sábado, 27 de agosto de 2016

A reação da população à crise – Editorial / O Estado de S. Paulo

Os dois anos de forte crise econômica afetaram drasticamente os hábitos de consumo da população brasileira, indica pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Os dados não deixam margem à dúvida – a irresponsável condução da política econômica petista castigou gravemente a população, que se viu obrigada a tomar medidas fortes para evitar uma piora ainda maior da situação.

Feita entre 24 e 27 de junho, a pesquisa entrevistou 2.002 pessoas em 141 municípios. Os resultados são expressivos. Quase um quinto da população – 19% dos entrevistados – teve de mudar de casa para reduzir o custo com habitação. Para pagar dívidas, 24% afirmaram ter vendido algum bem e 42% dos entrevistados contraíram dívidas para cobrir suas despesas.

Segundo a CNI, a crise fez com que 48% dos trabalhadores passassem a usar mais transporte público. Na saúde e na educação, os efeitos também foram fortes. Por exemplo, 34% cancelaram o plano de saúde e 14% mudaram os filhos da escola privada para a pública. O difícil cenário econômico fez também com que 78% dos entrevistados buscassem ocasiões de poupar para caso de necessidade. São conscientes, portanto, de que a crise pode ser duradoura e os deixa mais vulneráveis.


A pesquisa traz também dados sobre o dia a dia do consumidor. Por exemplo, para economizar, 78% passaram a comprar produtos similares mais baratos e 80% esperam liquidações para a compra de bens de maior valor. São possíveis reflexos do fato de que 67% têm dificuldades para pagar as contas ou as compras a crédito.

Como lembrou o presidente da CNI, Robson Braga de Andrade, medidas de contenção do consumo ocorrem em todas as faixas de renda, mas as mais extremas – como a mudança de casa, por exemplo – são adotadas pelas famílias de menor renda. A crise é, portanto, especialmente grave para as famílias de baixa renda, mais vulneráveis às turbulências da economia.

A pesquisa da CNI corrobora a piora na situação do emprego. De cada 100 entrevistados, 57 disseram que alguém da família ficou sem emprego. Em junho de 2015, esse índice era de 44%. Diante desse cenário, 80% mostram-se preocupados em perder o emprego, ficar sem trabalho ou ter de fechar o negócio nos próximos 12 meses. Porcentual ainda maior é verificado quando se pergunta sobre o medo de perder o atual padrão de vida. Entre 100 pessoas, 84 estão preocupadas com a queda de seu padrão de vida. E a maioria tenta enfrentar tal situação – por exemplo, 56% afirmam buscar algum trabalho extra para complementar a renda.

Segundo a pesquisa da CNI, 71% consideram ruim ou péssimo o cenário econômico. Em junho de 2015, esse porcentual era de 66%. E em setembro de 2013 apenas 21% qualificavam negativamente a situação da economia brasileira. Como se vê, a população perdeu qualquer ilusão quanto à economia sob o governo petista.

Se o brasileiro não tem dúvidas quanto à gravidade da crise, ele ainda não tem muita segurança quanto ao futuro. Se 73% acham que se chegou ao fundo do poço, apenas 43% acreditam que a economia estará melhor em 12 meses. Tal incongruência talvez seja consequência da dificuldade de imaginar um quadro pior que o atual ao mesmo tempo que se percebe que sair de onde se chegou não será fácil.

A pesquisa da CNI revela que os brasileiros não tiveram medo de tomar medidas duras no âmbito familiar – produtos mais baratos, mudança de casa e de escola, menos carro e mais transporte público, etc. – para enfrentar a crise. É de esperar semelhante reação corajosa do Estado – em seus três níveis e em seus Três Poderes – para recolocar o País nos trilhos do desenvolvimento. Não é possível assistir a tantos sacrifícios da população e achar que o poder público se pode manter alheio, como se a crise não lhe dissesse respeito. Não é hora para reajustes salariais do funcionalismo nem para transigências com o déficit público. É hora de aprender com a população e reagir com responsabilidade.

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