Porta-vozes do atual governo proclamam que a ideia de combater a inflação só com os juros está ultrapassada. A alternativa parece envolver restrição à expansão do crédito, controle dos preços dos combustíveis e desindexação dos preços administrados. Que os juros são elevados demais ninguém discute, mas a alternativa que o governo oferece é pouco convincente.
Em publicação recente (*), defendi que é preciso desenvolver uma agenda específica para trazer os juros brasileiros para níveis civilizados. Apresento, aqui, um sumário daquele diagnóstico e de suas recomendações.
O diagnóstico é que os juros permanecem elevados por causa de nosso passado hiperinflacionário e de superindexação. A moeda brasileira foi a que mais se desvalorizou no mundo desde o fim da 2.ª Guerra até o Plano Real (exceto pelo Congo!). Apesar disso, o Brasil não se dolarizou. Nossa moeda era ruim, mas era a única que continuava a circular no País. Para conseguir esse feito, nos tempos da alta inflação inventamos as contas remuneradas. Depois que a inflação foi domada, os juros elevados cumpriram esse papel.
Para reduzir os juros, há que começar pelo começo. Um país com nosso passado de hiperinflação e sucessivos calotes do governo não se pode dar ao luxo de ter uma dívida pública tão elevada. Em minhas estimativas, uma redução da dívida do setor público dos atuais 40% para 20% do PIB faria os juros brasileiros caírem à metade.
Enquanto se implementa um controle dos gastos públicos que leve a essa redução da dívida, sugiro que parcela das reservas internacionais seja dada em garantia da dívida interna. Em caso de calote do Tesouro, a dívida interna seria paga em dólares por agentes fiduciários do governo no exterior. Essa garantia permitiria antecipar no tempo parte do efeito sobre os juros da redução da dívida antes sugerida.
O próximo passo seria a definição pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) de uma meta de inflação de longo prazo, de 3% ao ano, a ser alcançada até o final da década.
A medida seguinte seria a liberalização das aplicações financeiras no exterior. Atualmente, investimentos no exterior estão restritos a clientes de grande porte e assim mesmo a liquidação financeira tem de ser feita em reais, dentro do País. Propõe-se deixar aberta a porta de saída, para reduzir o prêmio de risco embutido na taxa de juros por causa dos impedimentos que hoje existem para aplicações financeiras em jurisdições que não a brasileira.
Há, então, que desmontar mecanismos montados no passado que limitam o alcance da política monetária. Cerca de 30% dos créditos bancários no País são direcionados, ou seja, são desembolsos do BNDES e créditos habitacionais e para o setor agrícola. O custo e volume desses créditos independem da taxa Selic do Banco Central. Portanto, essa taxa tem de ser mais alta do que seria o caso se ela também afetasse os créditos direcionados. A proposta é, pois, que o Conselho Monetário Nacional passe a condicionar os volumes e os custos dos créditos direcionados aos movimentos da taxa Selic.
Finalmente, cerca de 30% dos bens que compõem o índice da inflação são administrados, ou seja, seus preços respondem à inflação passada, e não às condições presentes da economia. Tais preços referem-se a contratos de longo prazo, como aluguéis residenciais, e portanto têm boas razões para serem indexados. A proposta é que eles passem a ser indexados não pela inflação passada, mas sim pela meta de inflação de longo prazo, de 3% ao ano. Mas a eficácia da mudança das regras para os preços administrados depende de que, antes, sejam adotadas as medidas fiscais e monetárias aqui sugeridas. Se for introduzida de forma isolada, a desindexação dos preços administrados pode desorganizar a atividade econômica.
(*) O artigo referido é Além da tríade: como reduzir os juros, em Edmar Bacha e Monica de Bolle (orgs.), Novos Dilemas de Política Econômica: Ensaios em Homenagem a Dionisio Dias Carneiro. LTC Editora, 2011.
Economista
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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