quinta-feira, 8 de setembro de 2022

Cristiano Romero* - 2023: a importância da lua de mel

Valor Econômico

Dilma ignorou capital político da reeleição

No Brasil, a lua de mel de presidentes eleitos com os eleitores e a classe política, inclusive, com os partidos aliados que apoiaram sua chegada ao poder, dura muito pouco tempo, em geral, apenas 12 meses. No segundo ano do mandato, há eleições municipais, e estas, embora intrinsecamente ligadas a questões locais, funcionam como um teste de popularidade e força política do primeiro mandatário. Ademais, a escolha do prefeito de São Paulo, terceiro orçamento do país, menor somente que o da União e o do governo paulista, tem sempre repercussão nacional.

Todos os presidentes eleitos desde o retorno da eleição direta, em 1989, usaram o primeiro ano de mandato para propor, ao Congresso Nacional, agenda de mudanças institucionais. A única exceção foi Dilma Rousseff, em seu segundo mandato (2015-2016) - no início do primeiro (2010-2014), a presidente, a menos ambiciosa em termos de propostas, encaminhou a regulamentação da reforma da Previdência aprovada em 2003, igualando as regras de aposentadoria entre funcionários públicos contratados a partir dali e as do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), que regem a previdência dos trabalhadores do setor privado, e iniciou a privatização dos aeroportos.

O capital político do cidadão escolhido por milhões de eleitores para subir a rampa do Palácio do Planalto é enorme, o suficiente para aprovar medidas, especialmente, alterações na Constituição Federal. O Congresso, é bom lembrar, não contraria a vontade majoritária do povo. A experiência da redemocratização brasileira - desde 1985 - mostra que o parlamento não é, ao contrário do que se propugna em alguns setores da sociedade, obstáculo à aprovação de agendas trazidas pelos presidentes eleitos.

Fernando Collor, no primeiro dia de mandato (15 de março de 1990), confiscou os depósitos bancários (à vista, a prazo, inclusive, a poupança) e a decisão foi aprovada na sequência pelo Poder Legislativo. Itamar Franco, seu sucessor após o impeachment em setembro de 1992, obteve dos congressistas tudo o que quis para viabilizar o lançamento, em julho de 1994, do Plano Real, o programa que, finalmente, estabilizou os preços na economia brasileira depois de quase três décadas de inflação crônica, superinflação e hiperinflação.

Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2002) aprovou, no Congresso, as emendas constitucionais que extinguiram os monopólios estatais das áreas de exploração de petróleo e da prestação de serviços de energia e telecomunicações. Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006 e 2007-2010), conforme mencionado, sucedeu ao convencer o parlamento a aprovar a segunda reforma da previdência em cinco anos _ a primeira passou, em 1998, último ano do primeiro mandato de FHC.

A democracia brasileira revela que mesmo vice-presidentes possuem capital político quando assumem o cargo. Itamar e Michel Temer comandaram o país porque os eleitos foram afastados pelo Congresso em processos de impeachment. Itamar montou uma coalizão, da qual participaram praticamente todos os partidos, para assegurar estabilidade política ao país até a eleição seguinte, em 1994. Temer assumiu o país em meio a uma profunda crise econômica e política, provocada pelo próprio governo.

Eleito vice-presidente de Dilma Rousseff em 2010 e em 2014, Temer não era conhecido dos eleitores. O último pleito que vencera foi o deputado federal, em 2006, pelo PMDB de São Paulo. É um político de grande prestígio entre os parlamentares. Presidiu a Câmara em três oportunidades. Quando rompeu com a presidente Dilma, em agosto de 2015, e, dois meses depois, lançou o documento "Ponte para o Futuro", ficou claro que estava se apresentando à sociedade como alternativa para a hipótese, ainda frágil na ocasião, de a petista perder o mandato por impeachment. É indiscutível que, no primeiro mandato, a presidente, ao mudar de forma inexplicável a política econômica que herdou de Lula, e que em última instância foi a responsável por elegê-la presidente da República no pleito de 2010, plantou as sementes da profunda e longa recessão que se abateu sobre a economia entre 2014 e 2016.

Para enfrentar os problemas criados pela Nova Matriz Econômica (NME), como ficou conhecido o conjunto de mudanças posto em prática entre 2011 e 2013, Dilma adotou uma série de medidas de caráter populista.

Em 2014, Dilma é reeleita. Isto significa dizer que os eleitores aprovaram sua gestão? No Brasil, muitos costumam culpar o povo pelos erros cometidos por políticos eleitos. Parte-se do pressuposto, equivocado, de que brasileiro não sabe votar. Ora, a maioria dos eleitores votou em Dilma em 2010 porque Lula, responsável por indicá-la à sucessão, tinha 85% de popularidade, era, portanto, o cabo eleitoral decisivo daquele pleito. Em 2014, a maioria dos eleitores decidiram manter Dilma no poder - lembremo-nos: a recessão só se iniciou naquele ano; seus piores efeitos sobre a vida das pessoas ainda estavam por vir.

E o que Dilma fez em 2015, primeiro ano do novo mandato? Nomeou o economista liberal Joaquim Levy para promover profundo ajuste na economia, de forma a lidar com as consequências negativas provocadas pela NME. Seu novo termo tornou-se uma espécie de ajuste, e isso criou em seus eleitores o pior dos sentimentos: o de que foram enganados, o de que a presidente fez "estelionato eleitoral".

Para piorar, em vez de aproveitar o renovado capital político para propor uma agenda ao Congresso - ou estava tudo certo e o Brasil não necessitava mais de mudanças institucionais? -, Dilma optou por digladiar-se com o então eleito presidente da Câmara, Eduardo Cunha, um de seus aliados no Congresso. O resultado da ópera-bufa é conhecido.

Temer, mesmo sem ter recebidos votos diretamente do povo, assumiu em maio de 2016 o lugar de Dilma com capital político suficiente para desfazer, por meio do Congresso, uma série de decisões tomadas pela antecessora e retomar a agenda de reformas institucionais.

Eleito em 2018, o polêmico Jair Bolsonaro não fugiu à regra ao usar o primeiro ano de mandato para propor ao Congresso a terceira reforma da previdência em 20 anos, a mais impopular de todas. E o Parlamento a aprovou.

*Cristiano Romero é diretor-adjunto de redação

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Esclarecedor o artigo.