Por Assis Moreira – Valor Econômico
GENEBRA - A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Economico (OCDE) defende uma regulação mais dura de financiamento da vida política e de mais sanções em caso de infrações, em seu primeiro relatório sobre o financiamento da democracia em países desenvolvidos e em alguns emergentes, incluindo o Brasil.
O Brasil tem uma das maiores taxas de recursos privados para partidos políticos, como fica claro no estudo internacional que destaca riscos de "captura política" por doadores poderosos nos países pesquisados.
Exemplifica que no Brasil as doações de empresas representaram 75% dos custos das últimas campanhas, e que o grupo dos 20 maiores doares representou mais de 30% do total doado por 20 mil companhias.
Em comparação, a Grã-Bretanha e a Holanda têm as maiores taxas de financiamento privado de campanhas na Europa, que não passam de 65% do total.
A entidade cita um recente estudo segundo o qual empresas especialistas em obras públicas no Brasil podem esperar um aumento substancial de contratos, pelo menos 14 vezes o valor de suas contribuições quando doam para um candidato a deputado federal do Partido dos Trabalhadores, no poder, e o candidato ganha a eleição.
O estudo que a OCDE menciona é intitulado "Os despojos da vitória: doações de campanha e contratos governamentais no Brasil", de autoria de Taylor C. Boas, da Universidade de Boston; F. Daniel Hidalgo, do MIT, e Neal P. Richardson, da Universidade da Califórnia.
Seus autores dizem não terem encontrado "nenhum efeito entre os partidos aliados, indicando que o PT prioriza esta forma de gastos do Estado para fortalecer a partido mais que a gestão da coalizão".
Nos países pesquisados pela OCDE, o relatório mostra que grandes companhias, por exemplo, frequentemente contornam limites de despesas ou dissimulam as doações a partidos através de empréstimos, cotizações de adesão e financiamentos por terceiros.
"A elaboração de políticas não deve ser vendida ao que oferece mais", afirmou o secretário-geral da OCDE, Angel Gurria, em comunicado no lançamento desse que é o primeiro relatório da entidade sobre financiamento de campanhas eleitorais e riscos de captura da ação política.
"Quando a política é influenciada por doadores afortunados, as regras são falseadas em favor de alguns e em detrimento do interesse da maioria. Defender normas rigorosas para o financiamento da vida política faz parte integrante de nossos esforços para resolver desigualdades e restaurar a confiança na democracia", disse.
O capítulo específico sobre a situação do Brasil é escrito por José Antonio Dias Toffoli, como presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Ele destaca que desde 2010 tornou-se perfeitamente clara a que ponto chegou a influência das doações de empresas.
Segundo Toffoli, isso causou "numerosas distorções no sistema político do Brasil e mesmo levando a inumeráveis alegações de suborno e outras práticas ilegais relacionadas a fundos políticos e eleitorais".
Diz que na campanha para Presidência da República em 2014 as doações por "entidades legais", o que significa sobretudo empresas, alcançaram US$ 232 milhões, representando mais de 90% dos recursos totais.
As empresas que mais doaram vêm de setores altamente influenciados por regulações governamentais ou que mantêm relações contratuais com o governo, como a indústria alimentícia, construção civil e setor financeiro, diz Toffoli.
Os financiamentos privados aumentaram à medida que as campanhas se tornaram mais caras no Brasil, com os gastos crescendo 979% entre a campanha presidencial de 2002 (US$ 34 milhões) e a de 2014 (US$ 367 milhões).
Enquanto Toffoli detalha o debate sobre o financiamento dos partidos e campanhas, a OCDE sugere que os países procurem um justo equilíbrio entre financiamentos público e privado, estimando que nem um financiamento totalmente público ou totalmente privado é desejável.
Para a OCDE, o endurecimento de regras de financiamento, em todo caso, é ainda mais importante para restabelecer a confiança das populações, quando eleitores em economias avançadas mostram-se desiludidos por partidos políticos e temem que grupos de interesse privado se apoderem dos processos democráticos. Eleições e votações estão no centro da agenda, com a campanha presidencial nos EUA e o risco de saída da Grã-Bretanha da União Europeia.
A OCDE conclui que vários países desenvolvidos não aplicam plenamente sua própria regulamentação sobre financiamento de partidos políticos e sobre despesas de campanhas, ou mantem certas falhas "nas quais entram potentes grupos de interesse privado".
Em 17 dos 34 países membros da OCDE, as doações anônimas aos partidos são proibidas, mas 13 interditam somente a partir de certo limite e quatro as autorizam. Mesmo se as doações não são anônimas, nem todos os países aplicam as mesmas regras sobre divulgação da identidade do doador. Somente 16 países limitam as despesas de campanha dos partidos e dos candidatos.
O relatório constata também que a falta de independência ou de autoridade legal de certas instituições de controle facilita aos doadores "mais generosos" receberem "favores" como redução de taxações ou subvenções, acesso privilegiado a crédito público e obtenção de contratos nos mercados públicos.
Para a OCDE, a globalização complica a regulamentação do financiamento de partidos políticos, porque as companhias multinacionais e estrangeiras com grandes fortunas têm fortes vinculações com interesses comerciais nacionais.
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