O Globo
A redução das penas do 8 de Janeiro virou uma
festa incompreensível e é aí que está o perigo
O professor Mário Henrique nunca se cansou de
repetir que o problema mais difícil do mundo, caso seja bem formulado, um dia
poderá ser resolvido. Mas os problemas mal formulados, ainda que fáceis, são
todos insolúveis.
Do alto de sua onipotência, o Supremo
Tribunal Federal condenou 371 baderneiros golpistas do 8 de Janeiro a 3,3 mil
anos de cadeia. Parte desse lote já havia fugido. Outra parte rala.
Noves fora a cabeleireira Débora, que escreveu “Perdeu Mané” com batom na estátua da Justiça e tomou 14 anos de prisão, convertida em domiciliar há meses, restam outros, como Fábio Alexandre de Oliveira. Ele sentou-se na cadeira do ministro Alexandre de Moraes depois que ela foi posta na rua e gravou um vídeo. Tomou 17 anos. Mal formulado, o problema dos figurantes do 8 de Janeiro busca uma solução.
Apareceu em Brasília um projeto que revê a
dosimetria das penas. Até aí, tudo bem, mas o projeto virou terreno baldio onde
cada um joga seu lixo. Primeiro enfiaram um jabuti que, pelos efeitos, anistia
Bolsonaro e seus generais. Depois mudaram o texto, de forma que acaba
beneficiando bandidos de outra cepa, como larápios e estupradores.
Deu-se a maldição de Simonsen. O problema mal
formulado das sentenças impiedosas revelou-se insolúvel, e algumas de suas
aparentes soluções revelaram-se absurdas.
Espremendo os casos, resulta que o homem da
cadeira tomou 14 anos e, para soltá-lo, tirariam da cadeia um estuprador. Isso
aconteceu na Câmara dos Deputados, e o Senado deverá retificar o curso do
projeto.
A gracinha da dosimetria só aconteceu porque
a política nacional passa por um período em que se misturam egos inflados,
desfechos absurdos e, na direção do espetáculo, fica o desprezo pelos outros,
aqueles que pagam a festa.
Os ministros do Supremo que deram 14 anos ao
homem da cadeira sabiam que ele não ficaria na cadeia nem sete. Os deputados
que aprovaram o projeto que beneficia bandidos de outra cepa sabiam que não
podiam defender a salada de criminosos, e a turma que esperava uma anistia
regeu-se pelo “se colar, colou”. Cada um no seu quadrado, cada um
todo-poderoso.
Isso tudo num tempo em que ministros do
Supremo murmuram que o presidente do tribunal, Edson Fachin, isolou-se ao
defender a adoção de um código de conduta para ele e seus pares. Cadê o código?
Ainda não existe, mas Fachin estaria isolado porque teve a ideia de mexer com o
vespeiro da conduta de alguns magistrados do Supremo que se protegem pedindo
blindagens.
Os juristas Francisco Campos (1891-1968) e
seu amigo Carlos Medeiros Silva (1907-1983) saíram de moda, mas o que se busca
são suas almas. Em abril de 1964, depois de redigir o Ato Institucional,
dispararam no artigo 7º:
— O controle jurisdicional desses atos
limitar-se-á ao exame de formalidades extrínsecas, vedada a apreciação dos
fatos que o motivaram, bem como da sua conveniência ou oportunidade.
Em português claro: Manda quem pode (nós),
obedece quem tem juízo (vocês).

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