Flávio Basilio
Valor Econômico (26/12/2008)
A evolução da Teoria Quantitativa da Moeda, particularmente a sua nova versão ancorada no arcabouço wickselliano, tem como conseqüência natural a proposição de que a poupança determina o investimento. Sob este referencial, o foco principal de análise é baseado na determinação dos preços, e não da renda nacional. O preço fundamental é aquele que garante o equilíbrio entre poupança e investimento, ou seja, a taxa de juros. Segue-se, portanto, que se o país cresce pouco é porque não tem poupança suficiente para estimular o investimento adicional requerido, e não tem poupança porque a taxa de juros é baixa, dando origem ao fenômeno da repressão financeira. Sob este aspecto, estratégias de redução dos gastos públicos são sempre bem vindas, mesmo em um cenário de crise, uma vez que aumenta a poupança do governo. Essa mesma teoria postula que se o país não tem poupança pública e privada suficientes para estimular o crescimento econômico, então o país deveria adotar uma estratégia de liberalização dos fluxos de capitais com o objetivo de captar poupança externa.
Do outro lado do flanco de batalha, Keynes, em sua obra magna "Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda", constrói o argumento de que a poupança, ao invés de constituir-se no pré-requisito do investimento, como propõe a economia neoclássica, é, na verdade, seu resultado. Essa mudança ocorre porque a variável central no pensamento keynesiano não são os preços e sim o produto real. Em uma economia monetária ou empresarial, a decisão de investir não depende da disponibilidade de produto não-consumido, mas de financiamento, isto é, acesso aos meios de pagamento. Para isso, o sistema financeiro, em particular os bancos, deve ser capaz de colocar nas mãos dos empresários os meios de compra necessários para que os investimentos sejam efetivados.
Dito isso, o que podemos esperar de proposições de política econômica por parte dos economistas em um cenário de crise? Os economistas neoclássicos, se forem coerentes com o referencial teórico que defendem, não terão o que falar sobre a crise financeira. Isso porque a crise não tem espaço no referencial neoclássico, uma vez que os mercados financeiros são sempre eficientes e garantem a perfeita alocação dos recursos. Sob esta lógica, se a crise financeira existe, ela só pode ser culpa do governo que interveio excessivamente na economia distorcendo o funcionamento adequado do mercado.
Infelizmente, esta afirmação não tem contraparte nos fatos. O que se evidenciou foi uma crescente liberalização dos mercados financeiros a partir da era Volker, bem como o aprofundamento da liberalização dos fluxos internacionais de capitais capitaneados pelo segundo Consenso de Washington. Curiosamente o resultado foi o aumento da fragilidade financeira das economias capitalistas. De qualquer sorte, dado que a crise financeira requer proposições de política econômica, a corrente neoclássica, obviamente, defenderá a necessidade de um forte ajuste fiscal por parte do governo com o objetivo de aumentar a poupança doméstica, liberando, dessa forma, recursos adicionais aos empresários. Acrescenta-se que a autoridade monetária deverá manter um austero controle da inflação. Para isso, é imperativo que o Banco Central mantenha a taxa básica de juros em 13,75%. Em primeiro lugar porque dessa forma, as expectativas de inflação convergem para a meta. Em segundo lugar, porque quanto maior a taxa de juros, maior será a poupança e, conseqüentemente, maior será o investimento. A corrente keynesiana, por sua vez, advogará que o governo, em um cenário de crise, deverá elevar os gastos de investimento com o objetivo de estimular a demanda agregada. Em especial, o governo deverá efetuar aportes significativos de capital, por intermédio do Tesouro Nacional, ao BNDES com o objetivo de restabelecer e fortalecer as linhas de crédito às empresas, em especial ao setor exportador, sob pena de no futuro próximo estarmos sujeitos a uma nova crise do balanço de pagamentos. Mais uma vez, o antagonismo de proposições de política econômica fica evidente. Os neoclássicos defendem a necessidade de crescimento com poupança externa, o que implica necessariamente déficit em transações correntes. Os keynesianos, por sua vez, defendem que o crescimento sustentável só é possível se o país adotar uma estratégia de crescimento puxado pelas exportações, a exemplo do que faz a China. Nesse momento, políticas sociais de redistribuição de renda também são bem vindas, na medida em que aumentam a eficácia de política fiscal por intermédio do aumento do multiplicador da demanda autônoma. Além disso é fundamental a redução de pelo menos 1 p.p na taxa básica de juros com vistas a reduzir o custo do capital, estimulando o crédito ao setor privado.
Em síntese, o governo brasileiro deve seguir o exemplo do primeiro ministro do Reino Unido e repudiar medidas heterodoxas neste momento. Deve adotar políticas coordenadas de estimulo fiscal e expansão monetária com vistas a garantir a solvência do setor privado - fragilizado pela excessiva apreciação cambial que conduziu as empresas a substituírem receita operacional por receita financeira a partir das operações de target foward - estimulando a demanda agregada e barateando o custo do capital.
Mais do que nunca, o governo tem que colocar o PAC para andar, para, pelo menos, manter o crescimento da economia. Além disso, verifica-se que os preços das commodities e, em especial o preço do petróleo, estão despencando no mercado internacional. A pressão inflacionária provocada pela elevação dos preços dos alimentos desapareceu. Os Estados Unidos já convivem com o fenômeno perverso da deflação.
Enquanto isso, a Europa e o Japão estão em recessão e a China começa a demitir trabalhadores. Com a queda do preço do petróleo a Petrobrás pode a qualquer momento reduzir o preço da gasolina, facilitando o controle da tão anunciada (sic) inflação de demanda por parte do Banco Central. Ora, em termos de balanceamento de riscos, o cenário aponta mais para recessão do que para aquecimento da economia. Não vejo nenhum economista apontando na direção desse último cenário! Conseqüentemente, não faz sentido o Banco Central manter uma política monetária restritiva para uma inflação que não acontecerá. Além disso, o governo deve se preparar para a anunciada crise do balanço de pagamentos. Para isso, deve desenhar um plano B que incorpore controle de capitais com vistas a evitar a escalada do dólar, tal como já foi defendido neste espaço por outros economistas keynesianos.
Flávio Basilio é economista, doutorando em economia pela Universidade de Brasília (UnB) e membro da Associação Keynesiana Brasileira.
Valor Econômico (26/12/2008)
A evolução da Teoria Quantitativa da Moeda, particularmente a sua nova versão ancorada no arcabouço wickselliano, tem como conseqüência natural a proposição de que a poupança determina o investimento. Sob este referencial, o foco principal de análise é baseado na determinação dos preços, e não da renda nacional. O preço fundamental é aquele que garante o equilíbrio entre poupança e investimento, ou seja, a taxa de juros. Segue-se, portanto, que se o país cresce pouco é porque não tem poupança suficiente para estimular o investimento adicional requerido, e não tem poupança porque a taxa de juros é baixa, dando origem ao fenômeno da repressão financeira. Sob este aspecto, estratégias de redução dos gastos públicos são sempre bem vindas, mesmo em um cenário de crise, uma vez que aumenta a poupança do governo. Essa mesma teoria postula que se o país não tem poupança pública e privada suficientes para estimular o crescimento econômico, então o país deveria adotar uma estratégia de liberalização dos fluxos de capitais com o objetivo de captar poupança externa.
Do outro lado do flanco de batalha, Keynes, em sua obra magna "Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda", constrói o argumento de que a poupança, ao invés de constituir-se no pré-requisito do investimento, como propõe a economia neoclássica, é, na verdade, seu resultado. Essa mudança ocorre porque a variável central no pensamento keynesiano não são os preços e sim o produto real. Em uma economia monetária ou empresarial, a decisão de investir não depende da disponibilidade de produto não-consumido, mas de financiamento, isto é, acesso aos meios de pagamento. Para isso, o sistema financeiro, em particular os bancos, deve ser capaz de colocar nas mãos dos empresários os meios de compra necessários para que os investimentos sejam efetivados.
Dito isso, o que podemos esperar de proposições de política econômica por parte dos economistas em um cenário de crise? Os economistas neoclássicos, se forem coerentes com o referencial teórico que defendem, não terão o que falar sobre a crise financeira. Isso porque a crise não tem espaço no referencial neoclássico, uma vez que os mercados financeiros são sempre eficientes e garantem a perfeita alocação dos recursos. Sob esta lógica, se a crise financeira existe, ela só pode ser culpa do governo que interveio excessivamente na economia distorcendo o funcionamento adequado do mercado.
Infelizmente, esta afirmação não tem contraparte nos fatos. O que se evidenciou foi uma crescente liberalização dos mercados financeiros a partir da era Volker, bem como o aprofundamento da liberalização dos fluxos internacionais de capitais capitaneados pelo segundo Consenso de Washington. Curiosamente o resultado foi o aumento da fragilidade financeira das economias capitalistas. De qualquer sorte, dado que a crise financeira requer proposições de política econômica, a corrente neoclássica, obviamente, defenderá a necessidade de um forte ajuste fiscal por parte do governo com o objetivo de aumentar a poupança doméstica, liberando, dessa forma, recursos adicionais aos empresários. Acrescenta-se que a autoridade monetária deverá manter um austero controle da inflação. Para isso, é imperativo que o Banco Central mantenha a taxa básica de juros em 13,75%. Em primeiro lugar porque dessa forma, as expectativas de inflação convergem para a meta. Em segundo lugar, porque quanto maior a taxa de juros, maior será a poupança e, conseqüentemente, maior será o investimento. A corrente keynesiana, por sua vez, advogará que o governo, em um cenário de crise, deverá elevar os gastos de investimento com o objetivo de estimular a demanda agregada. Em especial, o governo deverá efetuar aportes significativos de capital, por intermédio do Tesouro Nacional, ao BNDES com o objetivo de restabelecer e fortalecer as linhas de crédito às empresas, em especial ao setor exportador, sob pena de no futuro próximo estarmos sujeitos a uma nova crise do balanço de pagamentos. Mais uma vez, o antagonismo de proposições de política econômica fica evidente. Os neoclássicos defendem a necessidade de crescimento com poupança externa, o que implica necessariamente déficit em transações correntes. Os keynesianos, por sua vez, defendem que o crescimento sustentável só é possível se o país adotar uma estratégia de crescimento puxado pelas exportações, a exemplo do que faz a China. Nesse momento, políticas sociais de redistribuição de renda também são bem vindas, na medida em que aumentam a eficácia de política fiscal por intermédio do aumento do multiplicador da demanda autônoma. Além disso é fundamental a redução de pelo menos 1 p.p na taxa básica de juros com vistas a reduzir o custo do capital, estimulando o crédito ao setor privado.
Em síntese, o governo brasileiro deve seguir o exemplo do primeiro ministro do Reino Unido e repudiar medidas heterodoxas neste momento. Deve adotar políticas coordenadas de estimulo fiscal e expansão monetária com vistas a garantir a solvência do setor privado - fragilizado pela excessiva apreciação cambial que conduziu as empresas a substituírem receita operacional por receita financeira a partir das operações de target foward - estimulando a demanda agregada e barateando o custo do capital.
Mais do que nunca, o governo tem que colocar o PAC para andar, para, pelo menos, manter o crescimento da economia. Além disso, verifica-se que os preços das commodities e, em especial o preço do petróleo, estão despencando no mercado internacional. A pressão inflacionária provocada pela elevação dos preços dos alimentos desapareceu. Os Estados Unidos já convivem com o fenômeno perverso da deflação.
Enquanto isso, a Europa e o Japão estão em recessão e a China começa a demitir trabalhadores. Com a queda do preço do petróleo a Petrobrás pode a qualquer momento reduzir o preço da gasolina, facilitando o controle da tão anunciada (sic) inflação de demanda por parte do Banco Central. Ora, em termos de balanceamento de riscos, o cenário aponta mais para recessão do que para aquecimento da economia. Não vejo nenhum economista apontando na direção desse último cenário! Conseqüentemente, não faz sentido o Banco Central manter uma política monetária restritiva para uma inflação que não acontecerá. Além disso, o governo deve se preparar para a anunciada crise do balanço de pagamentos. Para isso, deve desenhar um plano B que incorpore controle de capitais com vistas a evitar a escalada do dólar, tal como já foi defendido neste espaço por outros economistas keynesianos.
Flávio Basilio é economista, doutorando em economia pela Universidade de Brasília (UnB) e membro da Associação Keynesiana Brasileira.
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