QUANDO A POLÍCIA MATA...
Julita Lemgruber
Julita Lemgruber
Em 2001 o condado de Los Angeles foi obrigado pela Justiça a pagar cerca de sete milhões de dólares em indenizações a vítimas de violência policial - que incluíam desde 12 pessoas mortas pela arma de um policial até 22 submetidas a "força excessiva", mesmo sem seqüelas duradouras, em alguma ação da polícia. Seis anos depois, o condado desembolsava em indenizações desse tipo cerca de três milhões de dólares, ou seja, menos da metade da quantia anterior. E as 5 vítimas letais da polícia em 2007 também representavam menos da metade do número registrado em 2001.
O que mudou ao longo desses anos? O governo de Los Angeles contratou os serviços de Merrick Bobb, conhecido e respeitado advogado, para atuar como auditor independente e monitorar as ações da polícia local. Desenvolveu-se no condado um sistema de controle do disparo de arma de fogo, em que cada policial deve registrar, ao final do dia, cada tiro disparado e até mesmo cada vez que a arma foi sacada do coldre. Tornou-se obrigatório relatar minuciosamente os fatos que motivaram o uso da arma, e também outros incidentes em que se avalie ter havido emprego excessivo da força, sendo tais relatórios revistos pelas chefias e discutidos com os policiais.
Na década de 1990 várias cidades norte-americanas tiveram de pagar indenizações milionárias a vítimas de violência policial. De Nova York a Filadélfia, de Detroit a Los Angeles, centenas de milhões de dólares dos contribuintes foram gastos com isso. Apenas como exemplo, uma pessoa mordida por um cão da polícia recebeu indenização de 100 mil dólares. Como reconhecem estudiosos das polícias dos EUA, a sangria de recursos provocada por ações judiciais dessa natureza foi um estímulo decisivo à adoção, em várias partes do país, de estratégias de controle externo voltadas explicitamente para reduzir a violência e a corrupção policiais. O princípio que está por trás é muito simples: em cada episódio de abuso, excesso ou desvio, a culpa não recai apenas sobre os agentes diretamente envolvidos nem só sobre os seus superiores imediatos, mas também sobre o estado, município ou condado responsável pela polícia e pela política de segurança. Quando esse princípio se traduz em responsabilização judicial e em pesado ônus financeiro, cria-se uma forte motivação para que os governos invistam efetivamente na mudança de comportamento dos seus policiais.
A espantosa continuidade dos episódios de violência policial no Rio de Janeiro mostra a urgência de responsabilizarmos as autoridades fluminenses pelos resultados da sua opção por uma política de confronto como suposto método de redução da criminalidade. Não basta mais culpar apenas os policiais individualmente nem o seu treinamento precário. É preciso admitir que a morte de tantos inocentes, inclusive crianças pequenas - como Ramon, de 6 anos, na Favela do Muquiço, e João Roberto, de 3, metralhado na Tijuca - decorre da mesma política que tem provocado centenas de mortes, nunca suficientemente investigadas, de reais ou pretensos bandidos.
Policiais devem imediatamente passar por treinamento intensivo em técnicas de abordagem e sua ação nas ruas deve começar urgentemente a ser monitorada nos moldes do que se começou a fazer em muitas cidades dos Estados Unidos e da Europa, por meio de mecanismos de controle externo independentes e autônomos. Mas, para que isso saia do discurso e chegue à prática, é necessário, entre outras coisas, responsabilizar judicialmente o Estado, obrigando-o ao pagamento de altas indenizações, que não fiquem nas filas dos precatórios, pelas vítimas letais e não letais da violência que ele incentiva com a sua política belicista. Se considerarmos que a polícia fluminense matou, só no ano de 2007, 1.330 pessoas em alegados confrontos, sem contar as que deixou seriamente feridas, poderemos imaginar o montante de indenizações a serem pagas caso essa polícia atuasse em Los Angeles.
JULITA LEMGRUBER é socióloga e diretora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC/UCAM).
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