Correio Braziliense
Não se busca a interferência na livre
manifestação de opinião, como alardeia a retórica extremista. Há, sim, um vácuo
político que facilita a distorção dos fatos e favorece a criminalidade nas
redes
Costuma-se afirmar que as crises produzem
soluções. Mas, no cenário político contemporâneo — no Brasil e no mundo —, elas
têm se mostrado mais geradoras de divisões do que de saídas. Vivemos um momento
de inflexão, marcado por uma nova bipolaridade, ideológica e caótica, em que o
radicalismo mina pontes e esvazia a política de seu verdadeiro papel: mediar
conflitos por meio do diálogo.
Há ecos históricos. A geração que viveu nos anos 1960 lembra a tensão entre Estados Unidos (EUA) e União Soviética na crise dos mísseis em Cuba. Hoje, décadas depois, observamos novos focos de instabilidade: a guerra entre Rússia e Ucrânia, o conflito devastador em Gaza, o ataque aberto de Israel ao Irã há três dias e o impacto da recente eleição norte-americana indicam que os acordos firmados no pós-guerra estão sendo gradualmente desmontados. Nesse novo tabuleiro, o Brasil tenta reposicionar-se.
A aproximação do governo brasileiro com China
e Rússia, contrastando com a afinidade entre a extrema-direita local e o
trumpismo, é parte dessa dinâmica. No entanto, a motivação real do Brasil, até
aqui, é, em boa parte, pragmática: fortalecer parcerias comerciais com a China,
por exemplo, tem lógica econômica. Os Estados Unidos (EUA), ao reverem suas
políticas migratórias e comerciais, acenam para uma tentativa de retomar sua
hegemonia global.
Nesse contexto, surge um novo campo de
tensão: o das plataformas digitais. As chamadas big techs — em sua maioria
sediada nos EUA — tornaram-se atores centrais nas disputas políticas e
ideológicas.
A resistência dos Estados Unidos à
regulamentação das redes, com ameaças de sanções a países que tentam legislar
sobre o tema, tem sido explorada por setores extremistas para sustentar uma
narrativa conspiratória de "governo contra governo", envolvendo
inclusive o Supremo Tribunal Federal.
Mas o que existe, de fato, são decisões
judiciais que visam ao enfrentamento legítimo no Brasil de crimes cometidos por
meio das redes sociais em seu território. Não se busca a interferência na livre
manifestação de opinião, como alardeia a retórica extremista. Há, sim, um vácuo
político que facilita a distorção dos fatos e favorece a criminalidade nas
redes.
O Congresso Nacional, por omissão, tem
permitido que questões de alta relevância — como a regulamentação do ambiente
digital — fiquem sob responsabilidade quase exclusiva do Judiciário. Trata-se
de um erro grave. É o parlamento que deve exercer esse protagonismo, com base
no interesse público e no equilíbrio institucional.
A política, por natureza, é uma arte de
mediação, não de confronto. Como na esgrima, exige técnica, escuta, estratégia
— não a força bruta da infantaria. Quando substituímos o debate pela
polarização e a negociação pelo embate permanente, transformamos a democracia
em terreno infértil para soluções coletivas.
A discussão sobre a regulação das redes
sociais é complexa, mas o seu fundamento é claro: o que é inaceitável na
convivência fora do ambiente digital também deve ser coibido dentro dele.
No entanto, por conveniência comercial das
plataformas, o debate tem girado, exclusivamente, em torno da liberdade de
expressão — com foco obsessivo numa suposta ameaça de censura — enquanto se
ignoram os crimes concretos que vitimam diariamente milhares de brasileiros.
O repertório de abusos é vasto: crianças e
adolescentes manipulados por desafios mortais; jovens envolvidos em atos
extremos filmados e transmitidos como entretenimento; golpes financeiros em
série; estímulo ao discurso de ódio e à violência, enquanto a liberdade de
expressão serve de escudo para a impunidade.
As plataformas digitais tornaram-se campo de
batalha simbólico e geopolítico, onde ressurge o debate — em grande parte
distorcido — sobre censura. Esse embate é impulsionado pelas redes sociais,
cada vez mais divididas em "tribos" que falam apenas aos seus
convertidos, confundindo fatos e versões, sem disposição para ouvir.
A omissão diante disso não é neutra — é
cúmplice. É preciso resgatar a política como pilar de sustentação da
democracia, não como campo de batalhas intermináveis. Ao silenciar diante da
responsabilidade de legislar, em ambiente de diálogo, o Congresso enfraquece a
si mesmo e entrega à radicalização um espaço que deveria pertencer ao bom
senso.
A crise pode, sim, gerar soluções. Mas, para
isso, a política precisa deixar de ser espectadora e reassumir o seu papel de
protagonista.
*Ex-ministro da Reforma Agrária, da Defesa e
da Segurança Pública, ex-presidente do Ibama e atual diretor-presidente do
Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram
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