sábado, 12 de outubro de 2019

Monica de Bolle* - Por uma macroeconomia verde

- Revista Época

Remover subsídios aos combustíveis e taxar carbono são medidas com potencial político explosivo

Em artigo recente, o economista e professor da London School of Economics Nicholas Stern advertiu que os economistas não estão dando a devida atenção ao maior desafio para o desenho das políticas públicas hoje: o meio ambiente e o impacto econômico das mudanças climáticas. Stern destacou que entre as principais revistas acadêmicas de economia há pouquíssimos artigos que abordam o tema, apesar de sua importância crescente no debate internacional e na mídia. Os desafios, entretanto, são reais e visíveis. Basta acompanhar o que está acontecendo no Equador após a decisão do governo de remover os subsídios aos combustíveis. Basta ver quão empenhada está a União Europeia (UE) em reduzir as emissões de carbono a zero até 2050. Basta ler o projeto de lei do Congresso americano a respeito da criação de um imposto sobre o carbono (House Resolution 763, de janeiro de 2019).

Remover subsídios aos combustíveis e taxar carbono são medidas com potencial político explosivo. Exemplos não faltam: a greve dos caminhoneiros no Brasil em 2018, os protestos dos coletes amarelos que sacudiram a França, a turbulência social que forçou o governo do Equador a se deslocar de Quito para Guayaquil.

Contudo, isso não quer dizer que essas medidas, cujos benefícios na forma de redução de emissões dos gases responsáveis pelo efeito estufa são evidentes, não devam ser adotadas. É certo que a remoção de um subsídio sobre combustíveis fósseis ou a introdução de um imposto sobre o carbono têm efeito imediato maior sobre as faixas de renda mais baixas da população. Essa regressividade está na raiz dos protestos e da turbulência política associados a essas medidas.

Contudo, há formas de evitar ou conter tais efeitos, desde que se tenha a compreensão adequada dos desafios políticos e econômicos. Entre os economistas falta essa discussão, como bem ilustra o caso do Equador. Os subsídios foram removidos para ajustar as contas públicas do país, hoje em dificuldades financeiras e com um programa recém-negociado com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Entretanto, dado o impacto redistributivo dessa medida, ela não pode ser usada simplesmente para melhorar as contas públicas. Para evitar o efeito negativo sobre a desigualdade, a remoção do subsídio teria de vir acompanhada de um mecanismo compensatório que elevaria o gasto público.

A discussão se assemelha às questões relativas à introdução de um imposto sobre as emissões de carbono. O projeto de lei do Congresso americano prevê a criação de um fundo constituído das receitas obtidas do tributo para compensar os mais afetados por ele, isto é, um mecanismo para devolver à população o ônus do imposto mediante dividendos de carbono. Na UE, onde vários países já adotaram o imposto, mecanismos semelhantes já estão em uso. Ou seja, a introdução de um imposto sobre o carbono não pode ter por objetivo aumentar as receitas do governo — tem de ser neutra do ponto de vista orçamentário, dada a necessidade de compensar os mais pobres pela regressividade do tributo.

Poucos são os macroeconomistas que discutem esses temas. Assim como poucos são os macroeconomistas que discutem o papel da política fiscal, isto é, do gasto e do investimento público, na redução das emissões de carbono. É igualmente raro encontrar artigos escritos por economistas sobre como desenhar políticas para o investimento em infraestrutura que sejam compatíveis com a redução das emissões de carbono.

Muito surpreende essa ausência dos macroeconomistas em debate demasiado importante. Afinal, as causas das mudanças climáticas estão diretamente associadas à atividade econômica, como apontam os estudos científicos há décadas. Redesenhar as políticas públicas para reduzir emissões traz não apenas o benefício de atenuar os danos ao meio ambiente, mas também a oportunidade de reestruturar economias. O Brasil goza de posição privilegiada para ser pioneiro nesse debate. Infelizmente, temos um governo profundamente desinteressado pelos temas levantados — para não falar do desprezo descarado.

*Monica de Bolle é diretora de estudos latino-americanos e mercados emergentes da Johns Hopkins University e pesquisadora sênior do Peterson Institute for International Economics

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