O Globo
No filme “Adeus, Lênin!”, uma senhora da
Alemanha Oriental sofre um infarto, passa meses em coma e acorda sem saber que
o Muro de Berlim havia caído. Para protegê-la do choque, o filho esconde a
notícia e se esforça para simular um país e de um regime que não existem mais.
Um observador que dá expediente no Planalto
cita a comédia alemã como metáfora do momento atual do governo. Dois anos e
meio depois de voltar ao poder, Lula ainda não teria despertado para as
mudanças na sociedade e na política. O descompasso ajudaria a explicar seu mau
desempenho nas pesquisas.
Na semana que passou, o petista voltou a amargar 40% de reprovação no Datafolha. É o pior patamar já registrado em seus três mandatos. No fim do segundo, em dezembro de 2010, ele era aprovado por 83% dos brasileiros. Só 4% diziam rejeitar sua gestão.
Anos atrás, a popularidade de um presidente
costumava espelhar os resultados da economia. Hoje a dinâmica é outra, e Lula
se mostra surpreso ao ver que a recriação de programas antigos e o crescimento
do PIB e da renda não parecem capazes de tirá-lo das cordas.
Na última década, a tecnologia transformou o
modo de fazer e discutir política. O debate migrou dos palanques, onde o
petista era imbatível, para as redes, onde a oposição vence quase todas. A
revolução digital também mudou o Congresso. Deputados que se engalfinhavam por
espaço na Voz do Brasil hoje estão mais interessados em gravar vídeos curtos
para o Instagram e o TikTok.
O nível da conversa piorou, mas não adianta
sonhar com uma volta ao passado. Enquanto o campo progressista reclamava, a
extrema direita aprendeu a operar o algoritmo a seu favor. Sem concorrência nas
redes, o bolsonarismo montou o que o professor Marcos Nobre chama de partido
digital, uma máquina de produzir engajamento e voto. Essa engrenagem tem dado
sucessivas surras no governo, como se viu na crise do Pix, na chamada taxação
das blusinhas e no escândalo do INSS.
Em entrevista recente, a primeira-dama Janja
admitiu que as novas formas de comunicação não chegaram ao Alvorada. “Vocês
sabem que o meu marido é analógico, né? Ele não sabe usar os termos que a gente
está acostumado a usar nas redes”, disse.
Na quinta-feira, Lula manifestou
inconformismo com esse novo mundo. “Não é possível você imaginar que pode fazer
política com o desgraçado de um celular”, protestou, em discurso em Minas
Gerais. “Não é possível que as pessoas não percebam a diferença entre governo
que trabalha e governo que fica no celular”, insistiu.
O presidente acrescentou que “o povo gosta do
celular porque vê coisa muito rapidinho”. “O povo, às vezes, não gosta de coisa
séria. Todo mundo sabe a preguiça que, muitas vezes, o aluno tem de ficar
ouvindo o professor”, disse. O petista foi a sexta autoridade a falar numa
solenidade enfadonha, assistida por uma claque levada por prefeitos aliados e
pela audiência raquítica dos canais oficiais.
Candidato ao quarto mandato em 2026, Lula tem
pouco tempo se quiser atualizar o repertório e se reconectar com o eleitor. No
filme de Wolfgang Becker, a senhora só percebe que as coisas mudaram quando vê
um helicóptero transportar uma estátua de Lênin arrancada do pedestal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário