Valor Econômico
Bem-sucedido, ex-presidente do Banco
Central sempre foi subestimado
Quando o jornalista Chico Mendez criou o
bordão “Chama o Meirelles”, o maior achado de marketing político da eleição
presidencial de 2018, o ex-presidente do Banco Central (BC) e ex-ministro da
Fazenda já havia sido “chamado” pelo menos três vezes por governantes para
socorrê-los. Goiano de Luziânia, cidade a menos de 50 Km de Brasília,
engenheiro formado pela Poli, a prestigiosa Escola Politécnica da USP, Henrique
Meirelles é, ao mesmo tempo, o homem público mais subestimado da história do
país e um dos mais bem-sucedidos.
Em novembro de 2002, quando ainda beliscava o braço para ter certeza de que vencera mesmo a eleição para Presidente depois de chegar em segundo lugar nos três pleitos anteriores, Luiz Inácio Lula da Silva foi logo pressionado pelo coordenador do programa de governo de sua campanha e futuro ministro da Fazenda, Antonio Palocci, a iniciar as consultas para a escolha do presidente do Banco Central.
Como se sabe, durante a campanha, Lula fez
acenos ao mercado, na tentativa de acalmar investidores quanto a seu governo.
Uma mistificação persiste em relação àquela
eleição - a de que Lula, com a “Carta aos Brasileiros”, divulgada em junho de
2002, teria apaziguado os ânimos dos agentes econômicos, apavorados pelo receituário
anacrônico defendido por petistas desde a fundação do partido, em 1980.
A carta não fez cócegas na convicção dos
participantes do mercado. Mas não era para fazer mesmo porque os destinatários
não eram eles, mas, sim, os correligionários do candidato do PT.
Fundador e líder da legenda desde sempre,
Lula sabia que, se há algo que militantes de partidos e eleitores não toleram,
inclusive aqui no Brasil, onde se afirma que o sistema político é caótico, é
estelionato eleitoral. Na carta, o petista avisou ao seu pessoal algo como
“treino é treino, jogo é jogo”, frase cunhada por Waldir Pereira, o Didi, um
dos maiores craques da história do futebol.
“Quando você senta na cadeira de Presidente
da República, não pode mais ser principista [fortemente ou radicalmente ligado
a princípios]”, disse Lula certa vez, quando foi questionado se ainda era um
político de esquerda. Ele também teve consciência que a sua liderança nas
pesquisas de intenção foi responsável por massiva fuga de capitais do país,
fato que provocou a maior desvalorização do real frente ao dólar da história da
moeda brasileira até então e, consequentemente, a aceleração da inflação e o
agravamento da situação fiscal.
Na época, o ex-governador do Distrito
Federal Cristovam Buarque recomendou a Lula que mantivesse Pedro Malan na
Fazenda e Armínio Fraga no BC por cem dias. E prenunciou que, na economia, PT e
PSDB não diferiam muito, ao contrário dos temas sociais. O que Cristovam,
esquerdista moderado desde sempre, não revelou a ninguém é que, se tivessem
permanecido, os dois, principalmente Armínio, uma vez que Malan acionara Lula
na Justiça por difamação, ficariam além dos cem dias.
A razão para a presunção era uma só: o
futuro ministro da Educação conhecia bem o pragmatismo de Lula. Zé Dirceu,
porém, coordenador da campanha petista e número 2 na hierarquia do primeiro
mandato do petista em Brasília, vetou peremptoriamente essa possibilidade.
Já convertido, principalmente por Arminio
Fraga, ao arcabouço econômico que vigia no país desde meados de 1999, o
trotskista Palocci tinha pressa porque a economia continuava derretendo feito
congelador durante blecaute no verão carioca.
Consultou economistas como Pedro Bodin e
José Júlio Senna para assumir o comando do BC. Bodin disse “não” e Senna, um
dos economistas mais competentes, educados e elegantes do país, diante da
hesitação do petista em lhe enviar passagens de ida e volta do Rio para
Brasília para uma conversa séria, achou melhor não levar a prosa adiante.
E, aí, chamaram o Meirelles. Tratava-se da
crônica do fracasso anunciado. O convidado reunia as “piores” condições para
comandar o BC num governo petista. Era filiado ao PSDB (elegeu-se naquele
pleito deputado federal), o arquirrival do PT desde a eleição de 1994 e
“banqueiro”. Pior: de um banco americano (o BankBoston, do qual Meirelles foi o
presidente internacional). Eram muitos desaforos reunidos numa pessoa só.
O partido que barrou Arminio aceitou um
tucano. A verdade, dura, é que os petistas, com exceção do agora não
principista Lula, infernizaram a vida de Henrique Meirelles durante os oito
anos, um recorde, em que permaneceu no cargo. Mais do que isso: o ex-tucano foi
o presidente do BC de maior sucesso da história do país.
João Doria não precisou chamar Meirelles
porque ele não tinha propriamente um incêndio para apagar. Mas, ao convidá-lo,
deu a seu secretariado um peso de ministério. Porque, com Meirelles, tudo dá
certo. No gráfico, uma das provas disso.
*Cristiano Romero é diretor-adjunto de redação
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