Folha de S. Paulo
A doença insidiosa pôs freios à onda
mundial desse gênero de autoritarismo
Quando a pandemia de Covid-19 começou,
estudiosos da política e da sociedade temeram que seus efeitos pudessem ir além
da destruição de vidas. Imaginaram que o vírus viesse a fortalecer o populismo
—de direita ou de esquerda—, dotando os seus líderes de pretextos para
concentrar poder e atropelar as liberdades e as instituições da democracia, em
nome, bem entendido, da defesa da saúde coletiva.
O receio —embora plausível— não se confirmou. É o que mostra o abrangente estudo do Centro para o Futuro da Democracia, da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, divulgado na semana passada, sob o título "The great reset - public opinion, populism and pandemic" (A grande reconexão: opinião pública, populismo e pandemia).
Primeira revisão do impacto da calamidade
sobre atitudes e convicções políticas ao redor do mundo, o documento consolida
resultados de numerosas pesquisas conduzidas em 27 países com pouco mais de 180
mil pessoas, ao longo de 2020 e 2021.
Os dados retrabalhados pelos autores do
relatório são, em certa medida, surpreendentes: a doença insidiosa parece ter
posto freios à onda mundial daquele gênero particular de autoritarismo, quando
não provocado sua reversão em três planos diferentes.
Governantes populistas perderam apoio da
opinião pública antes e de forma mais acentuada do que chefes de Estado
democráticos. Alguns perderam eleições e tiveram que deixar o poder —Trump, nos
Estados Unidos; Netanyahu, em Israel; Babis, na República Checa— ou estão com a
cabeça a prêmio nos pleitos de 2022, a exemplo do húngaro Orbán e do brasileiro
Bolsonaro.
Partidos populistas também viram seu
prestígio minguar. Em toda a Europa Ocidental, agremiações de extrema direita
foram as mais punidas pelos eleitores. Na América, o Morena do mexicano López
Obrador não obteve a maioria necessária para mudar a Constituição. O chavismo
sofreu derrota em pleito recente para os governos subnacionais venezuelanos.
Por fim, encolheu também a adesão dos
cidadãos a crenças comumente mobilizadas pelas lideranças populistas, como a da
oposição entre o "povo puro" e as "elites corruptas", ou a
alegação de que a "vontade popular", encarnada no autocrata da vez,
deve pairar sobre as instituições da democracia.
Ao buscar explicações para a erosão generalizada
das simpatias pela família política na qual Bolsonaro se distingue, o relatório
ressalta a percepção do desastre promovido por seus membros no enfrentamento da
pandemia. Além do cansaço da polarização política, onde viceja a extrema
direita, e uma renascida aspiração por soluções políticas moderadas.
*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap
Um comentário:
Pois é,moderação é tudo.
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