Folha de S. Paulo
Livro une ciência e antropologia para tentar
desvendar religião do Nordeste que utiliza substância psicodélica em ritos
Meu amigo Marcelo Leite é
um daqueles jornalistas polímatas, que transitam bem por gêneros tão variados
como física, meio ambiente, educação, antropologia e,
mais recentemente, a ciência dos
psicodélicos. Em "A
Ciência Encantada da Jurema", Marcelo nos oferece uma feliz
combinação dos dois últimos veios.
O livro pode ser descrito como uma radioetnografia da jurema, planta típica da caatinga e rica na substância psicodélica DMT (dimetiltriptamina), que é consumida em ritos da religião de mesmo nome que se desenvolveu na região. Marcelo destrincha a jurema, a planta e a religião.
Pelo veio científico, ele aborda a psicofarmacologia
da DMT, seu potencial médico para o tratamento de depressões, e até mostra
por que alguns modos de preparo da beberagem produzem mais efeitos psicoativos
que outros. O segredo é incluir na receita algum inibidor da monoaminaoxidase
(MAO), a enzima que degrada neurotransmissores, entre os quais estão as aminas.
Pelo veio antropológico, Marcelo mostra como
a religião
da jurema se desenvolveu combinando elementos da umbanda, de tradições
indígenas e recebeu influências até do espiritismo. Mais importante,
ele conta como a perseguição dos juremeiros por autoridades e por outras
religiões, desde o Brasil colônia até os dias de hoje, moldou a nova fé.
Não é um fenômeno inédito. Comentei aqui há
pouco um livro
que explica o surgimento da Bíblia hebraica como reação literária às
derrotas militares dos reinos de Israel e de Judá.
E isso não é tudo. Marcelo é um jornalista no
século 21. Isso significa que sua missão não estaria completa se não relatasse
também em primeira pessoa suas experiências com a DMT. E ele a experimentou
tanto em setting científico (inalada, em laboratório, como participante de
pesquisa clínica) como em contextos religiosos.
Ao caminhar por essas sendas, Marcelo já se
aventura numa tradição mais literária do que propriamente jornalística, que
inclui autores como De Quincey, Huxley, Coleridge, Baudelaire e tantos outros.
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