- Valor Econômico
Substâncias compostas por bromo, cloro e flúor comprometem o mais sofisticado produto da evolução: o cérebro
Da longuíssima lista de efemérides cinquentenárias, não deveria escapar o best-seller Population Bomb (Ballantaine Books, maio de 1968), pois as danosas consequências da superpopulação humana só entraram nas pautas das instâncias de governança mundial graças ao sucesso desta oportuna e impactante obra do casal de ecólogos Paul R. e Anne H. Ehrlich, de Stanford.
Erros foram reconhecidos pelos dois autores, mas, no essencial, acertaram em cheio: houve, sim, explosão demográfica no século XX. A população mundial, que já havia duplicado entre 1900 e a redação do livro, voltou a dobrar até o início deste século.
Só que radicais alterações derrubaram o ritmo de crescimento. O pico da taxa de aumento anual, de 2,5%, ocorreu justamente na segunda metade da década de 1970. Seu subsequente declínio foi até abrupto na virada para a década de 1990, despencando de 1,79% para 1,52%. E, hoje, se encontra abaixo de 1,18%.
Consequentemente, também mudou o âmago da advertência ecológica: a explosão demográfica do século passado teria arrombado o teto, pois a 'capacidade de suporte' da Terra seria de 7 bilhões de humanos, embora o planeta esteja aguentando mais de 7,6 bilhões (veja o dado preciso em population.org/).
Apresentada no novo periódico Nature Sustainability por professores da School of Earth and Environment, de Leeds, tal avaliação termina com a proposta de que os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 sejam adaptados ao ideal de desenvolvimento sem crescimento econômico.
Os ecólogos que discordam nem entram em discussões metodológicas sobre o cálculo, pois rejeitam sua premissa central: a ideia de que 'capacidade de suporte' seja algo fixo. A provável minoria liderada por Erle C. Ellis, de Maryland, lembra que tal noção surgiu na engenharia naval para estimar o potencial de carga útil de navios a vapor. E que, no final do século XIX, começou a ser usada para aferir o número de animais que podem ser criados em certa área de pastagem, hoje a 'taxa de lotação'. Não lhes parece que seja noção razoável para uma análise ecológica do complexo Terra.
Além disso, não é verdade que os humanos só saberiam responder à abundância com mais filhos. Não são como protozoários, enzimas, ou moscas, que continuam a proliferar até o esgotamento dos recursos dos quais dependem. Diferentemente, à medida em que melhoram suas condições de vida, os humanos geram menos crianças e não mais. O fator-chave de tal tendência tem sido o acesso das mulheres à educação.
A alta fecundidade está em extinção, avisa a ONU. De 1950 para cá, ela caiu pela metade: de 5 para 2,5 nascidos vivos por mulher. Então, foi bem mais rápido do que se previa o encolhimento proporcional das populações nacionais que ainda procriam muito. Mais: também segue em declínio o número dos que habitam em países que já chegaram ao patamar de reposição, de 2,1 rebentos com saúde por mulher. Em suma, em apenas dez anos, dois terços da população mundial estarão em países com taxas de fecundidade inferiores ao piso.
Há, contudo, duas fortes razões para que nada disso autorize otimismo. A primeira - bem conhecida - é que a melhoria das condições de vida continua bem atrelada a irresponsáveis padrões de consumo predatório. A outra - por demais subestimada - está na rápida erosão da inteligência humana, desde que gestantes e crianças na primeira infância passaram a ter intenso contato em seus cuidados pessoais quotidianos com substâncias compostas por bromo, cloro e flúor. Uma bomba de retardo bem mais sorrateira que a populacional.
Para se dar conta de tão aterrorizante tendência, o melhor é conhecer os argumentos e evidências expostos no livro Toxic Cocktail, de Barbara Demeneix, recentemente publicado pela Oxford University Press. A pesquisadora britânica, que há muito trabalha na maior organização pública de pesquisa da França (CNRS), mostra que estará comprometido o mais sofisticado produto da evolução - nossos cérebros - caso não haja quebra de paradigma na indústria química e em suas dependentes nas cadeias alimentar, cosmética e farmacêutica. Sem tal mudança, não surgirão mais talentos como os de Bach, Mozart, Newton ou Einstein. Bem pior: continuarão a aumentar muito as proporções de crianças com déficit de atenção, hiperatividade, baixos quocientes de inteligência (QI), incapacidade mental e autismo.
Poucos leitores do Valor terão acesso ao livro recomendado antes que seja traduzido. Mas a boa notícia é que também existe um documentário do canal de TV franco-germânico ARTE, tão bem realizado que até poderá ser mais proveitoso que a leitura da obra que lhe deu origem.
Sua versão com legendas em português não estará acessível na rede até que algum canal de TV brasileiro ouse exibi-la, prestando imenso serviço à coletividade. Antes disso poderá ser assistida, ao menos em São Paulo, na quinta-feira, 13 de dezembro, no Cineclube Socioambiental da Sala Crisantempo: http://www.cineclubesocioambiental.com.br
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José Eli da Veiga é professor sênior do IEE/USP (Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo) e autor de Amor à Ciência (Senac, 2017), o mais recente de seus 27 livros.
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