Folha de S. Paulo
Governo continua a criar isenções, mal tenta
cortar as antigas e Congresso é cúmplice
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva
voltou a dizer que isenções de impostos vão para "ricos", em um
palanque da quinta passada. Não é bem verdade, embora a maior parte vá para
empresas e pessoas mais ricas (que se dizem de classe média). É assim a isenção
do Mover (para montadoras de
veículos), R$ 3,8 bilhões por ano, ou para companhias aéreas, ao menos R$ 567
milhões. São alguns dos incentivos criados por Lula neste mandato.
"Vocês sabem quantos bilhões a gente dá de isenção para os ricos deste país, que não pagam imposto? R$ 860 bilhões. É quatro vezes o Bolsa Família" (na verdade, é cinco vezes), disse Lula.
Referia-se àquelas isenções federais de
impostos que a Receita
Federal classifica de "gasto tributário" (GT) —há outras
isenções, além das estaduais e municipais. De modo informal, o Ministério
da Fazenda diz que o GT seria de pelo menos R$ 800 bilhões. Na
estimativa oficial da Receita para este ano, R$ 544 bilhões.
Por que a diferença? Sob Lula e Fernando
Haddad, a Fazenda obrigou as empresas a declarar o valor de certas isenções
tributárias que recebem. O que vai sendo declarado já supera a estimativa da
Receita, que vai para as leis orçamentárias. A iniciativa é excelente, mas não
há ainda dados públicos e revisados a respeito.
Desde que contaram a Lula o tamanho da
isenção do GT, em meados de 2024, o presidente e a esquerda dizem ter
descoberto um pote de ouro capturado pelos ricos ou a panaceia fiscal. Mais uma
vez, é preciso dizer que a destinação do dinheiro é variada, muita vez favor de
governos petistas, sob os quais mais do que dobrou o GT (como proporção
do PIB).
Os maiores GT vão para o Simples, redução de
impostos para pequenas e médias empresas, no que entra muito profissional rico
e/ou pejotizado (R$ 120 bilhões, 22% do total), para entidades filantrópicas ou
sem fins lucrativos (R$ 45,5 bilhões: beneficiam quem?) e para a Zona Franca de
Manaus (R$ 30 bilhões). Mas há uma barafunda de benefícios, muitos deles
"sociais".
Livros: R$ 2,5 bilhões. Benefícios do
trabalhador: R$ 18,4 bilhões. Poupança: R$
12,4 bilhões. Financiamento habitacional: R$ 6,5 bilhões. Não vão para o topo
dos ricos, mas não vão para os mais pobres. Alimentos e insumos de produção dos
itens da cesta básica: R$ 51 bilhões.
Deduções de educação e saúde privadas
no IR (R$ 35 bilhões) e para empresas que subsidiam plano de
saúde (R$ 10 bilhões) vão para o quinto ou quarto mais rico da
população. Para aposentados de mais de 65 anos ou com doença grave: R$ 42
bilhões. Empresas de remédios e equipamentos médicos: R$ 20 bilhões (ficariam
mais caros sem isenção?).
Há dinheiro para as SAF, as Sociedades
Anônimas do Futebol:
R$ 148 milhões. Por quê? Rendimentos isentos de pessoas físicas, das mais
ricas: R$ 57 bilhões.
Outra vez, diga-se que a lista passa de duas
centenas de rubricas. Pouco se sabe de sua justiça social ou eficiência
econômica. Se tais impostos fossem cobrados, nem tudo apareceria no cofre do
governo (não só por evasão); custos aumentariam. Não é viável ou razoável
cobrar R$ 860 bilhões (a despesa federal anual é de R$ 2,4 trilhões): parte do
cancelamento de isenções teria de se transformar em redução de impostos para
outras pessoas e empresas.
O assunto é escandaloso e complicado.
Mentiras demagógicas e distorções de dados favorecem os espertos e dificultam a
revisão dessa enorme distorção econômica e social.
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