O Estado de S. Paulo
Consolidar federações sólidas, baseadas em compromissos ideológicos reais, é um passo necessário para fortalecer a democracia brasileira
O sistema político brasileiro é marcado por uma complexa interação entre o presidencialismo e o multipartidarismo. A expressão “presidencialismo de coalizão”, cunhada por Sérgio Abranches inicialmente em artigo de 1988, foi posteriormente desenvolvida com mais profundidade em sua obra Presidencialismo de coalizão: raízes e evolução do modelo político brasileiro (2018). Nela, Abranches demonstra como a combinação entre um presidente eleito por voto direto e um Legislativo fragmentado obriga o chefe do Executivo aformar amplas coalizões parlamentares para garantira governabilidade.
Essa necessidade de articulação entre
Executivo e outras forças políticas não é uma novidade na história brasileira.
Durante a Primeira República, Campos Sales instituiu a chamada “política dos
governadores”, um arranjo informal que buscava assegurar a estabilidade
institucional por meio do alinhamento entre o governo federal, os governadores
estaduais e os chefes políticos locais. A historiadora Cláudia Viscardi, em sua
obra O Teatro das Oligarquias, analisa de que forma esse pacto funcionava como
um grande acordo entre elites regionais, que mantinham o controle sobre o
processo eleitoral e o funcionamento das instituições. Viscardi propõe,
inclusive, uma revisão crítica da narrativa da política do café com leite,
contestando a suposta hegemonia de Minas Gerais e São Paulo. Embora o sistema
assegurasse certa previsibilidade, aprofundava a exclusão política e reforçava
traços patrimonialistas e clientelistas no Estado brasileiro.
O sistema partidário acompanhou essas
transformações. Na Primeira República, os partidos tinham base essencialmente
regional, vinculados às oligarquias estaduais e subordinados aos interesses dos
governadores. Após 1930, com a ascensão de Getúlio Vargas e, mais adiante, com
a ditadura militar, o País experimentou um movimento de centralização do
sistema político. Durante o regime militar, vigorou o bipartidarismo
compulsório, com apenas duas siglas autorizadas: Arena, representando a
situação, e o MDB, como oposição. Com a redemocratização e a promulgação da
Constituição de 1988, abriu-se espaço para a multiplicação de partidos, em nome
da pluralidade e da representatividade. Contudo, a ausência de mecanismos de
controle efetivo favoreceu uma fragmentação excessiva, comprometendo a
eficiência do regime democrático e dificultando a formação de maiorias
parlamentares coesas.
Essa fragmentação tornou-se um dos principais
obstáculos à governabilidade no Brasil contemporâneo. O elevado número de
partidos com representação no Congresso dificulta a construção de consensos e
alimenta práticas an-tirrepublicanas, fragilizando ainda mais a identidade
programática das legendas. Muitos partidos se tornaram, na prática, “legendas
de aluguel”, sem vínculos ideológicos consistentes, voltados apenas à
negociação de tempo de televisão, acesso a recursos públicos ou alianças
circunstanciais.
Algumas reformas foram promovidas na
tentativa de racionalizar o sistema. Em 2015, buscou-se dificultar a criação de
novos partidos. Já a Emenda Constitucional n.º 97/2017 proibiu as coligações em
eleições proporcionais e instituiu cláusulas de barreira para o acesso ao fundo
partidário e ao tempo gratuito de propaganda. Em 2021, surgiram as federações
partidárias, mecanismo que obriga os partidos federados a atuarem de forma
conjunta, com unidade programática, por, no mínimo, quatro anos, em todos os níveis
da federação.
As federações representam uma importante
inovação para o sistema político brasileiro. Ao contrário das coligações, de
natureza pontual e eleitoral, as federações exigem compromisso político e
ideológico duradouro, promovendo maior estabilidade e previsibilidade tanto
para os eleitores quanto para os próprios parlamentares.
As experiências de federação se espalham pelo
espectro político: à esquerda, com a união entre PT, PCdoB e PV, e Psol e Rede;
ao centro, com PSDB e Cidadania; e mesmo em setores da direita, como União
Brasil e PP. No passado recente, a criação de novos partidos era quase
automática diante de qualquer dissidência. O Psol, por exemplo, surgiu como
ruptura do PT. Em 2019, o então presidente Jair Bolsonaro tentou criar a
Aliança pelo Brasil após sair do PSL, sem êxito. Naquele ano, havia 30 siglas
com representação no Congresso; atualmente, são 16 – reflexo das novas
exigências legais e da reorganização institucional em curso.
Consolidar federações sólidas, baseadas em
compromissos ideológicos reais, é um passo necessário para fortalecer a
democracia brasileira. O País precisa de partidos que expressem projetos
consistentes de nação, e não de siglas moldadas por interesses momentâneos. A
redução da fragmentação partidária e o fortalecimento de agremiações com
identidade clara são fundamentais para melhorar a governabilidade, dar mais
transparência ao jogo político e reconstruir a confiança da sociedade nas
instituições republicanas.
*Advogado, especialista em direito administrativo, é mestre em direito pela Ufrgs
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