domingo, 15 de junho de 2025

A ciência encantada da jurema - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Livro une ciência e antropologia para tentar desvendar religião do Nordeste que utiliza substância psicodélica em ritos

Meu amigo Marcelo Leite é um daqueles jornalistas polímatas, que transitam bem por gêneros tão variados como física, meio ambienteeducaçãoantropologia e, mais recentemente, a ciência dos psicodélicos. Em "A Ciência Encantada da Jurema", Marcelo nos oferece uma feliz combinação dos dois últimos veios.

O livro pode ser descrito como uma radioetnografia da jurema, planta típica da caatinga e rica na substância psicodélica DMT (dimetiltriptamina), que é consumida em ritos da religião de mesmo nome que se desenvolveu na região. Marcelo destrincha a jurema, a planta e a religião.

Pelo veio científico, ele aborda a psicofarmacologia da DMT, seu potencial médico para o tratamento de depressões, e até mostra por que alguns modos de preparo da beberagem produzem mais efeitos psicoativos que outros. O segredo é incluir na receita algum inibidor da monoaminaoxidase (MAO), a enzima que degrada neurotransmissores, entre os quais estão as aminas.

Pelo veio antropológico, Marcelo mostra como a religião da jurema se desenvolveu combinando elementos da umbanda, de tradições indígenas e recebeu influências até do espiritismo. Mais importante, ele conta como a perseguição dos juremeiros por autoridades e por outras religiões, desde o Brasil colônia até os dias de hoje, moldou a nova fé.

Não é um fenômeno inédito. Comentei aqui há pouco um livro que explica o surgimento da Bíblia hebraica como reação literária às derrotas militares dos reinos de Israel e de Judá.

E isso não é tudo. Marcelo é um jornalista no século 21. Isso significa que sua missão não estaria completa se não relatasse também em primeira pessoa suas experiências com a DMT. E ele a experimentou tanto em setting científico (inalada, em laboratório, como participante de pesquisa clínica) como em contextos religiosos.

Ao caminhar por essas sendas, Marcelo já se aventura numa tradição mais literária do que propriamente jornalística, que inclui autores como De Quincey, Huxley, Coleridge, Baudelaire e tantos outros.

 

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