz energética.

Triplicar renováveis duplicando a eficiência; acelerar tecnologias de zero e baixas emissões em áreas de difícil descarbonização; assegurar o acesso universal à energia; desenvolver a mudança para o afastamento dos combustíveis fósseis, de forma justa, ordenada e equitativa. Esses quatro pontos, que estão descritos no topo da lista do documento, dialogam com a urgência do fim da crueldade da guerra.

O mutirão mundial que vai se estabelecer no evento no Norte do Brasil acrescenta esse desafio em sua pauta: fazer com que a diplomacia se fortaleça diante dos embates, poupando vidas, destruição e retrocesso em políticas ambientais. É triste que a humanidade conviva sob a ameaça e a realidade de conflitos devastadores. A profundidade do confronto no Oriente, que prejudica diretamente milhões de pessoas, pode alcançar distâncias impensáveis até agora.

Os pedidos por pacificação precisam ter sucesso prático imediato, cessando as mortes e a ruína. Com a sombra de artefatos nucleares e a interdependência econômica mundial, a existência no planeta depende de harmonia. Sem o devido respeito, vidas seguirão sendo perdidas — seja por meio do uso de armas e vítimas das consequências das alterações climáticas. O planeta não suporta mais guerras, assim como não aguenta o avanço do aquecimento. O agravamento do conflito entre Israel e Irã, com o perigo nuclear e o risco de aumento do valor do petróleo, pode apresentar resultados trágicos sem precedentes. Neste momento, o apelo pela paz é urgente e os interlocutores internacionais precisam pensar globalmente, deixando de lado os interesses particulares.

Luz elétrica não é extravagância

O Povo (CE)

O risco de aumento nas contas de energia reapareceu recentemente, quando a Câmara dos Deputados e o Senado Federal derrubaram um veto importante do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a um "jabuti" incluído na lei que regulamenta as eólicas offshore

É difícil imaginar um mundo, hoje, sem internet. Mais desafiador ainda é concebê-lo sem sequer luz elétrica. Segundo dados de uma pesquisa do Instituto Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec), realizada para o Instituto Pólis, essa realidade é palpável para 36% dos brasileiros, que precisam comprometer metade da renda mensal apenas para pagar a conta de energia elétrica.

Ou seja, resta-lhes a outra metade para comprar comida, pagar o aluguel, garantir acesso à água, ao transporte para o trabalho, ao lazer e ao material escolar dos filhos. A conta não fecha — e milhões de brasileiros sentem isso na pele.

É nesse contexto que o Congresso Nacional retalia o Governo Federal, no eterno cabo de guerra em que quem cai na lama é sempre a população mais pobre. O risco de aumento nas contas de energia reapareceu recentemente, quando a Câmara dos Deputados e o Senado Federal derrubaram um veto importante do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a um "jabuti" incluído na lei que regulamenta as eólicas offshore.

Havia, no projeto do Congresso, dispositivos que previam incentivos fiscais sem relação direta com o objeto da lei. O impacto é estimado em R$ 197 bilhões ao longo de 25 anos, o que pode gerar um efeito cascata, resultando em um aumento de até 3,5% na conta de luz.

Se, de um lado, a derrubada do veto expõe a inabilidade do governo Lula em articular-se com deputados e senadores, por outro, revela a disposição do Congresso Nacional em usar a população pobre como refém para desgastar a já combalida imagem do presidente da República — que, em 2026, deve enfrentar sua sétima campanha presidencial.

Grande parte da população brasileira — e um percentual ainda maior quando se observa apenas o Ceará, estado majoritariamente pobre — depende de benefícios sociais para manter a luz elétrica em casa.

O impacto da derrubada do veto pode ser parcialmente atenuado para a população de baixa renda graças às novas regras da Tarifa Social de Energia Elétrica, que entram em vigor a partir de 5 de julho. A mudança, aprovada pela Agência Nacional de Energia Elétrica e sancionada por Lula, garante gratuidade da tarifa para famílias beneficiárias que consumirem até 80 quilowatts-hora (kWh) por mês.

O Ceará é um dos estados mais beneficiados pela medida, com 5,42 milhões de pessoas aptas a receber o auxílio, podendo zerar a conta ou pagar apenas o excedente do consumo. Mas, com isso, surge outra questão: se a arrecadação vai diminuir, quem irá suprir a demanda extra de R$ 197 bilhões criada pelo Congresso com as isenções previstas na lei das eólicas offshore?

Corre-se o risco de essa importante ampliação da gratuidade não ver a luz do dia. Corre-se o risco de a classe média ter de arcar com uma fatia ainda maior do aumento na tarifa de energia elétrica.

O fato é que Congresso e Governo parecem incapazes de falar a mesma língua — e quem sempre paga a conta é a população. 


 

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