Valor Econômico
O aumento de gastos públicos tipicamente
implementado no Brasil tende a apreciar a taxa de câmbio real
Em coluna anterior, registrei o pífio
desempenho da economia brasileira nos últimos 50 anos, que confirma um padrão
histórico pouco encorajador, que vem sendo observado desde a independência, com
um interregno dinâmico em parte do século passado.
O objetivo aqui é ampliar o foco, e
considerar os casos de sucesso, isto é, as economias que conseguiram, nas
últimas décadas, sair da renda média e alcançar patamar de ingresso mais
próximo (em alguns casos superior) ao observado nos EUA.
É claro que classificar uma economia como “desenvolvida” ou “avançada” é algo que abrange várias dimensões, mas para os propósitos desta coluna, vou estabelecer, de forma arbitrária, que convergência significa atingir um nível de renda per capita de pelo menos 60% daquele observado na economia americana.
Utilizando os dados da Penn World Table
(PWT), fica claro que, desde 1950, houve duas ondas de convergência. A primeira
foi caracterizada pelo avanço de diversas economias europeias, que haviam
sofrido as consequências destrutivas da Segunda Guerra Mundial.
A segunda, desde 1980, foi centrada na
Ásia, com a ascensão de várias economias abertas - Cingapura, Coreia do Sul,
Hong-Kong e Taiwan - bem como economias europeias que se beneficiaram da
entrada na então Comunidade, nomeadamente Espanha e Irlanda. A América Latina
não está representada nesse clube.
A lista dos países que convergiram sugere o
tamanho do desafio enfrentado pela economia brasileira, se quisermos avançar
efetivamente na rota da convergência. Em primeiro lugar, geografia importa. As
manchas de riqueza se espalharam, nas últimas décadas, a partir do núcleo
europeu, na medida em que economias emergentes do continente foram integradas
nos mercados de bens, trabalho e capital da região. Esse processo beneficiou os
países ibéricos e a Irlanda, e poderá ter efeito semelhante nos países da
Europa central e do leste nas próximas décadas.
O enriquecimento por integração geográfica
não parece ser uma alternativa para o caso brasileiro. Nossos vizinhos não são
tão afluentes, e tampouco crescem muito, além de serem economias menores. Mas
essa não é a única possibilidade. O outro caminho é o enriquecimento através do
comércio, como as economias da Ásia. Para tanto, é preciso estar disposto a
criar condições para a inserção do país nas correntes de comércio e produção
internacionais, a partir da abertura econômica. Vale notar, que em 1980 as
citadas economias já eram mais abertas que o Brasil - na Coreia do Sul, por
exemplo, o comércio exterior equivalia a 66% do PIB, ante 20% no caso
brasileiro (ou 54% e 15%, respectivamente, se excluirmos combustíveis). Essas
economias puderam, assim, se beneficiar da globalização.
Enquanto isso, escolhas de política
comercial levaram o Brasil a se manter isolado, uma economia introvertida, com
elos tênues com as principais cadeias produtivas globais. Na década passada, o
país optou por “aprofundar” o Mercosul, em vez de apoiar a área de livre
comércio das Américas (Alca) - um mercado potencial várias vezes maior. Apenas
recentemente chegamos a um acordo de livre comércio com a Comunidade Europeia,
mas sua ratificação por certos países europeus é duvidosa.
Além da política comercial, aspectos da
política econômica doméstica também contribuíram para manter nossa economia
introvertida. A combinação de gastos públicos em crescimento forte e
praticamente ininterrupto (ao ritmo de 6% ao ano além da inflação entre 1997 e
2016), com segmentação do mercado de crédito, caracterizado por amplos
subsídios a setores e empresas selecionadas, obrigou a autoridade monetária a
manter taxas de juros elevadas para o padrão internacional, com vistas a
tentar, nem sempre com sucesso, atingir as metas para a inflação. Todo o resto
constante, o mix de política fiscal frouxa e monetária apertada contribui para
a apreciação da moeda, desincentivando o comércio exterior.
Vale notar que a política fiscal pode
afetar o preço relativo dos itens comercializáveis sobre os não
comercializáveis diretamente. Um resultado geralmente aceito na literatura
econômica é que aumento de gasto público, notadamente consumo e transferências,
tende a elevar o preço relativo dos itens não transacionáveis, o que atrai
recursos para essas atividades e, consequentemente, contribui para atrofiar o
setor comercializável. O resultado é menos claro se o aumento for apenas no
investimento, mas investimento do setor público não tem sido a prioridade nas
últimas décadas. Em suma, o aumento de gastos públicos tipicamente implementado
por aqui tende a apreciar a taxa de câmbio real.
A abertura da economia não é garantia de
aceleração de crescimento, mas parece ser condição necessária para tanto. Uma
política comercial historicamente defensiva e tímida, e políticas econômicas
domésticas que geram viés de apreciação do câmbio real, são obstáculos que o
país em tese precisaria superar, se quiser voltar a crescer de forma
sustentada.
*Mario Mesquita é economista-chefe do Itaú Unibanco
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