- Folha de S. Paulo
Não devemos ignorar os enormes ganhos que estudos observacionais já nos proporcionaram
A essa altura, muitos leitores já não devem aguentar mais ouvir falar em curvas de contágio, R (número de reprodução), imunidade de rebanho e outros termos da epidemiologia. Ainda assim, ouso recomendar "The Rules of Contagion" (as regras do contágio), de Adam Kucharski, ao qual já fiz alusão aqui.
O livro foi finalizado antes da pandemia de Covid-19, então não trata da ameaça que enfrentamos. Mas Kucharski, que é matemático por formação, conta a história da epidemiologia, que surgiu com o teorema do mosquito de Donald Ross no início do século 20, e consegue explicar com didatismo e sabor literário os princípios sobre os quais ela se assenta.
O resultado é uma fascinante combinação de matemática com biologia, psicologia e várias outras ciências. Até arquitetura entra, quando se avaliam condições de moradia que podem fazer muita diferença numa epidemia.
O mais interessante, porém, é que Kucharski não se limita a tratar de doenças. Ele vai bem além e mostra como os princípios da epidemiologia ajudam a entender fenômenos tão diversos como crises financeiras, violência, fake news e até o marketing.
O autor não esconde as limitações de seu ramo de saber. Diz que, como a epidemiologia se calca muito mais em análises observacionais do que em experimentos —é quase sempre antiético contaminar pessoas com um patógeno para ver o que acontece—, já se sugeriu que ela está mais próxima do jornalismo que da ciência: descreve os acontecimentos enquanto eles se desenrolam, em vez de tirar conclusões de situações controladas.
Pode ser, mas não devemos ignorar os enormes ganhos que estudos observacionais já nos proporcionaram. Foi graças a eles que descobrimos que cigarros causam câncer e que não era uma boa ideia usar raios-X em lojas de sapatos para ver como o pé ficava dentro do calçado, entre vários outros achados que tornaram nossas vidas mais longas e seguras.
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